quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Zé Celso o pescador.


Lendas escoteiras.
Zé Celso o pescador.

              Zé Celso era Escoteiro da Patrulha Morcego, simples apenas um menino escoteiro. Magro e franzino se esforçava para acompanhar os amigos da patrulha. Sua mãe Dona Eulália e seu pai Senhor Chaparral eram pessoas boas e muitos comentavam que seu avô por parte de mãe foi escravo da fazenda do Coronel Miltinho. Seu pai era considerado um Mestre Pescador. Viviam da pesca que ele retirava do Rio Tambaú. Os peixes estavam rareando. Já não eram mais como antigamente. A pesca de rede era proibida, mas poucos ligavam para isto. Zé Celso nasceu no rio. Adorava pescar. A Patrulha adorava Zé Celso, não só pela sua calma, pela sua educação, pela sua voz ponderada, mas também por que sabia que com ele comeriam uma boa moqueca de peixe. Alem de pescar era exímio nos pratos de pescados. Seja em panela ou assado na brasa.

             Quem me contou esta história não foi ele. Foi Wantuil seu Monitor há alguns anos atrás. Encontrei-me com ele na Barra do Jacu, onde levei um Clã Pioneiro para descer o rio até a foz do São Francisco. Os pioneiros se deliciaram com a história. No final ele foi ovacionado e até pagaram uma lauta refeição no refeitório do barco a vapor que viajamos. Quando contava a história me lembrei do conto de O VELHO E O MAR de Ernest Hemingway. A luta do "Velho" pescador pelo peixe da sua vida. Acho que todos devem ter lido. Mas vamos à história. Wantuil disse que foram acampar na barranca do Rio Tambaú bem próximo onde desaguava o Rio Colorado. No segundo dia centenas apareceram voando em cima do acampamento. O Chefe Mira Flores ficou cismado e tanto procurou que achou uma vaca presa na beira do rio no meio de cipós trazidos pela cheia. Os urubus sabiam que era morte certa. Nada que o Chefe Mira Flores desse um jeito. A vaca foi solta.

             À tardinha Zé Celso foi liberado para sua pescaria. Sabia que ali tinha peixes de bom tamanho e pretendia presentear a todas as patrulhas neste acampamento com um bom pescado. Era mestre em armadilhas. Fazia uma que era tiro e queda. Uma vara flexível de bambu, de mais ou menos dois metros e meio, um cabo fino de mais ou menos um metro preso com um anzol grande. Bem abaixo no pé do bambu outro de uns vinte centímetros amarrado transversalmente com uma amarra diagonal. Na ponta deste menorzinho ele cortava fatias de mandioca que se encaixavam no bocal do bambu. Esticava o cabo segurava no anzol e enfiava a ponta na mandioca. Soltava devagar, pois se não ficasse bem preso sua mão ou seu dedo seriam fisgados.

              Zé Celso fez três destas armadilhas. Entrou na água por um oito metros e fincou cada bambu no fundo do rio. Ali não era fundo. Não mais que um metro e meio. Dava para ver a ponta das varas. Agora era esperar na margem que algum dourado mordesse. Se desse certo e sempre dava em pouco tempo teriam um ou dois peixes fisgados. O primeiro cabo da vara se soltou. Vazia. Lambaris pensou. Eles sempre atrapalham. Meia hora, uma hora e a segunda vara entortou toda. Zé Celso correu para dentro d’água. Sabia que o peixe com sua força arrancaria a vara da areia no fundo do rio. Quando foi segurar a vara levou o maior susto. O maior Dourado que ele já vira. Zé Celso calculou por baixo uns doze quilos. Enorme. De vez em quando vinha à tona e dava um salto que maravilhava Zé Celso. O sol batia sobre sua pele e o peixe brilhava mostrando sua cor vermelha e metálica.

              Ficou segurando a vara fincada no rio por algum tempo. Não podia soltar. Sabia que chamar seus amigos escoteiros era impossível. Longe demais. Nem se deu conta que eles não sabiam qual pesqueiro estaria usando. Meio dia, uma hora, duas três. O peixe não se cansava. Corria para todo lado.  Uma perna de Zé Celso começou a dar câimbra. Ele estoicamente não desistiu. Ficou ali. Era o seu maior peixe. Não iria perdê-lo. Quatro horas, seis começou a escurecer. Agora sabia que já estavam o procurando. Em breve o achariam. Oito da noite, nove, uma hora da manhã. Nada. Um frio de doer. Zé Celso lá. Não largava o seu peixe de jeito nenhum. Seus lábios tremiam. Seus dentes batiam um no outro. Às quatro da manhã começou a se sentir cansado. Seu corpo não queria mais obedecer a sua mente. Fez o que nunca deveria ter feito.

               Pegou o cabo da outra vara e a amarrou em sua perna. Arrancou a vara do peixe fisgado e se deixou levar na correnteza. Nadava bem e sabia boiar. O dia amanhecendo. Zé Celso boiava rio afora. Pensou que quando passasse por baixo da ponte do Cavalo Doido alguém o veria. O dia já havia amanhecido. Um pescador o viu. Foi até ele com seu barco. O ajudou até margem. Quando retirou a vara o peixe era só esqueleto. Um enorme espinhaço. As piranhas do rio comeram todo o peixe. Zé Celso chorou. Tanto trabalho por nada. A tropa o encontrou exausto e chorando próximo à ponte. Procuraram-no a noite toda.


              Zé Celso não pegou seu maior peixe. Mas foi ovacionado por todos os escoteiros. Ficou conhecido pela sua tenacidade. A cidade em peso soube de sua história. Quando passava na rua era cumprimentado. Na sua sala de aula a professora fez um discurso para ele. – Disse: - Que Zé Celso seja o exemplo para vocês. Desistir nunca! Nunca mais Zé Celso pegou um peixe daquele tamanho. Não desistiu de pescar e a patrulha comeu bons guisados de peixe frito na brasa. Sei que levaram a espinha do Dourado e colocaram no coreto em praça publica. Ficou lá por muitos anos. Todos até hoje imaginaram se Zé Celso tivesse pegado seu peixe. Como se diz por aí, nem sempre temos aquilo que gostaríamos de ter. 

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