segunda-feira, 4 de março de 2019



Lendas Escoteiras.
Rio Negro, a cidade das sombras!

Prologo: - Rio Negro a cidade das Sombras escrevi há anos. Lembro que veio a ideia quando ia dormir. Levantei liguei o micro e comecei. Terminei por volta de três da manhã. Já publiquei, mas gosto da história. Comovente, cheia de amor e vida. Leiam e se me desdisser darei seus nomes ao Funério para uma visita a meia noite. Rarará!

                       Um telegrama simples. Dizia: “Gostaríamos de contar com sua presença nas festividades do Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Será dia 28 próximo em Rio Negro, a cidade das sombras. Despesas por nossa conta”. Alguma brincadeira? Eu recebia sim muitos convites para palestras e pequenos cursos escoteiros em várias cidades. Mas aquele convite era extraordinário. Onde seria está cidade? Na internet não encontrei. Deve ser alguma brincadeira pensei. Pitágoras o Comissário sempre fazia isto comigo. Liguei para ele: - Não fui eu! Juro! Ele disse. Dei boas risadas, mas fiquei inquieto, ou melhor, encucado com tudo aquilo.

                      Não dormi bem. Não tive sonhos e nem pesadelos, mas acordei suando. Parecia que alguém dizia para eu ir à estação Rodoviária comprar a passagem. Liguei para a região para me informarem se tinha algum grupo com este nome. Riram na minha cara. Fui até a Rodoviária do Tietê. Nas escadas um homem de paletó roxo, chapéu enterrado até os olhos, descalço, unhas enormes e com uma placa – Passagens para Rio Negro. – Aproximei. Ele levantou o chapéu. Não tinha olhos. Só buracos que não via o fundo. Um nariz comprido e afilado. Uma boca enorme cheia de dentes de ouro. Não tinha orelhas. Nas mãos em cada uma dois dedos.

                      Tirou do bolso uma passagem. – Mandaram-me entregar. O ônibus parte a meia noite. Terminal dois. O homem desapareceu. Nos guichês perguntei sobre Rio Negro. Ninguém conhecia. Não costumo me esconder de desafios. Iria lá nesta cidade fantasma. Afinal sou um Escoteiro e o Escoteiro não foge dos desafios. À noite com minha mochila e o uniforme social fui para a rodoviária. Onze e quarenta da noite e vi o morto vivo a minha espera. Disse-me – Siga-me. Seguimos um corredor escuro, um vento húmido e frio. Vi o ônibus. Pequeno. Negro. Na placa Rio Negro. A porta aberta. Entrei. Sentei bem à frente. Só tinha eu. Partimos. Alguém de voz grossa e cavernosa começou a cantar a canção da Despedida. Dormi. Acordei com o dia amanhecendo. Uma bruma cinzenta cobria a cidade. O ônibus parou. Desci. Um Chefe Escoteiro de uniforme roxo me saudou. Usava um lenço negro com uma caveira desenhada atrás. Sempre Alerta Chefe! Sou o Funério, disse. Venha comigo.

                       Um carro negro fúnebre com um caixão nos esperava. Não vi o defunto. Ninguém nas ruas. Não havia barulho aves cães ou qualquer outro animal. O carro parou. Olhei o motorista. Sempre de costa. Um boné de couro preto. Abri a porta e sai. Estava em frente a um cemitério. Aqui? Perguntei. Ele se virou. O rosto sem pele só ossos. Não se preocupe Chefe. A sede do grupo é linda. Foi toda construída pelos habitantes do lugar. O Senhor vai gostar. Bragg! Comecei a tremer! Onde fui me meter? Ele me pegou pela mão como se eu fosse uma criança. Fui com ele. Não tinha outra saída. Catacumbas e mausoléus enormes. Nomes estranhos. Aqui jaz – Baldassari, morreu por falta de sangue – Em outro dizia: Aqui jaz, Narkissa, a princesa beijada pelo Vampiro Damien. Meu Deus! O lugar era amedrontador.

                     Fechei os olhos, um medo terrível. Abri. Lá estava a sede. Em letras góticas uma enorme placa: Grupo Escoteiro Enigma do Santo Sepulcro. Enormes caixões enfeitavam o teto da sede. Um belo esquife branco na porta e dentro um Chefe bem velho morto com bigode e cabelos branco uniformizado. A tropa, Alcatéia e os seniores formados na bandeira. Eram bandeiras negras com escritos em grego e latim e desenhos de zumbis e cadáveres. Um Chefe se aproximou. Bem vindo Chefe! Estamos tristes com sua chegada. Mas não estão alegres? Falei espantado. Aqui Chefe é o contrário. Olhei a escoteirada. Todos de uniformes negros e os lobinhos de roxo. Ninguém sorria. Era como estivessem mortos. Vi que nenhum dos jovens tinha olhos. Só um buraco fundo. Putz! Onde fui me meter? Porque aceitei? Não havia volta. Um zumbido e um grito e as bandeiras negras com símbolos vampirescos começaram a ser içadas. Vampiros enormes voavam sobre nossas cabeças. Olhei em uma catacumba mais alta e chacais davam uivos áulicos e lamurientos. Achei que um deles o mais forte poderia ser Duamutef, o filho de Hórus. Abraçaram-se todos os escoteiros e lobinhos e deram o grito do grupo chorando. Acho que todos se lamentavam por haver morrido. Morrido? Eram mortos vivos? Pensei em correr dali.

                     Um Chefe me deu a mão. Levou-me até um mausoléu enorme. Em volta um jazigo cheio de ossos. Em cada catacumba, em cada mausoléu, em cada cova uma mão, uma cabeça e logo uma multidão de mortos em minha volta. Eram milhares. O Diretor Técnico me pediu para fazer a palestra. Disse que todos aguardavam ansiosos este momento. Que palestra quer que eu faça? Nada sei de mortos vivos e nunca fui ao Grande Acampamento. A última vez que fui a um enterro faz anos! – Gritei alto, chamem Baden Powell. Ele entende disto melhor que eu!  Não Chefe, nada disto. Todos aqui querem saber como funciona a Escoteiros do Brasil. Querem nomes dos grupos dos chefes para visitarem a meia noite. Que eu explicasse sobre a Assembleia Nacional. Eles teriam candidatos. Deus do céu! Que era aquilo? Ajuda-me Baden Powell! Socorre-me almas escoteiras do outro mundo!

                     Ouvi vozes. Monitores me convidando para jantar. Acordei. Abri os olhos. Obrigado meu Deus. Era apenas um sonho. Um pesadelo. Estava com meus escoteiros num lindo acampamento. Vi o sol se pondo no horizonte. Bendito sol! Vi o regato de águas límpidas que adorava. Vi um peixinho pulando nas corredeiras. Graças a Deus. Graças a Deus. Ainda bem. Levantei-me. Espreguicei. Dei um enorme sorriso de felicidade. Havia dormido no tempo livre enquanto eles faziam as refeições. Fui até o córrego lavar o rosto e me refrescar. Cantarolava o Rataplã. Bom demais estar ali. Levantei peguei a toalha para enxugar. Do outro lado do córrego, lá estava Funério o morto vivo da rodoviária. – Com voz grossa fúnebre e cavernosa me saudou: - Sempre Alerta Chefe, à meia noite venho te buscar!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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