Lendas escoteiras.
A classe dominante vai ao escotismo.
(esta é uma história de ficção, qualquer semelhança com pessoas ou fatos
reais é mera coincidência).
Sou
gaúcho forte, campeando vivo, livre das iras da ambição funesta;
Tenho
por teto do meu rancho a palha, por leito o pala, ao dormir a sesta.
Monto
a cavalo, na garupa a mala, facão na cinta, lá vou eu mui concho;
E nas
carreiras, quem me faz mau jogo? Quem, atrevido, me pisou no poncho? João Simões Lopes Neto
Vertentes da Saudade era uma
cidade pequena, antiga e ainda enraizada nas velhas tradições gaúchas. Ficava a
oeste de Uruguaiana mais de oitocentos quilômetros de Porto Alegre. Nada mudou
em Vertentes nos últimos trezentos anos. Os antigos donos da terra os Índios
Guaranis eram sombra do orgulho do passado. Uma estátua centenária do Padre
Jesuíta Cristóvão de Mendonça estava encravada na praça central e hoje poucos
param para ver o que está escrito em sua placa de bronze. Havia no ar uma
melancolia talvez por falta do que fazer. A população vivia do plantio do
feijão e criação de gado. Ali em Vertentes da Saudade os direitos de cria
recria e engorda tinha dono. O Coronel Totonho Mercês Almeida Pais reinava
absoluto sobre os demais estancieiros. Ele praticamente era o juiz, o prefeito
e o delegado e ninguém poderia de maneira alguma contrariar suas ordens. E olhe
que estávamos no século vinte e um.
O menino Luiz Mercês Almeida Pais com
onze anos tinha puxado o pai. Orgulhoso, andava de nariz empinado e conversava
com os outros como se estivesse dando ordens. Ninguém tinha coragem de olhar
nos olhos diretamente do pai e do filho. Diferente de Dona Leonor Mercês
Almeida Pais esposa do Coronel Totonho. Uma alma caridosa, nunca levantou a voz
para ninguém. Todos a procuravam nas horas mais difíceis e ela sempre bondosa
não negava ajuda. O Topógrafo Siqueira Nantes Leal nascera em Vertentes da
Saudade e nem sabe como resolveu um dia fundar um Grupo Escoteiro na cidade.
Houve uma revoada geral na meninada. De boca em boca o assunto correu e
alvoraçou a cidade. Gaúcho de verdade não abandona a sua terra e leva no peito
a saudade, que toda tarde, trás dela, assim pensava Siqueira que nunca
abandonou sua cidade por nada. Dona Filó diretora do Grupo Escolar Flores da
Cunha comprou a ideia e logo ofereceu o pátio e duas salas para que o grupo
arranchasse para sempre. Assim ela pensava.
Siqueira Nantes amava Amelinha
Salsaparrilha e ela como boa moça quando o viu cantou baixinho: - “Erva, cuia,
chimarrão. Não é apenas costume, é amor e tradição. Ela não liga para status,
beleza ou dinheiro. O importante para ela, é que ele seja Gaúcho, campeiro e
Romântico”. O namoro durou meses e casaram-se na igrejinha do Padre Antonio Feijó
numa tarde linda de setembro. Siqueira nem lua de mel teve. Um trabalho
encomendado pela Ferrovia do Trigo, que ligava Passo Fundo a Porto Alegre a
pedido do Coronel Totonho que pensava em fazer um ramal até Vertentes da
Saudade. Seria uma linha regular de passageiros e porque não transportar o gado
do coronel? Siqueira Nantes não abandonou seu projeto de organizar o grupo
escoteiro. Convidou oito jovens e com mais dois professores da escola além da
diretora, escolheram o nome do grupo e definiram quando seria feita a
solenidade de promessa do grupo. Tudo andava de vento em popa. Siqueira
comentava onde passava: “Vai Tche! Por este mundão véio sem porteira, proseando
do evangelho, espaiando as boas novas do escotismo prá tudo que é vivente”!
O menino Luiz Mercês ficou uma fera quando
soube que não fora convidado para participar da primeira patrulha do grupo.
Falou com seu pai e este mandou chamar Siqueira Nantes para se explicar. De
cabeça baixa ele disse que logo teria uma vaga para seu filho. O Coronel
Totonho não acreditava no que ouvia. Mandou Zepileu seu secretario chamar os
dirigentes do escotismo rio-grandense para se explicarem a ele em sua cidade.
Doutor Alfredo Maristo era o Presidente da Região Escoteira. – Que boa bisca é
este Siqueira? – Pensou. Se não vou fico
de entremeio com a liderança politica. Tenho de ir lá e me rebaixar para um
coronelzinho de araque. Doutor Alfredo chegou cedo a cidade. Foi levado a
presença do Coronel. Com seu vozeirão ele foi dizendo aos gritos de modo mal
educado: Moço! Assuma, ou suma da minha frente, pois chega de lero-lero. Se tu
não sabes o que quer, eu sei o que eu quero e papo enrolão de homem-banana, é
um abacaxi que não quero! Doutor Alfredo tentou se explicar, mas não adiantou.
– Quem manda na cidade sou eu. Avisa a este sacropanta que se diz Chefe
Escoteiro que ele come na minha mão!
Doutor Alfredo conversou com Siqueira
Campos. Um pobre diabo ele pensou. Por que foi logo nascer aqui onde Judas
perdeu as botas? – Doutor Alfredo vou desistir. Não quero mais ser Chefe – Na
verdade, de que adianta ter a faca e o queijo na mão, quando não se tem mais um
fio de vontade, de motivação? Não adiantou a desistência de Siqueira, Coronel
Totonho contratou dois profissionais Escoteiros e lá fez um grande grupo que
chamaram de Grupo Escoteiro Coronel Totonho. Doutor Alfredo foi obrigado a dar
autorização, pois ao contrário o Governador do Rio Grande acabaria com ele. E
assim fundou-se ou afundou-se as boas práticas escoteiras em Vertentes da
Saudade. – Como dizem por aí, Siqueira que nunca foi Chefe e pensou que seria
um cantava baixinho: - Vai Tche! Por mundão veio sem porteira, proseando do
evangelho, espraiando as boas novas pra tudo que é vivente! – Tô loco de
faceiro Tche! Convidaram-me prá ir à casa do patrão celestial, pois aqui em
Vertentes da saudade nunca mais eu voltarei. Se trouxeres teu orgulho de ser
brasileiro, te entregarei a minha honra de ser gaúcho, mas nunca submisso.
Sei que Siqueira foi para outra cidade,
se tornou um grande Chefe Escoteiro e até hoje a gauchada de lá o carregam para
todo lado a saudar como se ele fosse um herói. Levantar com o pé direito ou
esquerdo, não vai determinar se o seu dia será bom ou ruim, suas atitudes sim!
Chega um dia que a gente simplesmente muda, os sentimentos mudam e o coração
faz novas escolhas. E assim vou terminando este novo conto onde o Escotismo não
se abaixou para a classe dominante e nas palavras do gaúcho do Rio Grande eu
vou dizendo: - Bueno vou me largando, mais tarde temo aí de novo. “Forte quebra
de costela prá toda a gauchada conectada”!
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