Lendas
Escoteiras.
As
lágrimas do silêncio.
- Boa tarde! – Olhei para ver quem
era. – Um senhor de uns quarenta anos já grisalho adentrou a sede. Estava
sozinho. Sério me perguntou – O senhor é o Chefe? Balancei a cabeça levemente
concordando. – Vou lhe dizer o motivo de minha vinda. – Não quer sentar? Ele não se fez de rogado.
Ainda nem mesmo sei por que estou aqui. Deveria estar com ela, contando causos,
histórias de fadas que ela ainda acredita. – Não disse nada. Agora era hora de
ouvir e saber o motivo de sua visita. – Eu tenho uma filha, Helena, tem onze
anos e desde que nasceu tem uma doença degenerativa dos ossos, que dizem se
chamar artrite degenerativa. Tentei tudo, vendi tudo o que tinha e fui com ela
para a Europa, e depois aos Estados Unidos e os melhores especialistas não me
deram nenhuma esperança. Ela nunca seria como as outras crianças. Nosso médico
já nos alertou que ela tem muito pouco tempo de vida. – Ouvia-o com pesar.
Dizer o que? Vi em seus olhos lágrimas caindo. Não interrompi.
- Helena está pele e osso. Mal
aguenta andar. Ela sabe o que tem nunca escondi. Na semana passada me pediu que
eu a trouxesse aqui. Ela queria conhecer e ver de perto os escoteiros. Disse
que leu sobre vocês e sonhou em ser uma escoteira. Não sabia qual a recepção
que a esperava. Ela tem a cartilagem danificada e começa a aparecer uma
deformidade em uma das suas pernas. Seria penoso para vocês entender o porquê
ela quer estar aqui. Tanto insistiu que resolvi trazê-la. Antes me aconselhei
com um psicólogo que disse ser perda de tempo. Um amigo disse o contrário.
Seria bom para ela ver um mundo diferente sem doenças e outros males. Pergunto
ao Senhor se posso trazê-la algumas vezes para ela assistir e quem sabe voltar
a sorrir mesmo sabendo que nunca poderá ser uma de vocês?- Um nó na garganta.
Um grito preso sem poder sair e dizer: - Claro que sim! Ela vai melhorar... Ela
vai aprender que não se desiste de viver! – Logo eu? Embaralhando minhas
palavras concordei. Pode trazê-la quando quiser e faremos tudo para ela se
sentir feliz.
Conversei com a Chefe Luana. Ela não se opôs. Combinamos deixá-la à
vontade, e não entrar em detalhes com as demais Escoteiras, dizendo só que era
uma jovem em convalescência que sonhava em ser mais uma de nós. No primeiro dia
nos conquistou com seu sorriso e sua simplicidade. Ela transpirava felicidade e
mesmo com sua alegria eu sabia que não haveria um final feliz. Sorrindo foi
logo dizendo a todos nós: - Sempre Alerta! Posso ser uma de vocês? Incrível vê-la dizer assim. Levei uma cadeira
de braço para ela se assentar e ela me olhou e disse: - Chefe, obrigada, mas
sonhei tanto com este momento que tenho de ficar em pé para acompanhar. E foi
assim a primeira vez. Na semana seguinte ela chegou com uma camiseta que seu
pai comprou não sei onde. Dizia – “Sou escoteira e sou feliz”. Seu pai não
ficava junto. Muitas vezes saia para voltar quando terminasse a reunião. Eu
tinha seu telefone e endereço. Pediu-me que quando achasse que não dava mais eu
tinha inteira liberdade de dizer para ele.
No segundo dia Rosa
uma escoteira perguntou a ela se queria participar de um jogo. Jogo calmo,
assentado, onde se passaria uma flor de mão em mão. Sua alegria foi demais. Foi
o começo de tudo. Aceita na patrulha Beija Flor ela se transformou. Andava com
dificuldade e claudicando e nunca demonstrou estar cansada. Eu até me enganei
pensando que a mente derruba doenças, que ela refaz as forças de quem precisa e
quem sabe ela voltaria a ser uma menina como as outras. Não corria, mas
participava com alegria e quatro reuniões depois queria fazer a promessa. Chefe
Luana ficou em dúvida. Eu aprovei na hora. Já tinha participado de milhares de
promessas de jovens de todas as idades, mas de Helena foi demais. Chorei
copiosamente. Infelizmente sou um eterno chorão. Ela formosa, em seu uniforme,
disse a promessa em palavras tão lindas que pensei em mudar os dizeres para o
dela: – “Eu Prometo Chefe, fazer tudo que puder para cumprir meu dever patriótico,
reconhecer Deus supremo, ajudar a todos que precisarem de mim, obedecer com
galhardia à lei escoteira, hoje amanhã e sempre”!
Quem não soubesse sobre ela não imaginava uma jovem doente, paciente terminal
que em pouco tempo seria levada para o céu. Chegou à data do acampamento. Ela
me olhou com tanta alegria nos olhos que eu pensei em dizer sim. Não precisava,
ela disse que iria nem que fugisse de casa no dia. Conversei longamente com seu
pai. – Eu devo ir também Chefe? Olhei para ele e disse não. Ela precisava de
liberdade, para agir a seu modo e enfrentar a verdade quando a hora chegasse.
Helena não corria, ainda não podia, mas ajudou em tudo e até uma banqueta de
bambu ela fez. Se houvesse felicidade neste mundo a felicidade estava ali
presente junto a Helena. Cantava, gesticulava, conversava com os pássaros, e
até imitou um Sabiá Coleirinho que se assustou pensando que ela era uma igual.
No penúltimo dia eu há vi tão alegre tão supimpa no Fogo de Conselho, não
tirava os olhos da fogueira, seguia as chamas no ar. Daria tudo para saber o
que ela pensava naquele momento. Momento só dela e de mais ninguém.
Quando foi formada a Cadeia da Fraternidade ela não se levantou. Todos
se assustaram. Eu corri até ela junto com a Chefe Luana. Estava de olhos
fechados, seus lábios balbuciavam uma oração que eu não entendia. Abriu os
olhos e disse: - Me ajude Chefe, vai ser a última vez! Ela cambaleante foi até
junto às outras Escoteiras, mãos entrelaçadas só cantou as ultimas letras da
canção: - “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”! – Não
aguentou ficar em pé. Liguei para seu pai que prontamente chegou com um médico.
Não precisava mais. Helena tinha partido para sua estrela distante. As
patrulhas em volta do fogo não paravam de chorar. Lágrimas esparramavam com o
vento amigo. Uma brisa vindo da floresta trouxe uma neblina azulada da cor do
céu. Nunca tinha visto. Eu passei por muitas situações difíceis no escotismo,
mas aquela noite me marcou para sempre.
Um silêncio profundo em suas exéquias. Ninguem cantou. As lágrimas caiam
aos borbotões. Rosa a escoteira foi até a beira do tumulo. Não chorava, até
sorria. Posso Chefe? Ela me perguntou. Não sabia o que ela pedia, mas disse que
sim. Rosa disse algumas palavras que ecoou no coração dos presentes de maneira
tão significativa que até eu mesmo não contive as lágrimas: Helena você marcou
a todos nós. Você foi o poema que nunca deixaremos de cantar. Guardaremos você
sempre no coração. Sua presença nunca terá fim. Todos perceberam que o céu
começou a brilhar. Uma nuvem parecia voejar sobre nós. Seria Helena? Ninguém
sabia dizer. Até hoje aquelas Escoteiras nunca esqueceram aquela que serviu de exemplo
para todos nós!
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