Lendas Escoteiras
A felicidade não se compra.
Gino era de família
humilde. Seu pai carpinteiro tinha o hábito de beber. Vez ou outra quando bebia
costumava ficar pelas calçadas jogado como um cão sem dono. Sua mãe ao
contrário fazia questão de ensinar a Gino ser bom e ser honesto. Gino nunca
pensou o pior para seu pai. Sentia-se feliz com a vida que tinha. Era escoteiro
da patrulha Corvo. Bom escoteiro por sinal e fazia questão de fazer suas boas
ações diariamente. Na sua patrulha era amado e bem considerado. Gino adorava
ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre. Mesmo o Grupo Escoteiro
não cobrando a mensalidade ele se sentia constrangido. Seu pai quando sóbrio
era um bom marceneiro e trabalha sem parar. Ultimamente começou um velho hábito de beber e
ao chegar em casa e ia para o quarto. Gino e seu pai quase não conversavam.
Gino evitava falar de
seu pai na patrulha. Era para ele uma tristeza enorme. Um dia ele apareceu
durante a ortoga de um Lis de Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era
Gino quem iria receber. Bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder.
Foi um vexame, mas todos compreendiam que Gino não tinha culpa. Nos avisos o
Chefe falou sobre o ARP da região. Quem vai? Perguntou! A taxa era alta. Gino
sabia que nunca poderia ir. Não podia pagar. Gino tinha uma vantagem, sorria
quando via seus amigos partindo e chegando. Ele aprendeu que a felicidade é ver
os outros felizes. E ele? Não tinha este direito? Tristeza na alma e sorriso
nos lábios quando na volta eles contavam maravilhas do acampamento. Vez ou
outra sentia uma tristeza enorme por ser pobre. Quando pensava uma lágrima
aparecia correndo pelos seus olhos. Na volta seus amigos de patrulha contavam
as aventuras e Gino ouvia calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Ele sonhava com
isto. Gino era excelente nas técnicas Escoteiras e todos seus amigos o
admiravam. Sonhava em ser um Liz de Ouro.
Quando soube do Jamboree que
ia ser realizado no Brasil daí a dois anos deu um sorriso e disse para si
mesmo: Neste eu vou. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho. Afinal ele era um
escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e eles balançaram a
cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições financeiras. Gino tinha um
plano. Começou a economizar. Tinha em seu pequeno cofre mais de trinta reais.
Precisaria pelos seus cálculos de uns mil reais. Ele não achava impossível
conseguir. Lutou com unhas e dentes, dia a dia para
juntar um dinheiro lavando carros, limpando quintais e fazendo tudo que os
vizinhos pediam. O tempo passou. Faltavam seis meses para a partida ao
Jamboree. Gino já
economizara mais de setecentos reais. Dava para a taxa, agora era juntar para a
viagem e alimentação. Gino sorria.
Seu
uniforme era velho com muitas lavadas algumas partes puídas e desbotando. Ia
com ele mesmo. Sempre foi econômico e deste que entrou para os escoteiros com
seu trabalho comprou seu uniforme, seu chapéu de abas largas, sua faca, sua bússola
e seu cantil. Esperava o dia de pagar a taxa de inscrição. Assustou quando viu
seu pai chegando. De novo? Pensou. Jurava que iria parar. Seu pai não estava
bêbado. Ele disse para Gino que sua mãe estava muito mal no pronto socorro. O médico
tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto de saúde não tinha nada.
Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir a quantia da viagem, mas
só Gino poderia salvar sua mãe. O mundo de Gino caiu sobre ele. Ele amava sua
mãe. Não iria negar nunca. Deu toda sua economia. Oitocentos reais. Seu sonho
acabou. Jamboree? Adeus! Gino chorou e sentia que não merecia viver. Sonho? Sua
mãe valia muito mais.
Durante cinco dias sua
mãe ficou entre a vida e a morte. Um dia ela sorriu. Melhorou e voltou para
casa. O sorriso de sua mãe foi um balsamo para a tristeza dele. Tentava
esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer. Agora era esperar eles voltarem e
contarem como foi. Quando na reunião o Chefe cobrou a taxa Gino ficou calado
quando o chamaram. O chefe insistiu. Chefe eu não vou mais! Ele disse. Por quê?
Não juntou o dinheiro? Chefe prefiro não dizer. Chorou por dentro sua garganta
estava engasgada. Não saía voz. Gino foi para casa pensando como a vida era
ingrata. Ele sabia que faria tudo pela sua mãe. Mas estava amargurado. Chorava
pelos cantos da casa. Prometeu não chorar mais, sabia que não ia resolver nada.
Seu sonho não existia mais. Seu sorriso desapareceu de sua face. Agora era um
sorriso amargo. Não adiantava fingir. As lágrimas não paravam de cair. Sua mãe
desconfiou e chorou com ele sabendo que ela não podia fazer nada.
Uma semana depois acordou
antes de o dia amanhecer. O sol despontava no horizonte. Os pássaros cantavam
nas árvores próximas. Uma brisa gostosa refrescava aquela manhã. Era sábado.
Dia em que todos iriam partir para o Jamboree. Gino ficou na janela para ver o
ônibus passar. Estava taciturno, calado, mudo. Seu coração batia
compassadamente. Deus dizia dai-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa! Gino
foi para o quintal. Tinha uma mangueira frondosa onde ele ficava. Dormiu
encostado ao seu tronco. Sonhou com anjos e um Velho de barbas brancas a dizer
que iria conseguir. Acordou assustado. O ônibus buzinou na frente de sua casa.
Ele viu seu Chefe seu pai e sua mãe sorrindo.
- Vá se preparar meu filho, você
vai para o Jamboree! Falou sua mãe. Foi demais. Ele não estava acreditando. O
chefe da tropa contou que todos se cotizaram. Souberam do seu ato de
grandeza. Um escoteiro assim não ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou
alto. Viva! Ainda tenho sonhos e eles estão sendo realizados. Em segundos ele
arrumou sua mochila vestiu seu uniforme com orgulho. Descrever a alegria de
Gino no Jamboree é difícil de imaginar. Ele viu meninos e meninas com vários
tipos de uniforme. Cumprimentava a todos - Eu? Sou de Mira Flores e você? E assim ia.
Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino nunca soube
quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de lagrimas. Desta
vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em vários idiomas.
O
ônibus, a chegada, a mãe e o pai esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Mãe
eu fui ao Jamboree! Mãe, oh mãe, me abrace, sou o menino mais feliz do mundo!
Seus pais choravam de alegria. É. Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em
sua vida. Não importava agora se podia ir ou não em outros. Seu sonho foi
realizado. Ele pensava e dizia em voz alta – Eu não fiquei olhando a montanha.
Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino sabia. A chave da felicidade é sonhar. A
chave do sucesso é fazer dos sonhos a realidade. O mais importante na vida não
é o triunfo, mas a luta para alcançar.
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