quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Um beijo e depois morrer.


Lendas Escoteiras.
Um beijo e depois morrer.

                          Charles era apenas um menino que gostava de sorrir brincar e cantar. Não gostava da escola. Mas sua mãe insistia. Ela dizia que iria partir um dia e ele ficaria só. Ele não deveria ser dependente de ninguém. Um dia passou a prestar mais atenção às professoras. Charles ficava na porta de seu barraco esperando sua mãe chegar. Ela saia cedo, fazia o café deixava no forno seu almoço e quando chegava fazia o jantar. Charles todas as tardes ficava na porta do barraco esperando sua mãe chegar. Sonhava em ter um vídeo game para brincar. Uma televisão colorida, pois a sua queimou e não tinham dinheiro para consertar. Até que isto era bom, pois depois da janta, sua mãe o deitava no seu colo e na velha poltrona desbotada, ela contava para ele belas histórias. Ele amava as histórias de sua mãe. Sem perceber um dia ela contou sobre seu pai. Era uma noite chuvosa e com lágrimas nos olhos disse que seu pai a deixou para nunca mais voltar. Ele não entendeu bem, mas ela o abraçou no final da história e o beijou varias vezes no rosto.

                          Lembrava-se de tudo que sua mãe contou sobre seu pai. – Alguns anos antes moravam uma pequena cabana em uma fazenda no interior. Seu pai fazia empreitadas consertava cercas, capinava, limpava os currais e quando podia dava uma mão na vaquejada que se realizava anualmente. Um dia ele fazia uma cerca próximo ao Rio Verde e uma enorme tempestade se formou. Um raio caiu sobre ele. Morreu na hora. O Senhor da fazenda um mês depois foi até lá dizer que precisava da casa. Casa? Uma cabana simples de pau a pique – Eu preciso de alguém para ajudar na lida da fazenda. Olhe senhora seu marido se foi e tenho outro arrumado. Preciso que a senhora desocupe. Fazer o que? Ela partiu para a cidade grande. Dormiram ao relento por vários meses. Ele tinha cinco anos. Ela lutou para conseguir seu barraco na favela do Engenho. Não conseguiu uma creche e uma vizinha uma vez ou outra colaborava. Ela era faxineira e trabalhava todos os dias.

                    As noites ele sorria pensando qual historia sua mãe ia contar. Ele ria de felicidade quando ela começava. Gostava do Neguinho do Pastoreio e sempre pedia para ela repetir. Um dia na escola Norberto um menino rico apareceu de uniforme. – Que é isto perguntou. – Sou Escoteiro não sabia? Charles gostou do uniforme. Perguntou a sua mãe se ele podia entrar. Ela riu e disse que não era para eles, lá só tinham ricos e brancos. Charles e sua mãe eram negros. Charles nunca se preocupou com sua cor. Na sua ingenuidade de menino pela primeira vez sentiu que não tinha seu lugar na sociedade. Alguns anos depois ele tanto insistiu tanto que sua mãe o levou. Charles foi aceito. Os chefes foram simpáticos e ele gostou da sua Patrulha Lobo. Em pouco tempo se enturmou. Agora tinha duas alegrias ser Escoteiro e as histórias de sua mãe nas noites após jantar.

                     Um dia na patrulha ficou sabendo que ele era “adotado”. O Grupo Escoteiro pagava suas despesas. – Mãe, não podemos pagar? Não meu filho. Você um dia quando crescer vai pagar trabalhando. Charles sabia ouvir os conselhos de sua mãe. Mesmo sendo negro era bem amado pelos seus amigos da tropa. Acampava, excursionava, brincava cantava e fazia coisas impossíveis com bambus e alguns metros de sisal. Charles cresceu. Passou para os seniores. Já não era tão dependente. Estudava a noite e trabalhava durante o dia na loja do seu Odorico. Pediu para não trabalhar aos sábados a tarde. Ele precisava ir à reunião dos escoteiros. Ganhava metade de um salario mínimo e ainda ajudava sua mãe.

                 Um dia as meninas chegaram. Tinham agora duas patrulhas completas com seis cada uma. Não se enturmou com nenhuma delas. Era arredio e não tinha assuntos para contar. A elas sempre dava nada mais que um Sempre Alerta. Um sábado Nathalya chegou. Cabelos vermelhos cortados no ombro, um rosto lindo um sorriso encantador. No final da reunião disse até logo para Charles. Ele não sabia o que dizer. Não sabia como conversar com uma moça. Ficava sempre envergonhado talvez pela sua cor. David o Monitor sempre ficava ao lado dela. Era o bonitão da Tropa. Sabia que nunca ela poderia ser sua namorada. Em uma excursão no Vale Florido eles deram uma parada próxima a uma linda cachoeira. Olharam extasiados e admiravam a maravilhosa obra da natureza e de Deus. Ela o convidou para sentar em uma sombra onde uma linda Copaíba se destacava. Ali ela alegre e gentil contou muitas coisas sobre a sua vida. Charles encantado não sabia o que dizer. Afinal era negro ela branca ruiva de cabelos vermelhos.

                 Ela insistiu pra que ele contasse um pouco de sua vida. Pensava que ela não iria querer saber da vida pobre e de um negro que morava na favela. O apito do Chefe tocou três vezes. Reunir. A hora maravilhosa daquele momento mágico havia acabado. Eles levantaram e para surpresa de Charles Nathalya o abraçou e o beijou. Ele não sabia o que fazer. Não foi um beijo que seus amigos se gabavam. Foi um beijo lindo, um roçar de lábios olhando nos olhos e sentido seu perfume que exalava e ele audacioso acariciou seu rosto, seus cabelos e de novo o apito do Chefe. Foi um êxtase de momento. Uma quimera de segundos, mas que Charles nunca mais esqueceu. Na semana seguinte Nathalya não veio. Na outra também não. Charles torcia as mãos, olhava para o portão e quando a reunião terminou perguntou ao Chefe o que houve. O Chefe disse que ela não voltaria mais. Era escoteira em outra cidade. Ela tinha pedido para participar das reuniões enquanto estivesse aqui.

                   Charles ficou em estado de choque. Uma dor incrível cravou em seu coração. Sua mãe o abraçou e ambos ficaram assim por um bom tempo com os olhos molhados com lágrimas que insistiam em rolar na sua face. Charles nunca encontrou outra moça para namorar. Não se interessou. Não podia esquecer o momento mágico do afago e do beijo entre ele e Nathalya. O tempo passou. Charles cresceu. Formou-se como Técnico Mecânico. Sua mãe velhinha não trabalha mais. Charles comprou uma linda casinha para ela. Mobilhou e perguntou se queria uma televisão. Ela disse: Minhas histórias ou a televisão? Ele sabia o que iria escolher. Charles continuou Escoteiro, mas preferiu ficar colaborando sem ser um chefe. Durante toda sua vida uma vez por mês Charles devagar sem correr vestia seu uniforme, embarcava em um ônibus e descia próximo ao Vale Florido. Sentava na sombra da Copaíba e sorria olhando seu passado ao lado de Nathalya.


                  Fechava os olhos e sentia seu perfume, sua voz e acariciava o ar pensando ser os seus cabelos lisos vermelhos. Sorria acreditando ter voltado no tempo. Depois de horas ficava de pé, sentia Nathalia a sua frente o beijando. Meu Deus! Era incrível esta visão virtual. Visão de um grande amor que nunca morreu. Hoje aos setenta anos Charles como todos os domingos ainda vai sempre ao vale Florido. Com passos trôpegos procura a mesma árvore. Senta aos pés da Copaíba como se fosse ainda menino e ao seu lado Nathalya. Nunca esqueceu o amor que morava em seu coração. Durante toda sua vida nunca mais beijou ninguém. Não sabia beijar e nem queria esquecer o beijo da Nathalya. Charles morreu na primavera. A Copaíba sentiu sua falta. O perfume que ela deixou em sua sombra nunca mais se esvaiu. Nas suas exéquias Charles viu uma luz azul brilhante e viu Nathalia a lhe convidar com seu uniforme bem postado a seguir para o Vale Florido. Na Copaíba sentaram-se de mãos dadas. Nathalya sorrindo disse que o esperou por todo este tempo. Charles sorria olhando para ela. Sabia que agora estariam juntos para sempre e ele voltava a viver um grande amor que nunca esqueceu!

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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