quinta-feira, 28 de março de 2019

Só o vento sabe a resposta. Uma história, uma lenda escoteira.



Só o vento sabe a resposta.
Uma história, uma lenda escoteira.

                      Era uma vez... Nada a ver com o romance de J.M. Simmel, mas aconteceu e me marcou para sempre. Foi no outono de 1960 que me procurou e foi no inverno de 1965 que partiu para as estrelas. Eu estava no lugar do Chefe do Grupo em um Grupo Escoteiro lá nas Minas Gerais e notei uma menina de uns doze anos se adentrando no pátio de reuniões (era um sábado à tarde) e ficou sentada observando a movimentação das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da década de oitenta.

                     Em dado momento me procurou. “Chefe, como faço para entrar nos escoteiros?”. Um olhar profundo, um sorriso espontâneo, um brilho de um sonho no olhar e uma vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela. Disse que só como bandeirante. “Mas aqui não tem?”. Só balancei a cabeça negativamente. “Não”, respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Passaram-se alguns anos, acho que uns cinco anos, se não me falha a memória.

                   Conversava com um chefe e vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente a atendi. “Chefe, agora eu tenho dezessete anos. Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar?”. Eu não me lembrava e pedi para ela contar o que eu disse. - “Não lembras quando estive aqui há cinco anos pedindo para ser escoteira? O senhor me disse que só poderia ser bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia em ser escoteira. Agora sou quase de maior, posso ou não?”.

                 Claro, eu disse que sim. Nossa Alcateia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que arrumar um lugar para ela. Uma perseverança em querer, em poder ser e depois de anos e anos nunca esqueceu seus sonhos. Claro que nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados. Não foi bem recebida. Uma das chefes da Alcateia me procurou em particular e disse que não poderíamos aceitá-la no grupo. – Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que falou aquilo.

                   Era uma jovem educada e prestativa. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente. Não esperava aquela atitude. Pensei que não éramos assim. Éramos sim, uma fraternidade, cheia de compreensão para com o próximo. Ao encerrar a reunião ela pediu um Conselho de Chefes. Na reunião explicou o motivo.

                 Éramos doze. Concordei. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela. Vamos colocar em votação disse? Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Pensei que aqui teríamos outro pensamento. Mas me enganei. Se isso for acontecer novamente prefiro não estar presente.

                   Todos se assustaram com minha atitude e pediram um tempo para pensar. – Não precisa eu disse. Um dia vocês me disseram que o escoteiro é amigos de todos e irmão dos demais. Se não pensam assim, aqui não é o meu lugar! Procuraram-me no meio da semana, inclusive a chefe em questão. – Desculpe chefe. Agi mal. Muito. Peço perdão. Coloquei a mão em seu ombro. Nada de desculpas minha amiga. Estou orgulhoso de você e dos outros.

                  No sábado seguinte a mocinha que pediu para entrar não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Dois meses depois avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela.

                  Parei e perguntei. Expliquei tudo. Ela com lágrimas nos olhos me contou a mais triste história que um dia ouvi. Sabe Chefe, Bea era minha irmã mais nova. Ela se chamava Beatriz. Contou as suas amigas e a todos lá em casa de sua alegria em ser agora uma escoteira. Seu sacrifício em esperar cinco anos agora fora reconhecido. Era seu sonho. Ano após ano ela só falava nisto. O dia inteiro rindo dizendo que um dia seria escoteira. Nós tivemos que ouvir todos os dias durante mais de seis anos. No sábado pela manhã se preparou para ir ter com vocês. Levantou cantando alto para todos ouvirem. Ao sair foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu horas depois.

                Fiquei pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta.

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