Lendas
Escoteiras.
Os
maravilhosos contos de Panchito Flores.
Nunca esqueci Panchito Flores, foi da Patrulha Onça Parda da mesma tropa
onde fui da Raposa. Apesar de patrulhas diferentes havia uma amizade entre nós
bem diferente dos demais da patrulha. Nós dois tínhamos uma química e pelo
menos uma vez por dia ficávamos horas conversando. Falávamos de tudo e ele
tinha um dom especial de dar vida ao que me contava. Sei que quando passou para
a chefia criou uma fama de contador de histórias incrível. Eu sei que quem
conta um conto aumenta um ponto. Mas não seria isto o doce sabor delicioso de
uma boa história? Quando passei para Sênior Panchito Flores foi embora com seus
pais. Passaram-se anos até que nos encontramos novamente. Era normal quando
voltava do meu trabalho parar no bar Aurora bem no final da Rua dos Andradas
para tomar um chope e comer dois quibes fritos. Sentava em uma mesa e
refastelava de um dia da “Boca do Forno” na usina siderúrgica que trabalhava.
Ficava pouco tempo e logo embarcava no ônibus que me levava a minha morada.
Lembro que um dia ao procurar uma mesa, pois o bar estava cheio me dei
conta que lá estava Panchito Torres. Mais velho é claro, mas não podia ser
outro. Aproximei-me e ele também me reconheceu. Efusivamente ficou de pé e
gritou alto em posição de sentido: - Sempre Alerta Vado terceiro Escoteiro da
Patrulha lobo! Fiz o mesmo. Juntando os “cascos” gritei – Bem vindo amigo
Panchito, Segundo Escoteiro Submonitor da Patrulha Onça Parda! Sempre Alerta!
Sem perceber atraímos atenções gerais e sorrisos dos que estavam ali. Depois dos
abraços nos sentamos para colocar a conversa em dia. E como rendeu. Dei conta por
volta de uma da manhã. A barra ia pesar com a Célia. Fazer o que? Panchito era
demais. Contou-me em pormenores as cidades por onde passou o que fez e os
grupos escoteiros onde atuou. Combinamos de nos encontrar ali no Bar Aurora
toda quarta feira do mês. Ele nunca faltou e eu também. Na última vez notei que
ele estava alegre, dando risadas, e sabe, é sempre bom estar em companhia de
pessoas assim.
Panchito! Hoje você está na sua eim? - Pois é Vado, hoje lembrei que
poderia estar rico, muito rico, mas não acreditei e deixei a oportunidade
passar. Mas quem não passa pela vida nunca aprende não é? Dizem que quem passa
aprende mais que quem fica parado. – Verdade meu amigo, verdade. – Vado lembra-se
da enorme Pedra que existia em Jardim Formoso? – lembro sim, chamavam-na de
Pedra da Laguna. Fui lá uma vez e jurei nunca mais voltar. Que subida! E olhe
que era bom de escalada. – Pois é. Aconteceu comigo também, mas não tinha
jeito, a patrulha sempre querendo saber tudo da pedra. Eu achava que ela tinha
um encantamento especial. Dizem que a serra tinha mais de mil e oitocentos
metros de altura. Não sei se era tudo isto. Você deve lembrar que acompanhando
a pedra tinha um recôncavo de mais de seiscentos metros de extensão e fui aí
que a história começou. Achamos que se fizéssemos uma picada até na ponta do
recôncavo teríamos uma vista maravilhosa do Rio Amarelo e outras cidades. Assim
foi feito. Combinamos de voltar munidos de bons facões e machadinhas. Não seria
difícil. O terreno era coberto por uma vegetação rasteira coberta por enormes
samambaias. Mais de dois metros de altura.
Vi que a história seria longa. Mais uma vez iria enfrentar os olhos da
minha querida esposa. Risos. Grande Célia. Dizem que ao lado de um péssimo
Escoteiro sempre tem uma grande mulher – Mas voltemos a Panchito. – Pois é Vado,
mochila nas costas lá fomos nós. Bem cedo, pois queríamos aproveitar os dois
dias. Sábado e domingo. Metemos a cara nas samambaias. Aprumei o rumo SSW para
não haver duvidas e cair pelas beiradas da encosta. Meia hora para cada usando
o facão para abrir a picada. Levou o dia inteiro. Levamos lanche para o
primeiro dia e a velha e gostosa sopa de macarrão com linguiça para a noite. Achei
que em menos de quatro horas chegaríamos ao ponto e não aconteceu. Começou a
escurecer. O melhor a fazer era acampar por ali. Dia limpo, céu sem nuvens. Mostrando
que não haveria tempestades. Fizemos das estrelas nossas barracas. No domingo
bem cedo continuamos. Ao meio dia chegamos à encosta. Não dava para ver nada.
Tentamos limpar o mato e as samambaias na busca de ter uma visão do vale.
Foi então que descobrimos uma calçada em umas pedras bem colocadas como se
fosse uma enorme escadaria. Ela descia pela encosta em forma de caracol. Não
dava mais tempo. Tínhamos que voltar. Engrenamos cinco sábados e domingos
seguidos. Foi um custo convencer o Chefe Lomanto da nossa nova atividade. Mas
eram outros tempos. Patrulhas faziam escotismo no campo e não na sede. Bem cedo
no sábado lá estávamos nós percorrendo com nossas bicicletas os vinte e dois
quilômetros que separavam nossa cidade até o pé da Pedra da Laguna. Queríamos
desvendar a todo custo o que seria a escadaria. No topo não tinha nada. Nenhum
rastro de construções antigas. No cume novamente chegamos na ponta da encosta. O mato e as samambaias cresceram onde
capinamos na semana anterior. Impossível crescer assim em uma semana! Meninos,
jovens cheios de vida não desanimamos. Escada abaixo procurávamos descobrir o
mistério daquela enorme escadaria.
Ela fazia a volta no recôncavo e
na pedra. Seria difícil em um só dia percorrer toda ela. Seriam necessários
mais de dois fins de semana. Não desanimamos. Foi Locardo um Escoteiro caladão
que nos mostrou ao lado da escadaria um pequeno busto de uma Deusa Inca coberta
de poeira e barro. Voltamos com a curiosidade aguçada. O horário não permitia
continuar. Levamos conosco o busto. Na segunda feira mostramos para o Diretor
do Colégio Dom Bosco o padre Esculápio. Ele achou que tínhamos roubado e deu o
golpe do João sem braço. Recolher para averiguações. Bem meninos inocentes
acreditam em tudo. Voltamos de novo na Pedra da Laguna. Descobrimos um enorme
Cálice pesado, mais de trinta quilos. Foi difícil para trazer. Só com uma maca
improvisada de camisas escoteiras. Você sabe, elas sempre foram uma salvação
para nós. Desta vez procuramos o Professor Pinta Silgo. De novo em nome da
ciência nos tomou o cálice.
A história se espalhou. No domingo seguinte centenas ou milhares de
pessoas da cidade estavam lá tentando achar algum tesouro. Uma bagunça grande.
Ninguém se entendendo. Foi necessário a policia e o prefeito mandou colocar uma
cerca. Veio da capital uma equipe de arqueólogos. Sei que nossas descobertas o
filho do professor Pinta Silgo vendeu para um Museu de Berlim o Cálice por
quarenta e cinco milhões de dólares para um museu de Nova Iorque. Não ganhamos nada a não ser o prazer da
aventura. Despedimo-nos e pela rua deserta era mais de meia noite fiquei
pensando em tudo que aconteceu conosco no passado. Eu mesmo tinha muitas
histórias para contar, mas não encontrei riquezas. Consegui sim fazer de minha
vida uma felicidade que muito me valeu. Muitas e muitas quartas feiras eu e o
Panchito Flores contamos histórias. Um dia ele não apareceu. Esqueci de pegar
seu endereço e telefone. Voltei ao bar muitas vezes e nada. Ah! Histórias, e
quem não tem? Ainda bem que elas são coisas de escoteiros, coisas de aventuras.
Só quem as teve sabe como é!
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