Lendas Escoteiras.
O sol brilha para todos.
O sol brilha para todos.
Prefácio: - Agora que já
vivi o meu caso posso rememorá-lo com mais serenidade. Não tentarei fazer-me
perdoar. Tentarei não acusar. Aconteceu simplesmente.
O chamavam de Raoní. Seu nome era Anderson. Foi na patrulha que lhe
deram este apelido achando que ele parecia com um cacique muito conhecido. Ele
não se importava. Se a patrulha que amava queria assim que assim fosse. Ele
tinha os Javalis no coração. Eram muito unidos. Fora das reuniões se reuníamos
em frente à casa de cada um. Faziam tudo junto. Cinema, passeios, trabalhos
escolares e até mesmo namoravam as mesmas meninas. Risos. O chefe admirava a
união da patrulha e incentivava as outras a fazerem o mesmo. Dava os Javalis
como exemplo, nos acampamentos, onde o seu campo sempre era o primeiro a ser
montado. Eram os primeiros em tudo. Almoço, montagem de campo e jogos.
Marcaram um feito no Livro da Patrulha onde
os mesmos patrulheiros acamparam por 42 noites um fato inédito. Raoní caminhava
para "tirar” a primeira classe. Faltava a prova de jornada bem adiantada
pelo chefe Ivan. – Raoní, ele dizia. – Só tem treze anos, tem tempo meu jovem
Escoteiro. Vamos realizar sua prova em fins de novembro. Raoní tinha tudo
esquematizado. Local conhecido e Tavinho iria com ele. Como dizem por aí se a
vida é um mar de rosas os espinhos tendem a aparecer. Na tarde de terça ele
estava em casa só com sua mãe e seu pai. Vários policiais sem pedir licença
invadiram sua casa e prenderam seu pai. Seu mundo caiu. Ele não parava de
chorar. Sua mãe se desesperou. Os policiais arrastavam seu pai espancavam-no e
o levaram até o Camburão. Os vizinhos chamaram um advogado conhecido.
Só no dia seguinte ficaram sabendo da acusação. Alguém disse tê-lo visto
seduzir Maria Sonia e ela foi encontrada morta a punhaladas em um matagal. Ele
e sua mãe não tinham condições de pagar um advogado. O Grupo Escoteiro em
polvorosa. Conheciam seu pai e sua honestidade. Seu pai não pode explicar onde
estava. Tinha saído mais cedo e só voltou bem tarde para casa. Um misto de
dúvida começou a pairar no ar. A loja que seu pai trabalhava recusou a indenizar
sua saída. Cancelaram seu cartão de saúde e ficaram em uma situação
desesperadora. Raoní não ia mais ao Grupo Escoteiro. Nunca foi abandonado pelos
Javalis, sempre fieis. Não sabiam o quanto ele sofria quando contavam dos
acampamentos e excursões.
Sua mãe vendeu o carro que tinham e
comprou uma Kombi. Tentou ao seu modo transformá-la em um Carro de Cachorro
Quente. Iria começar vendendo como outras guloseimas. Raoní ficou do lado dela
ajudando. No principio quase não ganharam nada, mas depois tudo foi melhorando.
Aos domingos iam visitar seu pai na prisão. Os três quando se encontravam não
paravam de chorar. Ele nunca contou seu sofrimento na prisão. Não tocava no
assunto da morte da jovem. Um ano depois ele foi julgado e condenado a vinte e
cinco anos de cadeia. Raoní ficou uma semana chorando sem parar. Na cidade
muitos quando passavam diziam gritando que ele era filho de um assassino. O
tempo foi passando o trabalho aumentando e sempre a patrulha a visitá-lo sem
nunca esquecer.
Seu pai mudou muito na prisão.
Um dia apareceu em sua casa, uma
senhora, simpática, vestindo simplesmente, levando em tiracolo seu filho de
onze anos. Educadamente contou para sua mãe que quando a jovem fora assassinada
ele estava com ela o tempo todo. Sua mãe não acreditava. Ela contou que antes
do casamento com ela eles viveram juntos e ficou grávida. Escondeu dele. Ela
pediu que ele se afastasse, pois amava outro homem. Seu marido descobriu que
era pai do meu filho, mas também tinha o Raoní com a senhora. Uma vez por
semana ele a visitava para ficar junto ao seu segundo filho e ajudava nas
despesas. Ela disse que não falou nada antes, pois era evangélica, e não queria
se envolver. Sua mãe não condenou.
Interessante que enquanto elas conversavam Raoní fez amizade com
Miltinho. A ideia de ter um irmão o fazia feliz. Agora muito mais, pois sabia
que seu pai era inocente. Dois anos depois prenderam o verdadeiro assassino e
soltaram seu pai. O delegado viu o erro cometido. Demorou cinco meses para o Juiz
ordenar a soltura. Os vizinhos quando o viram chegar ficaram envergonhados,
pois nunca ajudaram a mãe de Raoní. Seu pai estava um “trapo” quando retornou. A
imprensa nada disse. Ele não era mais manchete. Mesmo injustiçado nunca
condenou ninguém. Nem foi ao seu ex-emprego reclamar alguma coisa. Ofereceram a
ele entrar com uma petição para exigir do Estado uma indenização. Ele também
não quis. A vida continua. Isto fez parte do meu crescimento dizia.
Sua mãe fez amizade com a mãe de Miltinho e eles sempre iam visita-lo em
sua casa. Seu pai não comentou o porquê escondeu tudo. Raoní sabia que ele não
queria prejudicar a mãe de Miltinho. Agora com seu pai compraram outra Kombi e
em pouco tempo abriram um restaurante. Ele agora era outro homem. Mudaram para
uma casa maior em outro bairro. Raoní pensou muito se voltaria ao Grupo
Escoteiro. Ele sabia que a sua Patrulha sempre foi solidária, mas os outros
não. Mesmo assim ele voltou com a cabeça erguida. Muitos chefes vieram
abraça-lo e pedir perdão pelo julgamento infundado. Miltinho também entrou para
o Grupo Escoteiro. Agora eram uma família feliz. Deus soube conduzir seus
destinos para que a verdade viesse à tona.
Raoní sabia que perdoar era melhor que condenar. Um poeta uma vez
escreveu: - “Ao julgar e condenar alguém, não se esqueça de que você também
poderá estar suscetível ao mesmo erro, haja visto sua condição humana,
portanto, pense e pese antes de constranger seu semelhante”. Agora vivem
felizes. Seu irmão passou para os escoteiros. A Tiradentes sua patrulha e os
Javalis que adotaram seu irmão tiraram o ar de derrota deles. Pois é o sol
dizem é para todos e eles também tiveram sua parte de um amanhecer e um por do
sol cheio de felicidade!