Lendas
escoteiras.
Guaraciaba um
índio Brasileiro.
... - "Se
você fala com os animais eles falarão com você e vocês conhecerão um ao outro.
Se não falar com eles você não os conhecerá, e o que você não conhece você
temerá. E aquilo que tememos, destruímos." Uma história de um índio do Brasil. “Nós não herdamos a Terra
de nossos antecessores, nós a pegamos emprestada de nossas crianças”. “Porque o
meu irmão índio também me ensinou o valor da terra, o amor pelo chão e por seus
frutos”.
Ele sabia que não era de
uma extirpe de índios famosos, seus antepassados se foram e agora eram uma
tribo de gente triste e sem futuro. Seu nome era José Raposo. Seus pais
disseram que o primeiro nome dele era Guaraciaba, aquele que tem cabelos de
sol. Loiro? Diziam que sim. Zé com seus dezoito anos era um índio simples,
curtido de sol, usava um calção verde e com ele ficava por uma semana ou mais.
Tinha um corpo jovem, mas um medo atroz de uma doença maldita que quase acabou
com sua tribo. Kerexu ainda contava belas histórias dos índios Botocudos,
quando eram fortes e famosos e habitavam a Serra do Onça no Alto Rio Doce.
Kerexu dizia ter duzentos anos, mas não era verdade. Devia chegar nos 105 anos
não mais. Ninguém entendia porque ele não morria. Era tudo na tribo, o Pajé, o
doutor, o psicanalista e o religioso. À noitinha a meninada corria para a porta
de sua Oca, e ali ficavam esperando a hora que ele com seu cachimbo enorme, com
folhas de tabaco ressequidas soltava gostosos rolos de fumaça que fazia os olhinhos
da turma seguirem o O ou o U que ele fazia com a fumaça que expelia do cachimbo.
Kerexu era uma alma boa. Jose Raposo o considerava como um pai.
Zé não tinha o que fazer.
Zanzava para um lado e outro da aldeia e seus arredores. Sempre de olho nas
águas modorrentas do Rio Doce. Ele sabia que terminando a estação das chuvas
Anajé o Branco poderia aparecer. Eles se conheceram quando Zé viu-os acampados
próximo à cachoeira do Limão, logo abaixo da curva da serpente. Ficou a olhar de
longe os meninos brancos de chapéu longo, de lenços no pescoço e tentava em sua
pequena compreensão ver o que iriam fazer. Alguém o cutucou por trás e Zé deu
um salto se preparando para a luta. Anajé riu quando viu que ele se encrespava
todo. – Paz amigo, muita paz! E sem ele esperar o Branco lhe deu um abraço. –
Como se chama? Zé pensou que devia dizer seu nome indígena, quase disse –
Apenas Zé... Mas orgulhoso falou alto: - Guaraciaba, o índio dos cabelos do
sol! - Muito prazer Guaraciaba, meu nome é Vado, mas me chame por Anajé, o
gavião das montanhas! Recebi este nome há dois anos quando saltei o Fogo no
Vale das Corujas.
Ficaram amigos e a noite,
quando eles fizeram um fogo, Anajé cortou acima de seu pulso com a faca,
repetiu o mesmo com o seu e dos demais brancos da patrulha. Juntou as junções
que sangravam e disse – Guaraciaba, você e eu Anajé e os Patrulheiros da Lobo agora
somos irmãos de sangue para sempre. Guaraciaba sorriu. Nunca teve amigos
brancos e viu que os jovens de caqui lenço e chapelão bateram palmas.
Guaraciaba os convidou para visitar a aldeia. Meu amigo Anajé, não espere ver tendas de lona
redondas feitas de pele de búfalo ou cavalos malhados a saciarem a sede na
beira do nosso rio. Não espere roupas coloridas, colares feito de pedras
preciosas, penachos de penas de pássaros que só nas mais altas montanhas se
encontram. Nada disto, nossas tradições se perderam no tempo, hoje somos à
sombra de uma famosa tribo dos Botocudos que um dia se orgulharam de suas histórias
e lendas que desapareceram com o vento. Anajé riu. – Amigo e irmão Guaraciaba,
não quero ver grandiosidades, basta o amor que vocês têm no coração. Anajé voltou
lá por muitas luas. Fez muitos amigos na tribo e conversa constantemente com
Kerexu.
Guando Guaraciaba e Anajé estavam
juntos, eles corriam pelas campinas, pisando em flores macias, saltando riachos
de águas cristalinas, escalando montanhas e picos próximos a Nanuque, Crenaque
ou na Mata do Condor. Nunca Guaraciaba foi tão feliz. Kerexu fez boas previsões
para a amizade dos dois, mas preveniu Guaraciaba que um dia Anajé iria
desaparecer como o vento na chuva para sempre. Anajé o levou a visitar sua
cidade, o alojou em sua própria casa, ele sentou em uma mesa com a mãe de Anajé
e seu pai, se sentiu importante por fazer as refeições junto aos brancos. No
passado ele não gostava de brancos. Zumbiara o Chefe da FUNAI era traiçoeiro.
Nunca atravessou o rio. Sempre mandava chamar o seu pai o Cacique Aritana para
dar ordens, remédios e mantimentos. O fazia com desprezo, como se estivesse
dando do próprio bolso. Mas ali, junto à família de Anajé Guaraciaba se sentiu
outro. Tinha orgulho agora de ser um índio. Ele sabia que seu coração era feito
de sangue vermelho, sangue dos antepassados.
Naquele sábado que ele foi
apresentado a Tropa, a Alcateia, ao Grupo Guaraciaba chorou. Não queria
demonstrar fraqueza, pois diziam que índios são valentes e não choram. Sentiu a
força dos meninos de amarelos e azuis, de lenço e chapéu grande. Sentiu uma
amizade entre eles incrível. Quem sabe ele poderia fazer isto na sua tribo?
Retornou pensando em mudar. Em voltar no tempo dos guerreiros fortes,
sorridentes e que se orgulhassem dos seus antepassados. Guaraciaba casou com
Avati e com ela teve dois filhos homens. Mandou vinte guerreiros estudar na
capital. Dois voltaram doutores. A tribo mudou da água para o vinho. Agora a
Aldeia tinha uma escola e um posto de saúde e Guaraciaba corria pelos campos,
pelos rios e riachos a procura dos gazeteiros. Dava um sermão e eles de cabeça
baixa voltavam para a escola. Anajé um dia disse a ele: - Guaraciaba um dia não
vou voltar. Tenho que partir para longe em busca do meu destino. Mas quero que
lembre que meu sangue está junto com o seu. Em espirito aqui irei morar para
sempre.
Anajé partiu. Muitas luas se
passaram e Guaraciaba ficou doente. Seus doutores e Kerexu fizeram tudo para
salvá-lo, mas não conseguiram. Os filhos de Guaraciaba agora adultos juraram ao
seu pai que os antepassados dos Botocudos iriam se orgulhar na nova tribo. Uma
semana depois Guaraciaba estava nas últimas. Seus olhos quase não abriam. A
taba cheia de índios rezando. Alguém pediu passagem e ninguém mais ninguém
menos que Anajé apareceu. Deu um abraço apertado em Guaraciaba. – Meu amigo, eu
estava longe e uma noite Caapora e Catu me apareceram em sonhos. Disseram que
você precisava de mim e logo sumiram em uma nuvem branca no céu. Aqui estou e
vim trazer para você o meu amor Escoteiro onde um dia nossos sangues se cruzaram
para que pudéssemos ser amigos e irmãos até no firmamento na terra dos seus
antepassados. Quando você partir o sol vai sorrir, quando você chegar ao meio
do céu Tupanã o Deus do Universo vai abraçar você. Então Tupanã vai soprar o
vento da vida sobre você e vai dizer – Aqui Guaraciaba você vai esfriar sua
sede, aqui o fogo do céu vai aquecer seu corpo quando sentir frio, aqui você
vai correr pela terra junto aos seus antepassados.
Guaraciaba morreu sorrindo. A
tribo começou a cantar aos sons de tambores, chocalhos, guizos e cabaças. No
céu de brigadeiro um trovão anunciou a chegada de Guaraciaba junto a Tupanã. Anajé o Escoteiro partiu três dias depois.
Abraçou Piatã e Apuã os filhos de Guaraciaba – Estarei com vocês em todas as
horas e em todos os momentos. Pensem em mim quando precisarem de ajuda. Anajé
colocou seu chapéu de abas largas, firmou seu lenço verde e amarelo no pescoço,
amarrou sua bota negra e alçou sua mochila verde nas costas. Em uma simples
jangada atravessou as águas tranquilas do Rio Doce levando consigo as saudades
de um índio que sempre amou!
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