Lendas escoteiras.
Zé Celso o pescador.
Zé Celso era
Escoteiro da Patrulha Morcego, simples apenas um menino escoteiro. Magro e
franzino se esforçava para acompanhar os amigos da patrulha. Sua mãe Dona
Eulália e seu pai Senhor Chaparral eram pessoas boas e muitos comentavam que seu
avô por parte de mãe foi escravo da fazenda do Coronel Miltinho. Seu pai era
considerado um Mestre Pescador. Viviam da pesca que ele retirava do Rio Tambaú.
Os peixes estavam rareando. Já não eram mais como antigamente. A pesca de rede
era proibida, mas poucos ligavam para isto. Zé Celso nasceu no rio. Adorava
pescar. A Patrulha adorava Zé Celso, não só pela sua calma, pela sua educação,
pela sua voz ponderada, mas também por que sabia que com ele comeriam uma boa moqueca
de peixe. Alem de pescar era exímio nos pratos de pescados. Seja em panela ou
assado na brasa.
Quem me contou esta
história não foi ele. Foi Wantuil seu Monitor há alguns anos atrás.
Encontrei-me com ele na Barra do Jacu, onde levei um Clã Pioneiro para descer o
rio até a foz do São Francisco. Os pioneiros se deliciaram com a história. No
final ele foi ovacionado e até pagaram uma lauta refeição no refeitório do
barco a vapor que viajamos. Quando contava a história me lembrei do conto de O VELHO E O MAR de Ernest Hemingway. A luta do "Velho"
pescador pelo peixe da sua vida. Acho que todos devem ter lido. Mas vamos à
história. Wantuil disse que foram acampar na barranca do Rio Tambaú bem próximo
onde desaguava o Rio Colorado. No segundo dia centenas apareceram voando em
cima do acampamento. O Chefe Mira Flores ficou cismado e tanto procurou que
achou uma vaca presa na beira do rio no meio de cipós trazidos pela cheia. Os
urubus sabiam que era morte certa. Nada que o Chefe Mira Flores desse um jeito.
A vaca foi solta.
À
tardinha Zé Celso foi liberado para sua pescaria. Sabia que ali tinha peixes de
bom tamanho e pretendia presentear a todas as patrulhas neste acampamento com
um bom pescado. Era mestre em armadilhas. Fazia uma que era tiro e queda. Uma
vara flexível de bambu, de mais ou menos dois metros e meio, um cabo fino de
mais ou menos um metro preso com um anzol grande. Bem abaixo no pé do bambu
outro de uns vinte centímetros amarrado transversalmente com uma amarra
diagonal. Na ponta deste menorzinho ele cortava fatias de mandioca que se
encaixavam no bocal do bambu. Esticava o cabo segurava no anzol e enfiava a
ponta na mandioca. Soltava devagar, pois se não ficasse bem preso sua mão ou
seu dedo seriam fisgados.
Zé Celso
fez três destas armadilhas. Entrou na água por um oito metros e fincou cada
bambu no fundo do rio. Ali não era fundo. Não mais que um metro e meio. Dava
para ver a ponta das varas. Agora era esperar na margem que algum dourado
mordesse. Se desse certo e sempre dava em pouco tempo teriam um ou dois peixes
fisgados. O primeiro cabo da vara se soltou. Vazia. Lambaris pensou. Eles
sempre atrapalham. Meia hora, uma hora e a segunda vara entortou toda. Zé Celso
correu para dentro d’água. Sabia que o peixe com sua força arrancaria a vara da
areia no fundo do rio. Quando foi segurar a vara levou o maior susto. O maior Dourado
que ele já vira. Zé Celso calculou por baixo uns doze quilos. Enorme. De vez em
quando vinha à tona e dava um salto que maravilhava Zé Celso. O sol batia sobre
sua pele e o peixe brilhava mostrando sua cor vermelha e metálica.
Ficou
segurando a vara fincada no rio por algum tempo. Não podia soltar. Sabia que
chamar seus amigos escoteiros era impossível. Longe demais. Nem se deu conta
que eles não sabiam qual pesqueiro estaria usando. Meio dia, uma hora, duas
três. O peixe não se cansava. Corria para todo lado. Uma perna de Zé Celso começou a dar câimbra.
Ele estoicamente não desistiu. Ficou ali. Era o seu maior peixe. Não iria
perdê-lo. Quatro horas, seis começou a escurecer. Agora sabia que já estavam o
procurando. Em breve o achariam. Oito da noite, nove, uma hora da manhã. Nada.
Um frio de doer. Zé Celso lá. Não largava o seu peixe de jeito nenhum. Seus
lábios tremiam. Seus dentes batiam um no outro. Às quatro da manhã começou a se
sentir cansado. Seu corpo não queria mais obedecer a sua mente. Fez o que nunca
deveria ter feito.
Pegou
o cabo da outra vara e a amarrou em sua perna. Arrancou a vara do peixe fisgado
e se deixou levar na correnteza. Nadava bem e sabia boiar. O dia amanhecendo.
Zé Celso boiava rio afora. Pensou que quando passasse por baixo da ponte do
Cavalo Doido alguém o veria. O dia já havia amanhecido. Um pescador o viu. Foi
até ele com seu barco. O ajudou até margem. Quando retirou a vara o peixe era
só esqueleto. Um enorme espinhaço. As piranhas do rio comeram todo o peixe. Zé
Celso chorou. Tanto trabalho por nada. A tropa o encontrou exausto e chorando próximo
à ponte. Procuraram-no a noite toda.
Zé
Celso não pegou seu maior peixe. Mas foi ovacionado por todos os escoteiros.
Ficou conhecido pela sua tenacidade. A cidade em peso soube de sua história.
Quando passava na rua era cumprimentado. Na sua sala de aula a professora fez
um discurso para ele. – Disse: - Que Zé Celso seja o exemplo para vocês.
Desistir nunca! Nunca mais Zé Celso pegou um peixe daquele tamanho. Não
desistiu de pescar e a patrulha comeu bons guisados de peixe frito na brasa. Sei
que levaram a espinha do Dourado e colocaram no coreto em praça publica. Ficou
lá por muitos anos. Todos até hoje imaginaram se Zé Celso tivesse pegado seu
peixe. Como se diz por aí, nem sempre temos aquilo que gostaríamos de ter.
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