Lendas
Escoteiras.
“A justiça a Deus pertence!”
Prólogo: - Justiça? Só Deus sabe como
fazer justiça. Para cada ato, para cada ação a uma reação. O passado não é
perdoado facilmente. O perdão existe, mas cada um tem de fazer para merecer. “A
justiça a Deus pertence!”. E lembrem-se, histórias são histórias, nada mais que
histórias!
Chefe Billy era assistente de
tropa Escoteira. Novo ainda, vinte e três anos. Procurou o grupo a dois anos
dizendo estar interessado em participar, mas nunca fora Escoteiro. Passou por
uma bateria de perguntas e preencheu todos os formulários que lhe deram. Quase
desistiu. Sentiu que ali era ele quem precisava participar e não o contrário.
Chefe Billy era caladão. Andava de cabeça baixa. Nunca fixava ninguém com os
olhos. Sua família não era da cidade. Conseguiu um emprego na Usina Siderúrgica
e trabalhava como Operador de Forno. Uma função não muito gratificante. Alugou
um quartinho nos fundos da casa de um casal de velhos e assim era sua vida fora
do grupo. Era bem quisto pelos jovens. Os chefes tinham um certo receio. Não o
conheciam. Ele não se enturmava. Apesar do seu jeitão esquisito alguns tinham
nele uma grande admiração e respeito. Pouco falava de si e nem todos os
convites extra grupo ele aceitava. Fez dois cursos de formação. Estava dando
duro para conseguir sua Insígnia de Madeira.
Naquele sábado lá estavam
todas as sessões. Uma algazarra gostosa, alegria juvenil e infantil própria dos
escoteiros antes do inicio das atividades. Foi dado o toque de chamada e todos
acorreram para a grande ferradura. Iria ser dado o inicio do Cerimonial de
Bandeira. Todos formados. Um carro da policia parou na porta da sede. Desceram
dois policiais e um investigador. – Quem é o Billy? – Sou eu ele disse. – Você
está preso. – Por quê? O Delegado vai dizer. E cale a boca. Aqui não é filme
americano onde falamos de seus direitos. Puseram a algema nele e o arrastaram
até o camburão. Estava de uniforme. Seu chapéu tão querido caiu ao chão. Foi
Lany uma lobinha quem o pegou. O grupo todo estarrecido. Fazer o que? Continuar
com a reunião era melhor. Foi um sábado dos piores dias de reunião naquele
grupo escoteiro. Nenhum Chefe foi à delegacia saber ou se informar. Ninguém o
procurou para saber o que lhe imputavam.
Os jornais do dia seguinte e
as emissoras de programas sensacionalistas comentaram o que tinha acontecido.
Billy tinha estuprado e esganado um menino de oito anos. O jovem foi encontrado
morto em um terreno baldio. Duas testemunhas juraram tê-lo visto passando perto
no dia. Nada mais que isto. O bairro inteiro ficou a porta da delegacia. Os
pais do menino chorosos pediam vingança. Tentaram invadir, mas foram impedidos.
Billy não recebeu visitas de nenhum membro do escotismo. Soube que abriram um
processo e ele foi exonerado e expulso. “Culpado por suspeita”. Lany,
Alfredinho e Tomé não acreditavam em nada daquilo. Lany era lobinha, Alfredinho
e Tomé eram escoteiros que passaram para a tropa aquele ano. Tentaram
visitá-lo, mas não conseguiram. Impossível menor entrar no presídio. Combinaram
de enviar toda semana uma carta dizendo das saudades e que o amavam muito.
Billy teve um julgamento
rápido. Condenado a vinte e oito anos de prisão sem direito a Sursis. Foi
enviado para a Penitenciaria Estadual na própria cidade. Alguns prisioneiros
sabendo do acontecido o seviciaram e quase morreu. A vingança não parou por aí.
Pegaram de um prisioneiro que tinha o HIV um pouco de sangue em uma seringa
velha e enferrujada e aplicaram em Billy. Ele nunca gritou e nem reclamou.
Sabia que nada iria reverter às decisões que tomaram contra ele. Acreditava em
Deus. Era espiritualista. Tinha um motivo para tudo aquilo. Ele sabia que foi
ele mesmo quem escolheu aquele caminho. Só duas coisas o alegravam na prisão.
Sua fé em Deus e as cartas de Lany, Alfredinho e Tomé. Quando as recebia
chorava. Uma angustia o invadia. Tremia e rezava pedindo a Deus que lhe desse
força. Neste interim ninguém do grupo falava mais nele. Era carta fora do
baralho. Perderam muitas crianças por causa dele. Os pais tinham medo. Melhor
colocar uma pedra no acontecido.
Dois anos depois, prenderam um
vaqueiro de nome Leôncio. Alguém o viu arrastando uma criança para um terreno
baldio. Foi preso. Confessou ter feito isto com nove meninos inclusive riu
quando disse que foi ele que matou o menino que disseram ser o Billy o culpado.
Somente cinco meses depois Billy recebeu o alvará de soltura. Um advogado
ofereceu em troca de trinta por cento entrar com um processo na justiça. Ele
agradeceu. O dinheiro seria maldito. Não iria pagar sua passagem para ao céu.
Já estava debilitado pelo HIV. Recebia os remédios do governo, mas não estavam
ajudando muito. Ao sair foi abraçado por muitos amigos que fez ali na prisão. Alguns
choravam. Recebeu seu uniforme Escoteiro que ele abraçou com carinho. Não havia
mais motivo para ficar na cidade. Foi até a estação ferroviária. – Perguntou ao
bilheteiro - Até aonde iria com uma passagem de cinquenta reais? O único
dinheiro que devolveram para ele.
O trem chegou à estação. Quando
ia subir três jovens correram para abraçá-lo. Estavam de uniforme. Eram Lany,
Alfredinho e Tomé, todos crescidos. Billy chorou. Pensou em não abraçá-los.
Estava magro, debilitado, sua pele manchada em vários lugares do corpo. Eles
não lhe deram chance. Abraços apertados. Lany o beijou no rosto varias vezes.
Entregou para ele o seu chapéu Escoteiro que ela guardou todos estes anos com
carinho. O apito do condutor avisando da partida. Os que chegavam e saiam
estavam assustados com aquela cena. Um homem feio, doente, sendo abraçado e
beijado por uma Escoteira e dois escoteiros e todos chorando. Nunca viram nada
igual. Billy pegou o trem e na janela despediu deles. Disse que escreveria.
Billy não escreveu. Morreu seis meses depois como indigente em um canto cheio
de lixo debaixo de um viaduto em Vitória e interessante. Estava com seu
uniforme Escoteiro e no colo o seu chapéu de três bicos. Isto foi o que me
contaram.
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