sexta-feira, 28 de outubro de 2016

As lágrimas do silêncio.


Lendas Escoteiras.
As lágrimas do silêncio.

             - Boa tarde! – Olhei para ver quem era. – Um senhor de uns quarenta anos já grisalho adentrou a sede. Estava sozinho. Sério me perguntou – O senhor é o Chefe? Balancei a cabeça levemente concordando. – Vou lhe dizer o motivo de minha vinda.  – Não quer sentar? Ele não se fez de rogado. Ainda nem mesmo sei por que estou aqui. Deveria estar com ela, contando causos, histórias de fadas que ela ainda acredita. – Não disse nada. Agora era hora de ouvir e saber o motivo de sua visita. – Eu tenho uma filha, Helena, tem onze anos e desde que nasceu tem uma doença degenerativa dos ossos, que dizem se chamar artrite degenerativa. Tentei tudo, vendi tudo o que tinha e fui com ela para a Europa, e depois aos Estados Unidos e os melhores especialistas não me deram nenhuma esperança. Ela nunca seria como as outras crianças. Nosso médico já nos alertou que ela tem muito pouco tempo de vida. – Ouvia-o com pesar. Dizer o que? Vi em seus olhos lágrimas caindo. Não interrompi.

                - Helena está pele e osso. Mal aguenta andar. Ela sabe o que tem nunca escondi. Na semana passada me pediu que eu a trouxesse aqui. Ela queria conhecer e ver de perto os escoteiros. Disse que leu sobre vocês e sonhou em ser uma escoteira. Não sabia qual a recepção que a esperava. Ela tem a cartilagem danificada e começa a aparecer uma deformidade em uma das suas pernas. Seria penoso para vocês entender o porquê ela quer estar aqui. Tanto insistiu que resolvi trazê-la. Antes me aconselhei com um psicólogo que disse ser perda de tempo. Um amigo disse o contrário. Seria bom para ela ver um mundo diferente sem doenças e outros males. Pergunto ao Senhor se posso trazê-la algumas vezes para ela assistir e quem sabe voltar a sorrir mesmo sabendo que nunca poderá ser uma de vocês?- Um nó na garganta. Um grito preso sem poder sair e dizer: - Claro que sim! Ela vai melhorar... Ela vai aprender que não se desiste de viver! – Logo eu? Embaralhando minhas palavras concordei. Pode trazê-la quando quiser e faremos tudo para ela se sentir feliz.

               Conversei com a Chefe Luana. Ela não se opôs. Combinamos deixá-la à vontade, e não entrar em detalhes com as demais Escoteiras, dizendo só que era uma jovem em convalescência que sonhava em ser mais uma de nós. No primeiro dia nos conquistou com seu sorriso e sua simplicidade. Ela transpirava felicidade e mesmo com sua alegria eu sabia que não haveria um final feliz. Sorrindo foi logo dizendo a todos nós: - Sempre Alerta! Posso ser uma de vocês?  Incrível vê-la dizer assim. Levei uma cadeira de braço para ela se assentar e ela me olhou e disse: - Chefe, obrigada, mas sonhei tanto com este momento que tenho de ficar em pé para acompanhar. E foi assim a primeira vez. Na semana seguinte ela chegou com uma camiseta que seu pai comprou não sei onde. Dizia – “Sou escoteira e sou feliz”. Seu pai não ficava junto. Muitas vezes saia para voltar quando terminasse a reunião. Eu tinha seu telefone e endereço. Pediu-me que quando achasse que não dava mais eu tinha inteira liberdade de dizer para ele.

                               No segundo dia Rosa uma escoteira perguntou a ela se queria participar de um jogo. Jogo calmo, assentado, onde se passaria uma flor de mão em mão. Sua alegria foi demais. Foi o começo de tudo. Aceita na patrulha Beija Flor ela se transformou. Andava com dificuldade e claudicando e nunca demonstrou estar cansada. Eu até me enganei pensando que a mente derruba doenças, que ela refaz as forças de quem precisa e quem sabe ela voltaria a ser uma menina como as outras. Não corria, mas participava com alegria e quatro reuniões depois queria fazer a promessa. Chefe Luana ficou em dúvida. Eu aprovei na hora. Já tinha participado de milhares de promessas de jovens de todas as idades, mas de Helena foi demais. Chorei copiosamente. Infelizmente sou um eterno chorão. Ela formosa, em seu uniforme, disse a promessa em palavras tão lindas que pensei em mudar os dizeres para o dela: – “Eu Prometo Chefe, fazer tudo que puder para cumprir meu dever patriótico, reconhecer Deus supremo, ajudar a todos que precisarem de mim, obedecer com galhardia à lei escoteira, hoje amanhã e sempre”!

                   Quem não soubesse sobre ela não imaginava uma jovem doente, paciente terminal que em pouco tempo seria levada para o céu. Chegou à data do acampamento. Ela me olhou com tanta alegria nos olhos que eu pensei em dizer sim. Não precisava, ela disse que iria nem que fugisse de casa no dia. Conversei longamente com seu pai. – Eu devo ir também Chefe? Olhei para ele e disse não. Ela precisava de liberdade, para agir a seu modo e enfrentar a verdade quando a hora chegasse. Helena não corria, ainda não podia, mas ajudou em tudo e até uma banqueta de bambu ela fez. Se houvesse felicidade neste mundo a felicidade estava ali presente junto a Helena. Cantava, gesticulava, conversava com os pássaros, e até imitou um Sabiá Coleirinho que se assustou pensando que ela era uma igual. No penúltimo dia eu há vi tão alegre tão supimpa no Fogo de Conselho, não tirava os olhos da fogueira, seguia as chamas no ar. Daria tudo para saber o que ela pensava naquele momento. Momento só dela e de mais ninguém.

                    Quando foi formada a Cadeia da Fraternidade ela não se levantou. Todos se assustaram. Eu corri até ela junto com a Chefe Luana. Estava de olhos fechados, seus lábios balbuciavam uma oração que eu não entendia. Abriu os olhos e disse: - Me ajude Chefe, vai ser a última vez! Ela cambaleante foi até junto às outras Escoteiras, mãos entrelaçadas só cantou as ultimas letras da canção: - “Não é mais que um até logo, não é mais que um breve adeus”! – Não aguentou ficar em pé. Liguei para seu pai que prontamente chegou com um médico. Não precisava mais. Helena tinha partido para sua estrela distante. As patrulhas em volta do fogo não paravam de chorar. Lágrimas esparramavam com o vento amigo. Uma brisa vindo da floresta trouxe uma neblina azulada da cor do céu. Nunca tinha visto. Eu passei por muitas situações difíceis no escotismo, mas aquela noite me marcou para sempre.


                     Um silêncio profundo em suas exéquias. Ninguem cantou. As lágrimas caiam aos borbotões. Rosa a escoteira foi até a beira do tumulo. Não chorava, até sorria. Posso Chefe? Ela me perguntou. Não sabia o que ela pedia, mas disse que sim. Rosa disse algumas palavras que ecoou no coração dos presentes de maneira tão significativa que até eu mesmo não contive as lágrimas: Helena você marcou a todos nós. Você foi o poema que nunca deixaremos de cantar. Guardaremos você sempre no coração. Sua presença nunca terá fim. Todos perceberam que o céu começou a brilhar. Uma nuvem parecia voejar sobre nós. Seria Helena? Ninguém sabia dizer. Até hoje aquelas Escoteiras nunca esqueceram aquela que serviu de exemplo para todos nós!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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