sábado, 21 de janeiro de 2017

Histórias de Seeonee. A lenda do Tico-Tico da asa partida.


Histórias de Seeonee.
A lenda do Tico-Tico da asa partida.

                      Quanto tempo! Muitos deste quando ouvi esta história que hoje resolvi contar. Se não me engano foi a Chefe Marlene. Hoje ela também está tão velhinha como eu. Nunca me esqueci dela. Sua Alcatéia era um doce. A alegria era reinante. Conheci muitos dos seus lobinhos, hoje homens feitos. Chefe Marlene era de uma simpatia que quem a conhecesse diria que não tinha inimigos. E não tinha mesmo! Um dia na casa dela me contou uma história que a principio não acreditei muito, mas era a Chefe Marlene. Tinha palavra.

                      Lavínia tinha seis anos e meio quando entrou para Alcatéia. Assim começou a sua narrativa. – Era uma menina triste. Quase não sorria. Brincávamos sempre com ela e ela séria. Mas sempre achei um dia ela iria mudar. Não se entrosou muito na matilha. Fazer amigos para ela era uma dificuldade. Sempre se mostrando arredia. Acho que foi no Acantonamento que fizemos em Rio Bonito que tudo começou. Seriam três dias. Os pais de Lavínia eram muito simpáticos. Alegres e eu não entendia a personalidade de Lavínia com a sua testa sempre franzida e os lábios fechados. Ela custava a enturmar apesar de que sua matilha cinza era especial. Antiga e a maioria dos lobinhos eram como irmãos.

                       Tudo corria bem até que depois do almoço demos falta dela. Um jogo gostoso chamado “fugindo do lobo mau” e ela sumiu. Onde estaria? Procuramos em volta das arvores, na casa sede e nem no riacho vimos nada. Era um riacho tão raso que a parte mais funda não passava do calcanhar de um lobinho. Uma hora depois há vimos surgindo com um sorriso nos lábios. Era um sorriso tão bonito que desistimos de chamar sua atenção na hora. Alegria geral, depois de seis meses na Alcatéia pela primeira vez ela sorria. Esperei o jantar e quando todos sentaram na varanda para um breve tempo livre a procurei. Ela sorria para mim e dizia – Akelá, hoje é o dia mais feliz da minha vida. Fiz uma amizade que acho ninguém tem. Achei um Tico-tico da asa partida e ele gostou de mim e eu dele.

                      - Como sabe que é um Tico-tico? Perguntei. Ele me disse! Agora sei como são. Topete baixo listrado, belo, amarelo e ele disse que era um “macho”. Ele se assustou com um filhotão de chopim querendo comida e gritando com ele. – Asas da imaginação pensei. Deixei-a acreditar no que dizia. Não sabia se era para o bem dela ou não, pois agora sorrindo valia tudo. Até a história fantástica que contava. – Sabe Akelá, ela continuou – Ele estava fraco, pois sua companheira que o ajudava com alimentos tinha vários dias que não aparecia. E o que você come eu perguntei. – Ele respondeu – Sementes, insetos, mas preste atenção - Muitas vezes acham que somos pardais. E porque sua asa partiu? – Ele fechou os olhos e chorou baixinho. Um gavião malvado.

                    - Olhe ele dizia, eu tenho raiva dos chopim. Eles são parasitas. Botam ovos para nós chocarem. Não gosto e ele chorou de novo. Olhei para Lavínia e não vi nenhuma mentira em seu rosto ou seu modo de falar. Claro sei que passarinhos não falam assim deixei que ela desenvolvesse sua criatividade. Em pouco tempo ela esqueceria tudo. Todos os dias enquanto durou o acantonamento ela me pedia para visitar o Tico-Tico. Claro deixei, mas ela insistia para ir sozinha. É perto. Não vou me perder. Assim foi até o último dia. Uma surpresa aconteceu. Antes do retorno ela correu até o ninho do Tico-Tico e trouxe-o com ela. Achei que não seria bom que ela levasse para casa. Chorou tanto que achei que poderia, mas desde que sua mãe autorizasse.

                     No ônibus todos cantando e Lavínia conversando com o Tico-Tico. Todos assustaram quando uma vozinha fininha no do fundo gritou – Não parem de cantar! Adoro o que vocês cantam. Até sei cantar a Arvore da Montanha! – Quem foi? Quem era? Não vi ninguém. Lavínia disse que era o Tico-Tico. Fui até lá para repreendê-la e o Tico-Tico virou para mim e falou. – Olá Akelá Marlene, a Lavínia fala muito bem da senhora. Chefe, um susto eu levei. Enorme. Quase caí ao chão. Acredite Chefe, o Tico-Tico falou mesmo!

                    Não disse nada. Fica o disse pelo não disse. Tico-Tico falante? Essas alcateias tem cada uma. Ouvi uma vozinha lá da cozinha dela chamando – Ela me convidou a ir com ela. O Tico-Tico estava em cima da mesa ciscando, dando pulinhos e vi que sua asa estava boa. – Um veterinário. Remendou tudo. Agora ele passeia por aqui quando Lavínia vai para a escola. Este é o tal que fala? O Tico-tico me olhou, ciscou para frente e para trás e disse – Acha que sou mentiroso Chefe? O Lobinho e o Tico-tico diz sempre a verdade! Quase cai de costas!


Podem achar que é uma lenda. Mas acreditem, eu “quase” juro que é verdade. Danado de Tico-tico falante. Um tagarela isto sim, mas o amei desde o primeiro momento que o vi! Risos.  

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