Lendas Escoteiras.
Um lugar
chamado Felicidade.
Era uma vez uma cidade
chamada Felicidade. Uma cidade pequena quem sabe um arraial crescido com seus
cinco mil habitantes. Ouve uma época que todos dariam tudo para mudar para lá,
pois era o lugar onde existia o sorriso, a alegria, onde o sol tinha mais
fulgor e a lua era incrivelmente linda nas noites de lua cheia. Não havia ricos
e nem pobres, todas as casas eram iguais. Ninguém queria ser mais que o outro e
onde a cadeia não tinha celas nem presos. Não havia carros buzinando, as
pessoas não brigavam, as ruas eram limpas, pois cada cidadão fazia questão de
limpar a área de sua morada. Dava gosto ver as crianças correndo pelas praças,
indo para seu único colégio onde as professoras sempre tinham um sorriso em
primeiro lugar. As casas não tinham grandes e as portas e janelas sempre
abertas. À tardinha os casais namoram na mais completa felicidade de alguém que
ama e sabe que é amado.
Felicidade tinha algum muito
importante que não sei se sim ou se não dava alma ao lugar. Não era o Cabo
Damião que nunca prendeu ninguém e nem mesmo o Prefeito Nolasco que nunca deu
golpe e nunca roubou nada que a prefeitura com seus parcos recursos recebiam.
Não foi o Juiz Tião, que desistiu e foi embora do lugar por não ter ninguém
para julgar. Dom Pedrito o vigário vinha sempre às quartas feiras rezar uma
missa e a pequena capela quase não cabia seus fieis que ali nunca faltaram para
dar graças a Deus. A população tinha alegria no coração, pois Toledo criou os
escoteiros. Era belo vê-los passar. Com suas mochilas as costas, um chapelão
escondendo a chumaça dos cabelos, um meião cortante até o joelho e a calça
curta fazendo às vezes do sonho de seu criador do outro lado do oceano.
Era tudo perfeito.
Escoteiros cantantes, sorridentes e a chumaça da patuleia sabia que seus jovens
meninos tinham conquistado o que toda cidade sonhava: - A honra, a palavra, a
ética e o respeito para ser respeitado. Quando pela primeira vez juraram a
bandeira não faltou ninguém do lugar para assistir. Foi no Campo do Peroba
Futebol Clube. Montaram um palanque e lá estava Dom Pedrito o vigário, o Cabo
Damião, o Juiz Tião e o Prefeito Nolasco. Não faltou dona Cacilda a professora
e claro Toledo o Chefe envergado no seu caqui descomunal como se fosse um
exemplo para aquele povo feliz que tudo ia durar para sempre. Foi belo, foi
lindo, meninos dando continência, levando a mão direita até o ombro de dizendo
que iriam fazer um novo Brasil. Durante anos a cria escoteira cresceu. Mas tudo
que é bom dura pouco. Uma doença mortal levou para a eternidade o Chefe
Nolasco. Tristeza, choro, desânimo, melancolia e desalento por parte de todos.
Chefe Toledo cometeu um
erro tremendo. Não preparou ninguém para um possivel afastamento seu. Era Chefe
da Tropa, da Alcatéia e fazia às vezes da Diretoria. Poderia ter convidado, mas
se sentiu possuído pela divindade e pensou que era um Deus Escoteiro. Morreu e
ninguém para ficar no seu lugar. A cidade não sabia o que fazer. Reuniões
aconteciam. O prefeito imperfeito nesta hora não tinha a menor ideia para que o
grupo não acabasse no ostracismo. Seria fácil buscar ajuda, mas ninguém sabia
que havia alguém em outra cidade que poderia ajudar. Ninguem entendia nada e
sabiam que eles corriam para o campo, cantavam, brincavam de esconde, esconde
onde sempre havia um pega de soldados contra índios. Alguns chegaram a ver
patrulhas correndo nas matas, construindo pontes, casas, ninhos trinchados no
alto das árvores.
Tudo escorregou entre os
dedos. O último pingo do suor caiu e ninguém sabe onde, pois ninguém viu. Tudo
acabou? Virou fumaça? A tristeza invadiu o lugar. Onde procurar ajuda? O tempo
passou. A cidade triste acabrunhada. A meninada esqueceu seus folguedos na
patrulha, esqueceu-se do sol da lua e das estrelas nas noites lindas de fogo de
conselho onde eles cantavam e riam sem parar. Para-raios passou por Felicidade
em uma noite de natal. Precisava descansar. Viajava há dias no seu Cavalo
Trombone procurando uma fazenda para comprar. Ficou sabendo que dona Chiquitita
pôs a venda sua casinha atrás do Armazém das flores. Lá tinha de tudo. Seu
Pascoal alma sofrida ajudava no que podia a quem não podia pagar. Para-Raios
ficou sócio de Seu Pascoal. Comprou um pequeno sitio na Nascente do Rio
Florido. Pensou que agora tinha um lugar para morar e morrer. Seu passado se
foi, importava só o presente.
Na porta do armazém via
todos os sábados dois meninos escoteiros andando devagar, mochilas as costas,
mas iam até a praça para sentar e chorar. – O que é isto meu Deus? – pensou.
Foi até eles. Uma conversa amena, um sorriso breve, um aperto de mão e ele
voltou para casa pensando em voltar. Ali precisam dele, e ele não podia faltar.
Não seria como em São Domingos, onde a chefia do grupo não se entendia, onde só
havia ódio em vez de amor. Tentou mudar, deu tudo que podia, mas nada
conseguiu. Meninos iam e vinham nunca querendo ficar. Ele um antigo Escoteiro
sabia que ali não era mais o seu lugar. Foi com os dois meninos escoteiros até
a sede. Um abraço uma promessa. Os três hastearam a bandeira Nacional. Muitos
curiosos aportaram para ver o acontecimento.
Ah! Ainda existe neste
mundo um lugar chamado felicidade. A cidade voltou ao passado. Os sorrisos, os
abraços e apertos de mão agora fazia parte da rotina do lugar. O Prefeito
Nolasco sorria de orelha a orelha. Dom Pedrito rezou naquela tarde a missa mais
linda que tinha rezado. O Cabo Damião suspirou e soltou Bate Boca o bêbado que
prendeu na noite anterior. O Juiz Tião retornou e Dona Cacilda suspirou fundo,
pois sabia que agora a meninada da escola tinha juízo, pois Escoteiro é assim,
sabe obedecer, tem disciplina e sabe opinar. Ainda me lembro quando naquela
final de sexta, Vinte e oito meninos escoteiros passaram marchando, envergando
garbosamente seus uniformes com belos chapéus escoteiros rumo a Salamanca, um
vale perto do Riacho das Flores onde iam acampar.
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