Vale a pena ler de novo.
Um vira latas de nome Takala.
Ele tentava entender o porquê, mas era um cão, um mísero cão vira lata
que achou que tinha um lar para morar. Cão não fala e dizem que não pensam. Ele
nem mesmo raciocinava quando ela o jogou pela porta do carro no meio da rua
naquela tarde fria e com uma chuvinha intermitente. Pensou que era uma
brincadeira apesar de que ela nunca brincou com ele. Batia sim, chutava seu
corpo e um dia lhe deu varias varadas porque ele queria fazer xixi e a porta
estava fechada. Tentou correr atrás do carro de sua dona, mas já era Velho
demais para isto. Logo ela sumiu em uma esquina e ele perdeu o carro de vista.
Ficou parado no meio da rua e vários carros desviando e por pouco não foi
atropelado. Alguém lhe deu um chute e ganindo correu para o passeio debaixo de
uma marquise. Ele ficou ali por pouco tempo todos que passavam lhe davam um ponta
pé ou gritavam com ele. Molhado ele gania de frio. Não sabia o que fazer. Nunca
passou por isto, nunca.
Takala não sabia quando era feliz ou quando
estava triste. Era um cão um vira lata com mais de doze anos. Sempre vivera
perdido em um sitio pobre e quando o menino da cidade começou a brincar com ele
sua vida rejuvenesceu. Ele nem entendeu porque sua mãe o deixou levar para sua
casa. Durante meses foi feliz enquanto ele estava junto. Brincavam corriam e
Takala se sentia outro. Um dia o menino sumiu. Sua mãe chorando pelos cantos.
Ele não sabia o que houve, pois era um cão vira lata e cão vira lata não pensa.
Quando ela o pegou pelo rabinho e o jogou no carro ele não entendeu nada muito
menos quando ela o jogou porta afora. O que fazer? A chuva apertava cada vez
mais. Correu pela calçada até encontrar um viaduto. Ali escondeu em um buraco
pequeno, mas que ninguém poderia bater nele. A fome chegou. Comia pouco, pois
sua dona não lhe dava quase nada só o menino que sumiu. O dia clareou e a chuva
passou. Precisava encontrar comida e água. Ainda havia algumas poças que ele
saboreou.
Começou
a passear pelas arvores e flores que havia em baixo do viaduto. Viu do outro
lado da rua um menino assoviando para ele. Sorriu. Será que terei um novo dono?
O menino o chamou. Estava vestido de azul com um lenço branco no pescoço. Para
Takala a roupa pouco importava ele queria era um dono amigo, que gostasse dele.
Correu atrás do menino e eles ficaram brincando de pega, pega e o menino de
azul sorria a mais não poder. Chegaram a um portão. Takala sabia que não o
deixariam entrar. Sempre foi assim, cão vira lata ninguém gosta e ele nunca
teve pedigree. O menino de azul entrou e o portão fechou. Takala ficou ali,
pois pensava que alguém poderia lhe dar alguma coisa para comer. Algum tempo
depois o portão se abriu e apareceu o menino de azul sorrindo o chamando para
entrar. O rabinho de Takala nunca balançou tanto. Ao entrar viu muitos meninos
de azul, outros de chapéu todos gritando e sorrindo. O menino de azul o levou
até uma cobertura. Fez sinal para ele ficar ali.
Outros
meninos e muitas meninas de azul se aproximaram de Takala. Ele sorria nunca
pensou em ter tantos amigos. Latiu, um latido fraco quase mudo. Vários meninos
correram e trouxeram comida para ele. Era muita comida ele nunca viu tantas
assim. Comeu e quando comia levantava a cabeça com medo de um chute ou de um
tapa, pois sua dona sempre fazia isto. Já escurecia e os meninos estavam indo
embora. O menino de azul veio com uma moça e Takala viu que conversavam muito.
O levaram até um galpão coberto e aberto nas laterais. O menino de azul mostrou
para ele um pequeno capacho, uma vasilha d’água e muita comida encostada a
parede. O pegou no colo e o beijou. Takala viu que seu coração batia. Nunca
ninguém o beijara. Ele ficou ali naquele galpão, pois agora era seu novo lar.
Sempre a esperar que o menino de azul chegasse.
Um dia
eles chegaram cedo. O sol mal tinha nascido. Takala sorriu, pois ele agora
amava aqueles meninos e meninas de azuis. O seu amigo o pegou no colo e entrou
com ele em um ônibus. Takala tremeu, de novo não! Pensou em latir, em morder e
só o medo de ser jogado pela porta de novo o fez calar. Fechou os olhos embaixo
da poltrona. Ele não sabia rezar, mas seu instinto o alertava para tudo.
Durante horas ele ficou no ônibus tremendo de medo. Quando chegaram foi uma
algazarra, todos correndo e Takala correndo atrás deles. Nunca Takala o vira
latas foi tão mimado, tão cercado de amigos e a noite ele uivava para a lua
como a dizer – Agora eu sou feliz, pois posso amar... No terceiro dia ele
correu atrás do seu amigo de azul que se embrenhou em um bosque. Takala adorava
aquela brincadeira. Sentia seu coração batendo, seu corpo tremendo, mas ele
sabia que não podia parar. Correram tanto que uma hora ele deitou. Uma dor
incrível no seu coração. Coração velho de vira latas que só sabem amar.
Ao seu lado o menino de azul ria e rolava
no capim verde chamando Takala. Ele não aguentava mais. A dor era muito forte.
Viu uma serpente enorme se enroscar para dar o bote no menino de azul. Ele
sabia o que era uma serpente, pois quando jovem seus donos corriam delas no
sitio em que morou. Takala fez um esforço enorme. Levantou gemendo, pulou em
cima da serpente latindo fraco, respiração ofegante. A serpente o mordeu na sua
jugular. O menino de azul saiu correndo chamando a moça que tomava conta. Vieram
vários. Não encontram a serpente e nem Takala. Os meninos e as meninas de azuis
choravam. Ao voltar para a fazenda viram ao longe uma serpente e um cão
lutando. Correram até lá. Tarde demais. Takala estava morto, mas conseguiu
matar a serpente. Aquela noite nunca se viu tantos meninos e meninas de azul a
chorarem. Custaram para dormir.
De
manhã uma surpresa. O sol brilhava nunca se viu tantos pássaros no céu. Uma
revoada sempre acontecia em cima deles. A moça amiga do menino de azul fez um
lindo esquife verde. Ela reconheceu que Takala foi um herói e precisava ser
homenageado. Onde seria a cerimonia fúnebre fizeram um grande círculo. Para um
simples vira lata Takala teve honras de estilo. Quando o cobriram cantaram uma
linda canção. Para os Escoteiros era conhecida - A Canção da Despedida. Takala
não sabia o que era esta canção, sentado perto dali estranhava que ninguém o
via. Só o menino de azul que sorria para ele. Viu descendo do céu em uma nuvem
branca uma grande Vira Latas branca, sorrindo para ele, focinhos com focinhos
ela e ele deixavam as lágrimas de alegria cair. Ela deu um latido leve e correu
pela nuvem, Takala correu atrás dela e sumiu no horizonte azul. O menino de
azul também chorava e ao chamado da moça todos ficam firmes e fizeram uma
saudação que Takala já conhecia. Era o Grande Uivo. Feito em homenagem a
Takala, um vira latas que só sabia amar e foi para o céu.
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