Lendas
Escoteiras.
Um beijo e
depois morrer.
Charles era apenas um menino que gostava de
sorrir brincar e cantar. Não gostava da escola. Mas sua mãe insistia. Ela dizia
que iria partir um dia e ele ficaria só. Ele não deveria ser dependente de
ninguém. Um dia passou a prestar mais atenção às professoras. Charles ficava na
porta de seu barraco esperando sua mãe chegar. Ela saia cedo, fazia o café
deixava no forno seu almoço e quando chegava fazia o jantar. Charles todas as
tardes ficava na porta do barraco esperando sua mãe chegar. Sonhava em ter um
vídeo game para brincar. Uma televisão colorida, pois a sua queimou e não
tinham dinheiro para consertar. Até que isto era bom, pois depois da janta, sua
mãe o deitava no seu colo e na velha poltrona desbotada, ela contava para ele
belas histórias. Ele amava as histórias de sua mãe. Sem perceber um dia ela
contou sobre seu pai. Era uma noite chuvosa e com lágrimas nos olhos disse que
seu pai a deixou para nunca mais voltar. Ele não entendeu bem, mas ela o
abraçou no final da história e o beijou varias vezes no rosto.
Lembrava-se de tudo
que sua mãe contou sobre seu pai. – Alguns anos antes moravam uma pequena
cabana em uma fazenda no interior. Seu pai fazia empreitadas consertava cercas,
capinava, limpava os currais e quando podia dava uma mão na vaquejada que se
realizava anualmente. Um dia ele fazia uma cerca próximo ao Rio Verde e uma
enorme tempestade se formou. Um raio caiu sobre ele. Morreu na hora. O Senhor
da fazenda um mês depois foi até lá dizer que precisava da casa. Casa? Uma
cabana simples de pau a pique – Eu preciso de alguém para ajudar na lida da
fazenda. Olhe senhora seu marido se foi e tenho outro arrumado. Preciso que a
senhora desocupe. Fazer o que? Ela partiu para a cidade grande. Dormiram ao
relento por vários meses. Ele tinha cinco anos. Ela lutou para conseguir seu
barraco na favela do Engenho. Não conseguiu uma creche e uma vizinha uma vez ou
outra colaborava. Ela era faxineira e trabalhava todos os dias.
As noites ele sorria
pensando qual historia sua mãe ia contar. Ele ria de felicidade quando ela
começava. Gostava do Neguinho do Pastoreio e sempre pedia para ela repetir. Um
dia na escola Norberto um menino rico apareceu de uniforme. – Que é isto
perguntou. – Sou Escoteiro não sabia? Charles gostou do uniforme. Perguntou a
sua mãe se ele podia entrar. Ela riu e disse que não era para eles, lá só
tinham ricos e brancos. Charles e sua mãe eram negros. Charles nunca se preocupou
com sua cor. Na sua ingenuidade de menino pela primeira vez sentiu que não
tinha seu lugar na sociedade. Alguns anos depois ele tanto insistiu tanto que
sua mãe o levou. Charles foi aceito. Os chefes foram simpáticos e ele gostou da
sua Patrulha Lobo. Em pouco tempo se enturmou. Agora tinha duas alegrias ser
Escoteiro e as histórias de sua mãe nas noites após jantar.
Um dia na patrulha ficou sabendo que ele era
“adotado”. O Grupo Escoteiro pagava suas despesas. – Mãe, não podemos pagar?
Não meu filho. Você um dia quando crescer vai pagar trabalhando. Charles sabia
ouvir os conselhos de sua mãe. Mesmo sendo negro era bem amado pelos seus
amigos da tropa. Acampava, excursionava, brincava cantava e fazia coisas
impossíveis com bambus e alguns metros de sisal. Charles cresceu. Passou para
os seniores. Já não era tão dependente. Estudava a noite e trabalhava durante o
dia na loja do seu Odorico. Pediu para não trabalhar aos sábados a tarde. Ele
precisava ir à reunião dos escoteiros. Ganhava metade de um salario mínimo e
ainda ajudava sua mãe.
Um dia as meninas chegaram. Tinham
agora duas patrulhas completas com seis cada uma. Não se enturmou com nenhuma
delas. Era arredio e não tinha assuntos para contar. A elas sempre dava nada
mais que um Sempre Alerta. Um sábado Nathalya chegou. Cabelos vermelhos
cortados no ombro, um rosto lindo um sorriso encantador. No final da reunião disse
até logo para Charles. Ele não sabia o que dizer. Não sabia como conversar com
uma moça. Ficava sempre envergonhado talvez pela sua cor. David o Monitor
sempre ficava ao lado dela. Era o bonitão da Tropa. Sabia que nunca ela poderia
ser sua namorada. Em uma excursão no Vale Florido eles deram uma parada próxima
a uma linda cachoeira. Olharam extasiados e admiravam a maravilhosa obra da
natureza e de Deus. Ela o convidou para sentar em uma sombra onde uma linda Copaíba
se destacava. Ali ela alegre e gentil contou muitas coisas sobre a sua vida.
Charles encantado não sabia o que dizer. Afinal era negro ela branca ruiva de
cabelos vermelhos.
Ela insistiu pra que ele
contasse um pouco de sua vida. Pensava que ela não iria querer saber da vida
pobre e de um negro que morava na favela. O apito do Chefe tocou três vezes.
Reunir. A hora maravilhosa daquele momento mágico havia acabado. Eles
levantaram e para surpresa de Charles Nathalya o abraçou e o beijou. Ele não
sabia o que fazer. Não foi um beijo que seus amigos se gabavam. Foi um beijo
lindo, um roçar de lábios olhando nos olhos e sentido seu perfume que exalava e
ele audacioso acariciou seu rosto, seus cabelos e de novo o apito do Chefe. Foi
um êxtase de momento. Uma quimera de segundos, mas que Charles nunca mais
esqueceu. Na semana seguinte Nathalya não veio. Na outra também não. Charles
torcia as mãos, olhava para o portão e quando a reunião terminou perguntou ao Chefe
o que houve. O Chefe disse que ela não voltaria mais. Era escoteira em outra
cidade. Ela tinha pedido para participar das reuniões enquanto estivesse aqui.
Charles ficou em estado de
choque. Uma dor incrível cravou em seu coração. Sua mãe o abraçou e ambos
ficaram assim por um bom tempo com os olhos molhados com lágrimas que insistiam
em rolar na sua face. Charles nunca encontrou outra moça para namorar. Não se
interessou. Não podia esquecer o momento mágico do afago e do beijo entre ele e
Nathalya. O tempo passou. Charles cresceu. Formou-se como Técnico Mecânico. Sua
mãe velhinha não trabalha mais. Charles comprou uma linda casinha para ela.
Mobilhou e perguntou se queria uma televisão. Ela disse: Minhas histórias ou a
televisão? Ele sabia o que iria escolher. Charles continuou Escoteiro, mas
preferiu ficar colaborando sem ser um chefe. Durante toda sua vida uma vez por
mês Charles devagar sem correr vestia seu uniforme, embarcava em um ônibus e
descia próximo ao Vale Florido. Sentava na sombra da Copaíba e sorria olhando
seu passado ao lado de Nathalya.
Fechava os olhos e sentia seu
perfume, sua voz e acariciava o ar pensando ser os seus cabelos lisos
vermelhos. Sorria acreditando ter voltado no tempo. Depois de horas ficava de
pé, sentia Nathalia a sua frente o beijando. Meu Deus! Era incrível esta visão
virtual. Visão de um grande amor que nunca morreu. Hoje aos setenta anos
Charles como todos os domingos ainda vai sempre ao vale Florido. Com passos
trôpegos procura a mesma árvore. Senta aos pés da Copaíba como se fosse ainda
menino e ao seu lado Nathalya. Nunca esqueceu o amor que morava em seu coração.
Durante toda sua vida nunca mais beijou ninguém. Não sabia beijar e nem queria
esquecer o beijo da Nathalya. Charles morreu na primavera. A Copaíba sentiu sua
falta. O perfume que ela deixou em sua sombra nunca mais se esvaiu. Nas suas
exéquias Charles viu uma luz azul brilhante e viu Nathalia a lhe convidar com
seu uniforme bem postado a seguir para o Vale Florido. Na Copaíba sentaram-se
de mãos dadas. Nathalya sorrindo disse que o esperou por todo este tempo.
Charles sorria olhando para ela. Sabia que agora estariam juntos para sempre e
ele voltava a viver um grande amor que nunca esqueceu!
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