Pacto
de sangue.
O
sonho de um grande amor.
... - A verdade, a história verdadeira
nunca seria contada. O porquê de um assalto infeliz e claro sujeito a morrer. O
porquê se ela era rica e não precisava disto. A autópsia mostrou que ela e ele
estavam marcados para morrer. Ambos com câncer avançado. Seria este o motivo?
Dizem a boca pequena que toda terça à tarde no Parque Trianon um perfume de
rosas uma aroma com uma fragrância desconhecida percorre todas as suas
dependências. Muitos foram já foram ver, mas poucos amantes tiveram a sorte de
sentir aquele perfume sublime! Rosas com amor!
- A noite chegava calma e silenciosa.
Não sabia se haveria lua. Agora não me importava com mais nada. No banco tosco
do parque a vida perdera o sentido. Rosa parecia dormitar em meu colo. Devia
fechar suas pálpebras, mas não fiz. Era o único elo que me mantinha ali a olhar
para aqueles olhos azuis turquesa que nas últimas oito horas me mostraram outro
sentido da vida. Já sentia a rigidez do seu corpo. Uma bala no pescoço a levara
para longe de mim. A vida estava se esvaindo. Eu sabia que também ia morrer.
Era questão de tempo. Com a bala que passou próximo ao meu coração ou pela
própria policia que fizera um cerco em minha volta. Sorria de leve. Minha arma?
Um cabo de guarda chuva marrom. Eles? Dezenas gritando para sair com as mãos
para cima. Deram-me cinco minutos. Cinco minutos que me fizeram voltar no
tempo. Meu grande amor partiu e eu queria partir com ela. Se pudesse eu sairia
correndo com a “arma” a gritar e assim ser morto por centenas de tiros.
Lembrei-me do filme Butch Cassidy. Que morte gloriosa. Minha mente procurou no
tempo os momentos mais felizes da minha vida. Momentos que não se apagarão na
historia. Oito horas. Oito horas sublimes que valeram toda uma vida sem sentido.
Tinha sido demitido. Não me disseram o
motivo. Eu sabia do meu câncer no pulmão. Meus chefes não. Não contei. Para
que? Para sentirem piedade de mim? Poderia mostrar meus exames. Eles não
poderiam me demitir. Mas nunca fui de pedir nada. Aceitava o que a vida
oferecia sem reclamar. Se não me queriam mais paciência. Sessenta e seis anos e
não me aposentei. Chorar? Não vale a pena. Quando jovem me uni a uma jovem.
Tivemos um filho. Ela conheceu outro e se foi. Foi melhor assim. Nunca fui de
ficar revoltado. Todos diziam que eu era calmo, não me zangava não reclamava da
vida. Para que? Pagaram meu Aviso Prévio. - Vá à agência do Banco do Brasil na Avenida
Paulista e vai receber seu Fundo de Garantia. Peguei um ônibus da Paulista.
Avistei próximo ao Parque Trianon a agência bancária. Ao descer pisei em falso.
Caí em cima de uma senhora que passava. Pedi desculpas. Perdão. Ela levantou e
me vi diante dos mais belos olhos azuis turquesa que já tinha visto na vida.
Cabelos brancos, um rosto ainda jovem,
mas devia ter quase a minha idade. Muito simpática. A convidei para um café
para me redimir. Aceitou. Sentamos num barzinho em uma galeria que nunca tinha
entrado. Conhecia pouco da Paulista. Fiquei olhando aquela bela mulher. Seus
olhos me hipnotizavam. Meu coração batia. Caramba! O que estava acontecendo
comigo? Seu sorriso era confortador e traziam paz e tranquilidade. Falamos
banalidades. Contei que estava desempregado. Estava ali para retirar meu fundo
de Garantia. Ela deu um sorriso maroto. Dinheiro! Para que serve? Nunca me
serviu para nada. Notei uma pequena lágrima naqueles belos olhos azuis
turquesa. A convidei para ficarmos umas horas no Parque Trianon. Sorriu e
aceitou.
A verdade é que nunca senti em minha
vida o que estava sentindo. Nesta idade me apaixonar? Toda vez que ela sorria eu
mais me encantava. Não era um encanto sexual, nem me passou pela cabeça. Mas
meus olhos não saiam dos dela. Chegamos ao parque vazio àquela hora da manhã.
Achamos uma sombra gramada, tirei meu paletó para ela sentar-se. Ficamos ali
conversando sem ver as horas passar. Parecia que já éramos íntimos de muitos e
muitos anos. Eu não tinha pressa. Não tinha ninguém a me esperar. O barracão na
periferia que morava era alugado. Não tinha quase nada lá. Gostaria que àquelas
horas com ela não passassem nunca. Contei pouca coisa de minha vida. Nunca
tinha casado e a mulher que tive ao meu lado me abandonou. Expliquei que achei
melhor assim. Não havia amor entre nós. Meu filho? Tinha seis meses quando ela
partiu. Deveria estar agora homem feito.
Ela ficou calada por algum tempo. Eu
também não dizia nada. Não deixava de olhar para ela. Uma brisa gostosa
acariciava seu rosto e o meu. O sol de vez em quando se escondia entre as
árvores. Estávamos muito perto um do outro. Levei meus lábios a sua face. Ela
não se afastou. Beijei de leve seus lábios. Meu corpo tremia de emoção. Ela não
esboçou nenhum abraço, mas deixou que a beijasse. Deitei na grama e ela também.
Ambos olhando para o céu através das árvores. Uma borboleta pousou em um galho
próximo. Ela começou a falar. Eu gostava de sua voz, suave, calma, sem
impostação. Contou-me parte de sua vida. Diferente da minha. Bem diferente. Vi
que ela era uma mulher de fibra, estudada e eu quem sabe um analfabeto, um
perdedor. Não seria mulher para viver ao meu lado se tivesse nos conhecido
antes.
Tivera uma infância atribulada. Seu
pai um político conhecido. Não dava atenção para ela e a mãe. Foi para um
colégio interno. Nas férias viajava com a mãe. O pai nunca aparecia. Conheceu a
Europa, nunca foi aos Estados Unidos. Não tinha interesse. Não que desgostasse
dos americanos nada disto, mas ela gostava de ver e sentir a história de perto.
E a história está na Europa disse. Roma, Veneza, Paris, Madrid, Berlim, Lisboa...
Quando fez vinte e um anos recebeu parte da fortuna do pai. Mais de oitenta milhões
de reais. Uma fábula. Não sabia o que fazer com o dinheiro. Encontrou um homem.
Lindo, parecia um artista de cinema. Uma paixão avassaladora. Casaram com uma
festa de arromba. Seu pai convidou dezenas de políticos. O casamento durou seis
meses. Ele fugiu com outra e boa parte de sua fortuna.
Ela era simples na sua maneira de
contar. Que coisa meu Deus! Estava enfeitiçado por uma mulher da minha idade e
eu não tinha nada para oferecer. Deu fome. Convidei-a para um lanche. Voltamos
novamente ao barzinho. Local sossegado. Não comi quase nada. Ela mal e mal
engoliu alguma coisa. Tomei um uísque e ela também. Vi que chorava. Não
perguntei o porquê. Afaguei os seus cabelos brancos. Ela me olhou nos olhos.
Quando olhava eu me desmanchava. Voltamos ao parque. Ainda vazio. Era uma terça
feira duas da tarde. Ela ainda chorava. Olhou-me e disse que ia morrer.
Assustei. Porque? Perguntei. – Rosa sorria agora. Posso pedir para não ter pena
de mim? – Claro disse. Tenho leucemia. O médico disse que seria um ou dois
meses no máximo. Não quero morrer entubada em um hospital.
Pensei comigo que dupla estávamos
fazendo. – Contei para ela que também tinha um câncer. Não tinha medo de morrer.
Que a morte viesse quando chegasse a hora. Eu ia saber enfrentar. – Ela me
perguntou assim sem mais nem menos – Já ouviu falar no casal Bonnie e Clyde?
Sim disse. Morreram felizes fazendo o que gostavam. Não entendi – Quer morrer
comigo? Ela me olhava com um sorriso zombeteiro. Nunca pensei isto. Morrer
como? – Nós dois como Bonnie e Clyde – Continuo não entendo. Explique melhor. –
Você não tem de ir ao banco? – sim! – Pois então, entramos você recebe e
anunciamos um assalto. Levamos uma quantia, tomamos as armas dos vigilantes e
esperamos a policia chegar. Jogaremos o dinheiro para o ar, sairemos rindo e
gritando e morreremos crivados de balas!
Que ideia estapafúrdia! Morrer assim? Ela
me olhou com aqueles olhos azuis turquesa e nem sabia o que dizer. – Olhe,
serrei um cabo de guarda chuva, engana bem como uma arma. Entramos você recebe
seu dinheiro e eu anuncio o assalto. Tomamos a arma do vigilante, damos uns
tiros para cima para assustar e saímos correndo, não antes que eu jogue todo o
dinheiro roubado para cima. Será uma festa! – Minha mente estava a mil por
hora. Morrer agora? Assim? Ao lado dela? – Ela me beijou. Ali naquele banco do
parque, senti seus lábios colados ao meu. Se morresse agora morreria feliz. Um
beijo que nunca tive. Lábios macios, molhados, que sensação incrivelmente
deliciosa. Olhou-me. Lindos seus olhos azuis turquesa. – Não precisa ter medo -
disse. Eu protegerei você lá no céu!
Interessante. Entrei no banco
sem medo. Cheio. Fui até o caixa. Disseram que tinha de esperar. Ela anunciou o
assalto. Todos deitaram no chão. O vigilante levou a mão à arma. Eu disse não.
Se tirar morre na hora. Nossa! Eu agora era o Boniee? E a Clyde o que fazia?
Pegava o dinheiro do caixa. Ria a mais não poder. As pessoas deitadas no chão
não entendiam. Ouvi um tiro, vi o sangue saindo do pescoço dela. Ela me olhou e
disse vamos – Jogou o dinheiro para cima. Uma algazarra e todos querendo pegar.
Saímos do banco. Outro tiro entrou nas minhas costas passou perto do coração e
saiu perto do ombro esquerdo. Não senti dores. Ela não aguentava andar. Carreguei-a.
Nenhum policial na porta. Atravessei a avenida sem o sinal abrir. Carros frearam.
Batidas, uma algazarra. Ela queria sorrir, uma golfada de sangue saiu de sua
boca.
Entrei no parque. Ninguém atrás de mim.
Fomos para o nosso banco preferido. Um casal estava lá. Gritei para saírem e
vendo o sangue correram alameda acima. Deitei-a no meu colo. Ela sorria. Queria
falar, mas o sangue não deixava. Com os dedos fez sinal de positivo. Sentia
agora uma dor tremenda. Ela tremeu e parou de se mexer. Acho que tinha morrido.
Olhava seus olhos azuis de turquesa que permaneciam abertos. Minha mente não
pensava em nada agora. Só em olhar para ela. A noite chegou de leve, comportada.
A polícia começou o cerco. Achavam que estávamos bem armados. Queria gritar,
sair correndo como fez Butch Cassidy. Queria morrer logo crivado de balas para
encontrá-la no céu. Minhas pernas não me obedeciam. Uma nuvem começou a se
formar. Fechei os olhos dela, dei o último beijo. Meu corpo caiu sobre o dela.
Não vi mais nada. Acho que tinha morrido.
Os jornais deram a notícia
em letras garrafais – Casal de idosos assaltam banco e morrem no Parque
Trianon. Mais embaixo dizia – Rosa Allions, filha do senador Norberto Allions
já falecido e sua esposa Nair Allions também falecida, e Ramon Silva, endereço
desconhecido morreram ontem no Parque Trianon, após fazerem um assalto
inexplicável na agência do Banco do Brasil. Não levaram nada, pois jogaram o
dinheiro para o alto. Clientes disseram que pareciam loucos, pois ficaram
sorrindo o tempo todo. A policia os cercou no parque e não foi preciso dar um
tiro. Encontraram os dois abraçados mortos e sorrindo um para o outro. Uma história
de amor? Ele tinha sessenta e seis anos e ela sessenta e cinco. Para ela não
havia motivos de assalto. Descobriram que em sua conta corrente tinha mais de
cem milhões de reais!
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