Lendas
Escoteiras.
O
Papagaio verde esmeralda do Capitão Lockhart.
Calma. Nada a ver com o filme
de Anthony Mann, Um Certo Capitão Lockhart. Mas Dona Etelvina assistiu ao filme
e batizou seu filho como Capitão Lockhart. A princípio o tabelião se recusou,
mas Dona Etelvina foi dura e enfática. Tem de ser este ou não será nenhum.
Capitão Lockhart ficou conhecido na cidade de Pedra Roxa. A princípio só
curiosidade depois ninguém ligava mais. Na escola era bom aluno e todos os
colegas gostavam dele por ser prestativo e educado. Capitão Lockhart tinha duas
paixões. Papagaios (pipas) e escotismo. Quando fez sete anos lá estava ele se
matriculando como lobinho. Não sabia que precisa de sua mãe para isto. Ela foi.
Seu pai foi pracinha e morreu na Batalha de Monte Castelo quando ele ainda
estava hibernando na barriga de sua mãe.
Capitão Lockhart fazia papagaios
como ninguém. Nos campeonatos anuais na cidade de Pedra Roxa quando não ganhava
ficava em segundo. Cada ano mais ele se aprimorava. Sabia escolher o melhor
bambu para as varetas, ele mesmo fazia a cola em sua casa usando limão galego,
comprou uma tesoura sem ponta e usava sua régua e caneta da escola. Na Casa
Ultimato, onde vendiam papeis de seda ela ficava horas escolhendo. Sempre tinha
cinco ou seis carreteis de linha dez de reserva. Capitão Lockhart chegava da
escola, fazia suas tarefas e a tarde ia até a colina do Morto Enterrado. Lá
soltava seus papagaios analisando o peso, a força do vento, as linhadas, tudo
para que não perdesse nada na hora de um bom campeonato.
Capitão Lockhart era da Patrulha
Corvo. Seu Monitor Nininho era meio mandão, mas todos gostavam dele. As quintas
feiras a Patrulha se reunia na sede, onde eram passadas as provas para cada um.
A Patrulha tinha dois primeiras classes, três segundas (inclusive Capitão
Lockhart) e dois noviços. Ziri era um deles. Quiseram apelida-lo de Polegar,
mas alguém achou melhor Ziri. Esqueceram que seria Siri e não Ziri. Mas apelido
posto só sai morto. Aos sábados o Chefe Martinho não dava folga. Cobrava dos
Monitores, cobrava dos subs, cobrava de todo mundo. Capitão Lockhart amava tudo
aquilo. A tropa vivia acampando, fazendo excursões, e varias vezes ao ano ele o
Chefe deixava as Patrulhas acamparem sozinhas, principalmente em acampamentos
volantes bem planejados.
Em novembro a prefeitura da
cidade estava programando a primeira Olimpíada do Papagaio de Pedra Roxa.
Capitão Lockhart soube que o premio seria de dois mil reais. Precisava ganhar
este prêmio. Prometera dar o uniforme e o equipamento de campo ao Ziri, pois
ele estava com cinco meses e ainda não conseguiu ter o suficiente para fazer e
comprar. Promessa é promessa e o Capitão Lockhart não podia fraquejar. O dia
chegou. Capitão Lockhart sabia das regras das Olimpíadas. Usar dois carreteis
de linha dez com cento e cinquenta metros cada um, o papagaio tinha de puxar
toda a linha, (os fiscais iriam olhar na manivela), ficar duas horas no ar e
ganhava em primeiro lugar aquela com mais pingos de chuva no papel de seda.
Tudo bem. Não era segredo para o Capitão Lockhart.
O dia chegou. A cidade presente em
peso. Mais de duzentos competidores. Capitão Lockhart fizera uma pipa de bom
tamanho, mais ou menos oitenta por quarenta, passara quinze dias preparando as
varetas, cortou o papel de seda harmoniosamente sem pontas e para montar seu
papagaio ficou dois dias ali debruçado na sua mesinha que sua mãe lhe dera de
presente. Às nove da manhã se encontrou com a Patrulha. Estavam todos
uniformizados. Várias outras patrulhas, lobinhos, seniores e os pioneiros
também lá estavam. O Chefe Martinho tinha orgulho do Capitão Lockhart. Adorava
o menino. Ele era viúvo e namorava dona Etelvina a mãe do Capitão Lockhart.
Nada contra. Formavam um belo casal e juntos também foram assistir a vitória ou
derrota do Capitão Lockhart.
Não vou entrar em detalhes, mas
foi uma disputa renhida. No final ficaram oito competidores. Passado às duas
horas foi dado à ordem de descer os papagaios. Um por um foram chegado. O povo
todo se amontoando para ver qual estava marcado com pingos de chuva. A do
Capitão Lockhart tinha oito pingos. A do Murilo da Birosca do Pedro Mocho (bar)
tinha oito também. E agora? Mais trinta minutos no ar. Então após veriam o
provável vencedor. Não podia haver empates. Foi emocionante! Muito mesmo. Um
frenesi no ar e em terra. Uma torcida vibrante. Os escoteiros pulando e
gritando. Terminou o tempo. As pipas desceram. Capitão Lockhart ganhou com mais
dois pingos. A do Murilo só um. Foi carregado entre a multidão.
No sábado no cerimonial
de bandeira, o Chefe Martinho fez uma entrega de um certificado de mérito ao
Capitão Lockhart não só por ter representado o grupo nas olimpíadas, como
também pelo seu belo gesto em dar ao Escoteiro Ziri um uniforme completo, um
cantil, uma faca Escoteira, uma bússola e um cabo trançado de dez metros. A
tropa saiu de forma. Os sêniores também. Os lobinhos se juntaram a algazarra.
Abraçavam e beijavam o Capitão Lockhart. Uma apoteose que nunca tinham visto
nada igual. Soube que meses depois o Chefe Martinho casou com dona Etelvina. Comentaram
que eles viveram felizes para sempre. Soube por fontes fidedignas que o Capitão
Lockhart foi reconhecido como o maior soltador de papagaios do Brasil e esteve
em diversos campeonatos no “estrangeiro”. Que ele seja feliz com sua gostosa
habilidade. Histórias são como feijão com arroz, e quem quiser que conte dois!
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