quinta-feira, 17 de setembro de 2015

Do mundo nada se leva.


Lendas Escoteiras.
Do mundo nada se leva.

                           Na pequena clareira uma fogueira apagada. Nem brasas havia mais. A lua esquecera-se que ele estava ali e se escondeu em uma montanha distante. As estrelas no céu desistiram de tentar alegrá-lo e ficaram paradas no céu sem brilhar. Ele não tinha forças para ao menos colocar mais um galho seco, soprar e quem sabe o calor do fogo poderia ajudar a amainar sua imensa dor. Uma dor cruel, uma perda que marcou seu coração para sempre. Chorar? Sim, ele chorou muito. Chorou quando soube, pensou em se matar em suas exéquias, sentiu a vida se esvair nos meses que ficou só sem ter ela sorrindo ao seu lado como sempre fazia. Os amigos escoteiros tentaram consolar. Palavras bonitas surgiram e ele sabia que seu coração estava morto. Não ligava. Porque falar do artigo da lei? O que sabem da dor de uma perda de alguém que nunca mais vai voltar? Sorrir? Para que sorrir se nunca mais ela estará junto a ele? Preferia estar morto e não se matou por que acreditava em Deus.

          O vento soprava uma leve e a brisa e a noite caia mansamente. Ele não sentia frio e nem calor, seu corpo embruteceu-se nas suas necessidades mais simples. Chorava e por dentro gritava para si que precisava esquecer se não ficaria louco. Os tempos das alegrias se fora. Há tempos não acampava mais com a tropa. Não tinha motivos mesmo porque parou de frequentar as reuniões. Seus Escoteiros o procuraram, mas só viam lágrimas nos seus olhos. Sentia-se bem acampando sozinho. Sem vozes, sem alguém com sua piedade que não o satisfazia. A dor vinha mais forte ele sabia, mas pelo menos a natureza poderia lhe trazer a calma que ele precisava. Durante o dia tentava fazer uma pioneiria para passar o tempo. Mesmo a fome não era tanta ele pouco ligava para ela. Pescara sim bons peixes que apodreceram na mesa rustica da cozinha que construiu. Ele gostava das noites sombrias. Nem ligava para a lua, para as estrelas e esquecera completamente o encanto do nascer e do por do sol.

                 Nunca esqueceu o dia quando a viu pela primeira vez. A chuva caia torrencial e ela brincava na chuva cantando e dançado com uma alegria tal que a encantou para sempre. Quem era ela? Não importava ele sabia que era assim do nada que surgia um grande amor. Ele sempre acreditou que os Escoteiros são fortes, sabem pular uma dificuldade e sabem sorrir. Quem sabe ele pensou que era um deles e nunca foi? Era sua reunião terminar e ele corria apressado a dar os avisos aos monitores e partia célere para encontrar-se com ela. Hã! Rosamaria... O nome de uma rosa, a rainha das flores e Maria mãe de Jesus que diziam ter uma beleza sem igual. Passeavam de mãos dadas, viviam sorrindo um para o outro, iam a mil lugares e ele nunca a tocou a não ser roçar seus lábios vermelhos molhados como o néctar perfumado. Ele gostava do cheiro dela. Gostava do seu modo de sorrir de olhar...

                      Seu casamento foi inesquecível. Para ele o melhor dia de sua vida. A escoteirada sorrindo, brincando com seus bastões sobre suas cabeças, cantando o Rataplã e palmas escoteiras repaginando as folhas do livro da história que nunca existiu. Quando ele e ela ficaram sós ele não sabia o que fazer. Ela estava linda em uma camisola branca como sua pele clara sorrindo envergonhada. Amaram-se sobre a proteção de Deus. Os dias mais felizes de sua vida. A escoteirada sentia sua força e sua nova forma de viver. Notaram que era um novo Chefe. As atividades eram feitas com tal alegria que todos vibravam querendo mais. Ninguém soube realmente o que aconteceu. Ela começou a definhar e morreu em poucos meses. O tempo parou no espaço infinito. Ninguém sabia o que dizer e mesmo as palavras do Velho Pároco, aquele que o batizou poderia imaginar o seu sofrimento.

                      Ele sabia que pensar em tirar sua vida seria um erro só porque perdeu alguém. – Meu filho sofrer pelos outros é caridade, sofrer voluntariamente por motivo próprio é egoísmo! Meu Deus, não deixe que ela morra, ele dizia. Mas ela estava morta. Ele se transformou em um zumbi a correr as ruas da sua cidade sem saber para onde ir. Naquele ultimo dia ele fez a fogueira como se fosse uma máquina que não pensava. Era seu ultimo dia, pois ele precisava voltar. Precisava trabalhar já que suas pequenas economias estavam no fim. As chamas subiram aos céus e juntas as fagulhas faziam seu espetáculo que para ele nada representava. Abaixou a cabeça e começou a chorar. Veio um soluço forte. Estava engasgado de emoção e dos seus sonhos que se foram. Um barulho de um galho quebrado lhe chamou a atenção. Em uma trilha que levava ao Lago Profundo ele viu se aproximado um Velho Escoteiro. Barbas brancas, cabelos brancos e trazia na mão uma forquilha e um tosco chapéu escoteiro. Ele olhou com espanto aquela figura que não era desconhecida. Ele sabia que o tinha visto em algum lugar.

            O Velho Escoteiro o saudou carinhosamente e sentou em sua frente em uma pequena tora que há anos estava ali. O Velho não disse nada apenas sorria, um sorriso cativante como se sua vida fosse a mais feliz do universo. O Velho Escoteiro olhou para o fogo que rejuvenesceu. As chamas subiram aos céus. Olhou para o céu e ele nunca viu um céu tão brilhante onde as estrelas no firmamento davam seu espetáculo sem cobrar. A lua saiu de trás das montanhas e uma brisa suave começou a roçar seu rosto trazendo o perfume daquela floresta encantada. Ninguém disse nada. Ele não sabia o que dizer. Começou a sentir uma paz que nunca sentiu antes. Frases começaram a pipocar em seu cérebro – Há uma espécie de conforto na autocondenação. Quando nos condenamos, pensamos que ninguém mais tem o direito de fazê-lo.

          Ele segurava-se em suas lembranças. Não queria esquecer-se delas. Rosamaria não podia ser esquecida. Agora ele sabia que a vida não é o ponto de partida e sim a caminhada. Caminhando e semeando, no fim terás o que colher. Lagrimas começaram a cair, mas diferente das lágrimas doidas de antes. O Velho Escoteiro estava em pé. Sorria para ele da mesma maneira que chegou. Foi até onde ele estava. Colocou a mão em sua fronte. Disse baixinho: Somos irmãos de sangue, tu e eu! Sorriu e partiu sem dizer adeus. Ele o viu andando sobre as águas do Lago Profundo até desaparecer nas sombras da noite. Nesta noite ele dormiu. Sonhou com ela. Ela sorria dizendo; Nosso amor é eterno. Está escrito nas estrelas completou. Ele acordou rejuvenescido. Sabia que nunca esqueceria Rosamaria. Sabia que muitas vidas se foram e outras estavam por vir. Iriam viver juntos por toda a eternidade.


             Naquela tarde ao chegar ao Grupo Escoteiro ninguém perguntou, ninguém tentou mudar a rotina que sempre tiveram. Ele se incorporou a ela. O mundo não para e todos nós seguimos o passo do mundo. Ele sabia que ia lembrar-se dela para sempre, mas como uma alegria diferente. Ao sair do portão para retornar a sua casa ele viu em uma esquina o Velho Escoteiro. Ele estava sorrindo e lhe fazendo o sinal Escoteiro. Ele retribuiu. O Velho Escoteiro partiu desaparecendo em nuvens no ar. Ele não perguntou quem era de onde veio e para onde ia. Ele só sabia que sua vida iria mudar para sempre!  

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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