Lendas
Escoteiras.
Sombras de um
destino.
... - Guarda a lição do passado, mas não
percas tempo lastimando aquilo que o tempo não pode restituir. “Quando
estiveres à beira do desalento pergunta a ti mesmo se estás num mundo em
construção ou se estás numa colônia de férias”. – Gosto de ler o Chico, me faz
bem. Não conheci Chico Preto, mas fiz amizade com muitos que usam sua carrocinha
por aí. A provação faz parte do crescimento. Faça tudo para dar o que pode aos
jovens que estão esperando muito de você. Obrigado!
- Ele morava em baixo
do Viaduto Monterrey. Perguntaram a ele se sabia o que era Monterrey. Chico
Preto não sabia. Como iria saber? Tamanduá seu amigo lhe disse: Chico,
Monterrey era a capital de um país chamado México! – Não era, mas Chico Preto
deu de ombros. Não importava. Com 40 anos nas costas Chico era um ingênuo. Nunca
pensou porque morava ali. O chamavam de sem teto, mas ora bolas, ele tinha um
teto, o viaduto era sua casa seu lar. Ganhou de uma moça da prefeitura uma
carrocinha. Era seu pedaço de chão. Rodava bairros, ruas, fez amizades e todos
lhe davam um pouco do seu lixo especial. Chico Preto sorria, ajoelhava e dizia:
Dona, que Deus faça morada em seu coração. Chico Preto tinha um sonho. Sabia
que nunca iria se realizar. Ele queria ser Chefe Escoteiro, ser como o Doutor
Jonny no seu uniforme novinho, fazendo a meninada correr prá todo lado. Todo
sábado Chico Preto com sua carroça ia correndo até o Colégio Santo Ângelo.
Ficava lá, olhando e pensando se um dia seria um. Ralph Nelson era Escoteiro. Um
Escoteirinho pequeno magro, e com um belo sorriso. Todos admiravam seu sorriso.
Sua mãe o aconselhava: Ralph não existe problema
que não possa ser solucionado pela paciência. Cada dia que amanhece
assemelha-se a uma página em branco, na qual gravamos os nossos pensamentos,
ações e atitudes. Na essência, cada dia é a preparação de nosso próprio amanhã.
Ralph acreditava na sua mãe. Não eram ricos, mas remediados. Conseguiu uma
bolsa no Colégio Santo Ângelo pelo seu enorme saber. Ser Escoteiro foi um pulo.
Todos o adoravam pela sua ingenuidade, pela facilidade em fazer amigos e pelo
seu belo sorriso. Ele acreditava que sorrindo poderia deixar um pouco de
alegria por onde passasse. Na Patrulha Esquilo, era bombeiro lenhador. Adorava
acampar. Não perdia uma reunião e era o primeiro a chegar e o último a sair. As
palavras de sua mãe não lhe saiam da mente: - Meu filho a caridade é um
exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da
alma. Um dia Ralph notou um homem pobre, negro, aboletado no muro do Colégio a
olhar para eles e sorrir.
Chefe
Lontra, ou melhor, Doutor Jonny era aristocrático. Sempre foi Escoteiro, mas
mantinha seu porte altivo sabedor de sua importância. Conversava, mas sem se
expor demais. De família rica e importante na cidade aprendeu desde pequeno a
não se misturar com a plebe, e nunca foi um homem bom com os simples, os pobres
e os remediados. Aprendeu que em um dia
de crise, não devia se perturbar seguir em frente, e se possivel servir e orar
esperando que suceda o melhor. Sabia que queixas, gritos e mágoas são golpes em
ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz. Chefe Lontra acreditava que
como Chefe era um bom cristão. Formou-se em Medicina e como bom clinico tinha
fama entre os abastados. Nunca deu uma consulta de graça e os que o procuram
pagavam com alegria seus conselhos. Tinha bons contatos com a alta cúpula
Escoteira. Fora convidado muitas vezes para interagir com eles ou mesmo ser um
deles. A falta de tempo o impedia. Já tinha conquistado a Insígnia e se achava
satisfeito com sua tarefa atual. Dizem os historiadores que a tragédia nunca
foi bem explicada. Ralph o Escoteiro fez amizade com Chico Preto. Ensinou a ele
as Leis Escoteiras e Chico decorou. Ensinou sinais de pista, nós e orientação.
Disse que um dia iria tomar a sua promessa. Chico Preto se sentia feliz na
companhia daquele escoteirinho a quem passou a amar como um filho que nunca teve. Pensou que era hora de largar qualquer sombra
do passado no chão do tempo, qual a árvore que lança de si as folhas mortas.
Iria ser outro. Iria estudar, ser alguém e com a ajuda de Ralph seria um Chefe
Escoteiro. Afinal aquela frase não o abençoava? – Infelizmente a felicidade
dura pouco e cada um tem de viver seu destino. Completando seu pensamento que
Deus permita a todos serem como quiserem, e a mim como devo ser. Chefe Lontra
no seu Mustang vermelho estava indo para ver sua noiva Isadora. Era um namoro
de conveniência. Ela lhe fazia bem e lhe dava paz e alegria. A sabedoria
superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem
coisas que o coração só fala para quem sabe escutar!
– O viu sentado na calçada Ralph com aquele
pobretão! Como o chamavam? Chico Preto um sem teto sem eira e nem beira. Isto
não podia acontecer. Sentiu rancor ódio precisava revidar... Um Escoteiro puro
com alma de criança sendo seduzido por um negro sujo e bandido? Nem pensou no
que leu um dia: - Perdoa agora, hoje e amanhã, incondicionalmente. Recorda que
todas as criaturas trazem consigo as imperfeições e fraquezas que lhe são
peculiares, tanto quanto, ainda desajustados, trazemos também as nossas. Não ia
interferir. Não ia sujar suas mãos naquele negro imundo. Ligou para Belzebu.
Ele lhe devia favores e sabia como fazer. Que eu não perca a vontade de doar este enorme
amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será
submetido a provas e até rejeitado. Chico Preto sorria pensando que amar a
todos era o mais sublime dos artigos Escoteiros. Na sua promessa iria prometer que
iria doar seu coração a toda à fraternidade Escoteira. Sabia que ninguém quer
saber o que fomos o que possuíamos que cargo ocupávamos no mundo; o que conta é
a luz que cada um conseguiu fazer brilhar em si mesmo. Foram cinco estampidos.
Todos atingiram seu alvo. O coração de Chico Preto parou. Sorrindo caiu
ensanguentado. Sabia que tinha morrido. Viu o céu azul, nuvens brancas como a
neve. Ouviu tocada por sinos a canção da Despedida que Ralph um dia ensinou.
Milhares de meninos e meninas cantavam para ele. Alguém de Barbas Brancas lhe
deu a mão e subiram aos céus para o reino de Jesus. A história conta que Ralph
nunca mais sorriu. Só voltou a sorrir no dia que foi encontrar Chico Preto em
uma estrela no céu. Doutor Jonny dizem morreu de desgosto. Não pela morte de
Chico Preto, mas pela tristeza de Ralph. Viu seu escoteirinho definhar até que
um dia partiu deste mundo. Deitado naquele ataúde viram que sorria. Lembrou-se
de Matheus um pastor que lhe disse - Gostaria de dizer para você que viva como
quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito. A
caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento
as forças da alma.
(Muitas
das frases aqui citadas foram escritas por Chico Xavier).
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