Lendas Escoteiras.
O Lobinho herói de Santa Genoveva.
A
história de Jovelino correu mundo. Sei que ninguém nunca esqueceu. Foi um
exemplo de vida e marcou seu nome na cidade para sempre. A história aconteceu
há mais de quinze anos. Se foi um Super Herói não sei. Bem não vamos saltar a
pedra de uma vez. Vamos escalar ponto por ponto para que cada um conheça melhor
quem foi o Lobinho Jovelino Troca Letras. Ele nasceu em Santa Genoveva lá pelos
idos de 1950. Sua mãe trabalhava no correio e seu pai estava internado em um
Manicômio Judiciário de Terra das Vertentes. Diziam que nunca se recuperaria. Na
cidade a família de Jovelino era tida como “malucos”. Até os quatro anos
ninguém viu nada de anormal em Jovelino. Quando fez quatro anos sua mãe observou
que ele só ria. Diziam ser um riso de idiota que pouco falava.
No início ninguém ligou muito, mas na
escola começaram a rir dele, fazer “chacotas”, chamá-lo de biruta, pirado,
lunático, tantan e muito mais. Passaram então a chamá-lo de gaguinho, fanhoso e
outros termos que não vale a pena publicar aqui. Jovelino nunca retrucou.
Sempre com um sorriso nos lábios. Aos seis anos descobriu os escoteiros. Passava
a tarde assistindo as reuniões na sede. Vibrava com os jogos e em seu cantinho
pulava e tentava emitir sons que dificilmente saia. Por vários sábados ele
ficou lá assistindo. Os lobinhos e os escoteiros já o conheciam do colégio e
nas ruas da cidade. A Akelá Márcia um dia perguntou a ele se queria ser lobinho.
Seus olhos disseram tudo. Ele balançou a cabeça com a dizer que sim. Marcia
ficou intrigada. Será que era mudo? Martinha veio ao seu socorro. Akelá, é o
Jovelino Troca letras, na escola todos dão boas risadas com ele é fanhoso e não
fala.
Marcia pensou como ajudar. Pensou em conhecer a
família de Jovelino. Falou com ele devagar – Jovelino! Peça a sua mãe para vir
aqui. Certo? – Se ele entendeu ninguém soube, mas a mãe de Jovelino nunca
apareceu. Marcia sabia que não podia admiti-lo sem a presença dos pais. Neste
interim Jovelino continuava lá, no seu cantinho, vibrando e gruindo, pois assim
eram os sons que emitia. Jovelino tinha boa aparência. Cabelos louros e
ondulados. Suas roupas eram humildes, mas limpas. Calçava uma sandália de dedo
e parece que escovava sempre os dentes, pois estavam brancos e brilhantes.
Magro, não era alto pela sua idade. Enquanto pequeno passou por todos os
médicos do INSS. Pobre ninguém resolveu sua doença.
Uma tarde a mãe dele apareceu. Conversaram
muito. Marcia mesmo sem entender e sem experiência no assunto pensou que não
custava tentar ajudar Jovelino Troca Letras foi aceito na Alcatéia e colocado
na matilha azul. No inicio os resultados foram desastrosos. Os lobinhos e as
lobinhas sempre rindo dele. Difícil mudar isto. Oito meses depois o próprio
Jovelino estava desistindo. Dizia para a Akelá Márcia: - Ão adianta ontinuar.
Ou sair. Olo muito. Os chefes da Alcatéia se reuniam, discutiam e chegavam à
conclusão que ele não estava ajudando. Ele não aprende nada. Seu sonho era
vestir o uniforme e não deixaram. Um sábado Jovelino não apareceu. Alguns
chefes acharam melhor assim. Marcia ficou preocupada. Afinal se sentia culpada.
Resolveu ir a sua casa. Com sua filha que era Escoteira foi com ela até a Rua
do Ouvidor. Não foi difícil achar sua casa. Na porta a mãe a recebeu com um
sorriso triste. Estranharam. A mãe de Jovelino serviu um cafezinho e uns
bolinhos.
– Chefe, eu fui
obrigada a internar o Jovelino em uma casa de repouso disseram-me que poderiam
ajudar. Ele passou a gritar, chorar, e dizia na sua maneira inteligível que
queria morrer. Pessoas humildes, sem posse e conhecimento Marcia se preocupou.
Que casa seria esta? Nunca ouviu falar. Pediu o endereço e foi lá. Coitado do
Jovelino. No meio de homens e mulheres que estavam em processo de loucura
totalmente insana e degradante. A maioria sem familiares para ajudar.
Espalhados pelo pátio faziam suas necessidades na grama, uns gritavam outros
davam gargalhadas. Enfermeiros agiam com brutalidade. Viu Jovelino em um canto,
e caramba! Sorrindo! Estava com um buquê de flores e veio correndo entregar a
Chefe Marcia. Ela não aguentou. Chorando deu nele um abraço não de Chefe, mas
de mãe.
Na secretaria
disseram que ele não podia sair. Nem a mãe poderia tirá-lo. Enquanto não
melhorasse. Melhorar? Ali? Marcia foi direto ao juiz da cidade. Conhecia-o. Era
pai de um Escoteiro. Jovelino saiu no outro dia. E agora o que fazer? Como
reintegrá-lo na Alcatéia novamente? Falar com os lobinhos? Consultou os demais
assistentes. Consultou o Diretor Técnico. Fizeram um Conselho de Chefes do
Grupo. Claro, todos se apiedaram de Jovelino e foram unânimes em votar a favor
de sua volta. Perguntaram-se como ele iria agir e interagir com os demais? A
bomba era da Marcia e seus assistentes. Marcia para animá-lo deu a ele um
uniforme. Ele sorria de orelha a orelha. Naquele sábado a reunião foi na Praça
Central da cidade. Era uma maneira de fazer marketing para o grupo.
Na praça um homem grande,
barbudo, com um revolver na mão chegou gritando para saírem dali. Pegou pelos
cabelos a lobinha Martinha. Ela com os olhos arregalados começou a gritar e
pedir socorro. O homem apontava a arma e dizia que a mataria se alguém se
aproximasse. A policia chegou e fez o cerco. Ele tentou um roubo no banco e não
conseguiu. Matou a tiros o gerente. Uma calamidade. Um silêncio sepulcral no
Parque. Os lobinhos e as lobinhas soluçavam e choravam. Marcia e os assistentes
indefesos. Uma dezena de policiais gritando para ele soltar a menina. Ele
começou a dar gargalhadas. – dizia – Vou matar! Vou matar! Nunca tive uma filha
e vou levar esta junto comigo para o Inferno. Martinha gritava e ele dizia a
ela para calar lhe batendo na cabeça com as mãos. Incrível, ninguém acreditou
no que via. Jovelino estava sorrindo e falando normalmente. Cantando alto e bom
som dizia a Martinha – Calma minha irmã! Calma. Tudo vai dar certo e foi
chegando para perto dos dois. O bandido gritou para ele parar, pois o primeiro
tiro seria dele. A polícia gritou para Jovelino sair dali.
Com
grande agilidade Jovelino deu um salto e abraçou o bandido pelo pescoço. Ele
sentindo o peso do menino soltou Martinha que saiu correndo. Com um safanão o
bandido jogou Jovelino no chão e atirou. A policia nesta hora crivou o corpo do
bandido de balas. Ele caiu ao chão ao lado de Jovelino que sangrava. Levaram
Jovelino para o hospital. Ele quase não respirava. Internado na UTI ficou lá
dois meses. Na porta do hospital uma multidão de lobinhos e escoteiros e seus
familiares faziam vigília. Quatro meses depois ele recebeu alta. Um milagre
aconteceu. Ele agora falava sem gaguejar. Deram a ele uma medalha da cidade. O
povo veio ver e aplaudiu. Os escoteiros em uma estrondosa palma Escoteira saudaram
Jovelino. O lobinho herói de Santa Genoveva. Sei que Jovelino quando cresceu
foi escoteiro Lis de Ouro e Escoteiro da Pátria. Dizem também que ele se formou em direito e é
um grande advogado na capital. Dizem também que ele faz questão de participar
de um Grupo Escoteiro lá. Só sei que em Santa Genoveva ninguém nunca mais
esqueceu.
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