domingo, 13 de setembro de 2015

Em algum lugar do passado.

Lendas Escoteiras.
Em algum lugar do passado.

                         Eu tive dois amores na vida. Amei quem não devia amar e amei por me sentir vibrar sendo um Escoteiro. Viver junto a amigos que me faziam feliz era muito bom. Ser Escoteiro sempre foi meu sonho, não aquele sonho que a brisa leva, e um dia volta com o vento. Era um escotismo gostoso, franco, amigo, sincero e leal. Mesmo com a adversidade por ela ter aparecido em minha vida nunca reclamei aos meus amigos, das noites gostosas e mal dormidas e das refeições enfumaçadas dos maravilhosos acampamentos. Poderia dizer que o escotismo foi mais que um sonho, nele eu era como o vento e podia voar, voei pelos campos, pelas montanhas, voei a noite pelas estrelas e vivi as maravilhas de cada lugar. Antes que ela aparecesse na minha vida, eu tinha outro amor, gostava de cantar. Diziam que eu tinha uma bela voz, e mesmo arranhando o velho violão que meu pai me presenteou eu conseguia nos fogos de conselho, nas noites maravilhosas de uma conversa ao pé do fogo, cantar para meus irmãos de patrulha, de outras patrulhas e eles adoravam.

                           Podia dizer que nos meus catorze anos eu tinha tudo que um jovem Escoteiro poderia ter. A felicidade de um pai e mãe queridos, uma escola onde todos me amavam, uma patrulha que nos considerávamos irmãos. Todos sorriam para mim e eu valorizava aquele sorriso. Não era o melhor, mas também não era o pior. Tudo na minha vida era só felicidade até o dia que ela apareceu. Impossível alguém sentir o que eu senti. Eu era apenas um Escoteiro de Primeira Classe no alto dos meus catorze anos. Dizem que meninos não amam, não sabem o que é uma paixão, não sente no corpo o calor de quem ama, não tem ainda mente formada para sonhar sonhos de amor. Foi em um sábado de reunião que apareceu. A primeira Escoteira da Patrulha Leão. Todos ficaram boquiabertos com seu sorriso, com sua voz, com sua beleza e sua maneira de jogar os cabelos compridos para trás e sorrir. Nossa primeira Escoteira e meu primeiro e único amor.

                    À noite na varanda da minha morada, não toquei no violão. Na varanda deitado na rede do meu pai eu olhava para o céu e pensava: Quem é você? Será alguém que nunca vi e que apareceu na minha vida assim do nada? Você que um dia levou meus sentimentos como se tudo o que tivesse guardado na vida fosse meus sábados Escoteiros e solitários depois que você chegou? Custei para dormir. Minha mãe lá pelas tantas quase me carregou no colo até meu quarto onde consegui dormir. – Escoteiros! – o Chefe dizia – Esta jovem é Lisabel, será a primeira Escoteira da tropa. Teremos muitas outras! Ninguém falou nada, só Josué que me cutucou e disse: - Sabe Richard, ela não trará a felicidade para ninguém. Josué era um visionário. Ela não ficou muito tempo. Três anos talvez? No primeiro ano eu fazia planos, planos incríveis de me apresentar. Apresentar como? Ela me conhecia, sabia meu nome, sorria para mim com aquele estilo maroto como a dizer que nem minha amizade lhe interessava.

                   Nos acampamentos eu não era mais o mesmo. Ajudava a patrulha sim, mas sempre a pensar e sonhar com ela. Sua voz era para mim um sonho, como se ela soubesse que cada palavra eu escrevia seu nome ao vento. Lisabel!  E meu pensamento queria encontrar seu olhar no ar, ver seus olhos da cor da noite perdidos no luar. Eu fiz uma canção para ela. Demorou. Fechava os olhos e pedia um favor à brisa da madrugada, leve tudo que for necessário, ando cansado sem saber o que dizer, eu preciso mudar e daqui para frente vou levar apenas o que couber no meu bolso e no meu coração. Na melodia eu pedia ao vento que varresse tudo para longe... Sentava-me no alto da montanha, pois eu sabia que lá ventava forte. Sábio é o mar que nas idas e vindas sabe ser imensidão.

                  Lisabel partiu do Grupo Escoteiro e da cidade. Foram quase cinco anos três no escotismo e dois olhando de longe sua janela da casa onde morava. Não me entreguei como um Escoteiro apaixonado. Minha vida continuou mesmo depois que fui feito gerente do Banco da cidade. Não casei e nem namorei. Só pensava nela. O escotismo que um dia completou as fases da minha vida já não era mais o mesmo. Não parti, não deixei para trás minhas raízes Escoteiras. Todas as noites pegava meu violão e na varanda do meu lar eu cantava a canção que fiz para ela. Eu ouvia o vento e ele me ouvia. Ela dançava no meu corpo, flutuava como uma pluma. Voava até o topo da árvore e quando batia o vento, caía novamente. Rotina de sempre, todos os dias o mesmo percurso. Eu me acostumei com a forma que o vento me consolava, dava vontade de voltar todos os dias, mesmo sabendo que meu destino era grama fresca.

                  O tempo e o vento. Palavras que fizeram sonhos e livros históricos, e que me fazia viver sem rumo sem pensar. Cada ano era uma lembrança. Parecia uma doença em minha mente. Ela tinha partido, nunca mais ia voltar e porque não esquecer? Trinta anos, quarenta, sessenta. Ainda no Grupo Escoteiro. Não casei, não amei mais ninguém. Agora amava o escotismo e ela onde estivesse. Na minha canção eu escrevi – Se não era para ficar, para que você apareceu na minha vida? Bobagem. Canção que não cantei para ninguém. Devia ter dito para ela mesmo de longe e sussurrando – Lisabel, você apareceu na vida, como amiga foi chegando, de mansinho ganhou minha confiança e logo ganhou o meu coração... Mas ela partiu para sempre.

                  A ideia não foi minha. Foi do Chefe Pascoal. Levar um pouco de amor e carinho em uma casa de repouso de idosos. Uma boa ideia eu achei, pois já me considerava um idoso. Quem sabe a melhor ideia que não foi minha. Meu Deus! Que surpresa! Ela estava lá. Acabrunhada, cabelos brancos, sorriso perdido no tempo. Não reconheceu ninguém. Nem se lembrou dos seus velhos tempos de Escoteira. Cheguei de mansinho. Acariciei seus cabelos, ela levantou os olhos sorriu e nada disse. Meu amor que nunca tinha esquecido agora estava ali na minha frente. Velha, alquebrada, doente. Mas eu só via a Lisabel do passado. – Perguntei na secretaria quem era responsável por ela. Ninguém disse a enfermeira. Tomei uma resolução, ia cuidar dela para toda a vida. Custou muito à papelada ser aprovada. Eu já cuidava de minha mãe acamada e agora tinha Lisabel para cuidar.


                      Ela as noites de luar sentava comigo na varanda e eu cantava para ela. De olhos fechados não sabia se ela entendia a canção, se a melodia entrava em sua mente ou se apenas sentia a brisa da noite e o vento passar. De vez em quando ela me olhava com seus olhos miúdos, deixava uma lágrima rolar pelo rosto, eu chorava por dentro e não parava de cantar: - “Quando você apareceu na minha vida, eu era apenas um alguém sem saber aonde ir, o tempo passou, e você tomou meu coração”. - Sei que um dia ela vai partir. Sei que um dia eu poderei ir também. Mas confesso que agora era feliz. Lisabel estava ali, junto a mim e mesmo sem dizer que me amava me fazia o Escoteiro mais feliz do mundo!  

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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