Lendas
Escoteiras.
Só o
amor será minha herança.
Uma
pequena placa dizia: Cidade de Purgatório. Ninguém notou sua chegada. Uma luz
forte azulada jorrou sobre a cidade de Purgatório. No açougue, Bonamigo observou
o jovem alto com o uniforme social dos Escoteiros, atravessando a ponte de
madeira com um sorriso contagiante, uma forquilha na mão, uma pequena mochila e
passos que não tinham pressa em chegar. Purgatório não era grande, poucos
jovens perambulando, parecia que não tinham nada a fazer. Os mais velhos não
esqueciam que no passado foi diferente. Muita alegria, muitas fábricas, amizade
e fraternidade entre os moradores. O forasteiro atravessou parte da cidade como
se fosse um estranho. Passadas curtas olhava para frente com um sorriso nos
lábios. Naquela cidade ninguém notava ninguém. Purgatório era uma cidade
dispersa, sem amor sem carinho sem esperança.
O
jovem entrou na Rua da Tristeza e viu que nada mudou. Na última casa entrou.
Ele sabia que estava vazia. Nunca pensou em voltar, mas ali estava ele em
frente a casa onde sempre morou. Abriu a porta carinhosamente, deixando as
lembranças voltarem, pois tinham ficado no tempo. – Ao entrar sentiu o espirito
de sua mãe sorrindo para ele. - Eu voltei minha mãe, espero que me perdoe. Quanto
tempo se passou? Não queria lembrar. Sabia que tinha pouco tempo para realizar
o que fora fazer ali. Prometera a Ele que levaria o sorriso e a paz fraterna
aos corações que tinham se esquecido da bondade. Abriu às janelas, as mesmas cortinas, brancas
de cetim com pequenos babados enfeitando suas laterais. Os móveis limpos e a
cozinha também. Fez um café e bebeu com gosto. Não estava com fome, faria um lanche
na volta. Viu que estava na hora. Seu uniforme estava dobrado em sua cama. Bem
passado, limpo e quase novo. Dobrou o lenço devagar. Retirou seu chapéu no
armário. Os sapatos foram engraxados e os meiões na cadeira de vime ao lado.
Não precisava correr, sabia a
hora da reunião. Ele fora um deles, agora não mais. O passado ficou no tempo
como o vento que nunca mais iria voltar. Para ele não haveria mais volta.
Vestiu seu uniforme calmamente. O pequeno relógio de seu pai na primeira gaveta
da cômoda marcava quinze para as duas da tarde. Tempo suficiente para ele
chegar e resolver a contenda que o levara até ali. Na Rua da Angustia ninguém
olhou para ele. Na Praça dos Piedosos não viu ninguém. Chegou à sede sorrindo.
Era como se fosse um fantasma, pois ninguém olhou para ele. Era como se não
existisse. Levantou as mãos e orou. Pediu a Deus em uma prece profunda que
mudasse o coração da irmandade, que pensassem mais nos outros que em si. A
cidade precisava mudar. Aqueles sorrisos de outrora, aqueles apertos de mãos,
aqueles abraços tão gostosos não podiam ficar armazenados no coração das
pessoas.
Ele sempre soube que o começo de tudo estava ali, naquele Grupo Escoteiro onde agora
não mais se acreditava em uma Lei, na honra, na palavra que todos sabiam que
ela estava acima da vida e da morte. Os valores e a ética tinham sido
esquecidos. Ele sabia que muitos queriam aplausos e não faziam por merecer.
Todos se dirigiram a ferradura. Hora do Cerimonial. Hora da reunião da família
escoteira hora da bandeira ressoar no ar. Ele ficou junto à chefia, não houve
sequer um abraço um aperto de mão. Ele notou olhares tristes, faces
angustiadas, enrugadas, palavreado difícil de entender. Os lobos tentavam
sorrir e não conseguiam. As patrulhas desleixadas, os seniores a conversar
entre si. Os chefes não se olhavam. Pareciam fantasmas escoteiros que não se
conheciam.
A bandeira foi içada. Não houve canções, hinos nada. Faltava o calor humano.
Faltava um olhar carinhoso, faltava uma voz que unisse a todos outra vez. Ele
pediu a palavra. O olharam como se fosse um estranho. Ele humildemente foi ao
centro da ferradura, olhou nos olhos de cada um para transmitir amor. Estava
difícil, olhou para o céu e pediu ao Senhor seu Deus: - Dá-me Senhor: um
coração vigilante, que nenhum pensamento vil o afaste de ti; um coração nobre,
que nenhum sentimento indigno o rebaixe; um coração reto, que nenhuma maldade
desvie; um coração generoso para servir. Senhor que cada um de nós possa amar
uns aos outros, que possamos aprender a sorrir, a cantar a dizer aleluia Senhor
por uma graça alcançada.
Como em um passe de mágica, os lobinhos começaram a sorrir. Os gritos de
patrulha eram gostosamente gritados pelos escoteiros. Os seniores davam risadas
e abraçavam-se entre si. Agora eles contavam “causos” sorrindo e as guias
aplaudindo. Um Chefe veio correndo abraçar outro Chefe chorando e pedindo
perdão. O sol voltou a brilhar. Ele sorriu e olhou para o céu. Obrigado meu
Deus pela graça que me destes. Permitiu-me fazer o meu melhor possível hoje e
que eu almeje fazê-lo ainda melhor amanhã. Ensina-me sempre que o dever, longe
de ser um inimigo, é um amigo. Faça-me encarar até a mais desagradável tarefa,
alegremente. Dê-me fé para compreender o meu propósito nesta vida e abra minha
mente para a verdade, e enche meu coração com amor. – Era hora de partir, sua
missão havia sido cumprida. Ele sabia que a cidade iria acompanhar, portanto
era hora de voltar.
Fez questão de abraçar a cada um em particular. Seu aperto de mão era como se
fosse fagulhas de amor e paz a jorrar no coração de cada um. No portão deu seu
último adeus. Todos acenavam para ele sorrindo. Era o que sua alma precisava.
Entrou em sua casa, uma pequena lágrima correu pela sua face até desaparecer no
chão que ele pisava. Era hora de partir, fechou as janelas, beijou um pequeno
crucifixo que estava no quarto de sua mãe. Saiu devagar pela Rua da Amizade,
viu outra placa, tinham trocado. Na praça um novo nome: Praça do amor! Sentiu
um cheiro de perfume no ar, às rosas desabrochavam. Na praça o povo cantava. Na saída uma nova
placa dizia: - Bem vindos a Portal da Esperança. Um clarão azul claro o levou
de uma só vez. Ele com um sorriso lembrou-se das palavras de um poeta: - Ainda que haja noite no coração, vale a pena sorrir
para que haja estrelas na escuridão...
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