Lendas
Escoteiras.
Em algum
lugar do passado.
Eu tive dois amores
na vida. Amei quem não devia amar e amei por me sentir vibrar sendo um
Escoteiro. Viver junto a amigos que me faziam feliz era muito bom. Ser Escoteiro
sempre foi meu sonho, não aquele sonho que a brisa leva, e um dia volta com o
vento. Era um escotismo gostoso, franco, amigo, sincero e leal. Mesmo com a
adversidade por ela ter aparecido em minha vida nunca reclamei aos meus amigos,
das noites gostosas e mal dormidas e das refeições enfumaçadas dos maravilhosos
acampamentos. Poderia dizer que o escotismo foi mais que um sonho, nele eu era
como o vento e podia voar, voei pelos campos, pelas montanhas, voei a noite
pelas estrelas e vivi as maravilhas de cada lugar. Antes que ela aparecesse na
minha vida, eu tinha outro amor, gostava de cantar. Diziam que eu tinha uma
bela voz, e mesmo arranhando o velho violão que meu pai me presenteou eu
conseguia nos fogos de conselho, nas noites maravilhosas de uma conversa ao pé
do fogo, cantar para meus irmãos de patrulha, de outras patrulhas e eles
adoravam.
Podia dizer que nos meus catorze anos eu
tinha tudo que um jovem Escoteiro poderia ter. A felicidade de um pai e mãe
queridos, uma escola onde todos me amavam, uma patrulha que nos considerávamos
irmãos. Todos sorriam para mim e eu valorizava aquele sorriso. Não era o
melhor, mas também não era o pior. Tudo na minha vida era só felicidade até o
dia que ela apareceu. Impossível alguém sentir o que eu senti. Eu era apenas um
Escoteiro de Primeira Classe no alto dos meus catorze anos. Dizem que meninos
não amam, não sabem o que é uma paixão, não sente no corpo o calor de quem ama,
não tem ainda mente formada para sonhar sonhos de amor. Foi em um sábado de
reunião que apareceu. A primeira Escoteira da Patrulha Leão. Todos ficaram
boquiabertos com seu sorriso, com sua voz, com sua beleza e sua maneira de
jogar os cabelos compridos para trás e sorrir. Nossa primeira Escoteira e meu
primeiro e único amor.
À noite na varanda da minha morada, não
toquei no violão. Na varanda deitado na rede do meu pai eu olhava para o céu e
pensava: Quem é você? Será alguém que nunca vi e que apareceu na minha vida
assim do nada? Você que um dia levou meus sentimentos como se tudo o que
tivesse guardado na vida fosse meus sábados Escoteiros e solitários depois que
você chegou? Custei para dormir. Minha mãe lá pelas tantas quase me carregou no
colo até meu quarto onde consegui dormir. – Escoteiros! – o Chefe dizia – Esta
jovem é Lisabel, será a primeira Escoteira da tropa. Teremos muitas outras!
Ninguém falou nada, só Josué que me cutucou e disse: - Sabe Richard, ela não
trará a felicidade para ninguém. Josué era um visionário. Ela não ficou muito
tempo. Três anos talvez? No primeiro ano eu fazia planos, planos incríveis de
me apresentar. Apresentar como? Ela me conhecia, sabia meu nome, sorria para
mim com aquele estilo maroto como a dizer que nem minha amizade lhe
interessava.
Nos acampamentos eu não era mais o mesmo.
Ajudava a patrulha sim, mas sempre a pensar e sonhar com ela. Sua voz era para
mim um sonho, como se ela soubesse que cada palavra eu escrevia seu nome ao
vento. Lisabel! E meu pensamento queria
encontrar seu olhar no ar, ver seus olhos da cor da noite perdidos no luar. Eu
fiz uma canção para ela. Demorou. Fechava os olhos e pedia um favor à brisa da
madrugada, leve tudo que for necessário, ando cansado sem saber o que dizer, eu
preciso mudar e daqui para frente vou levar apenas o que couber no meu bolso e
no meu coração. Na melodia eu pedia ao vento que varresse tudo para longe...
Sentava-me no alto da montanha, pois eu sabia que lá ventava forte. Sábio é o
mar que nas idas e vindas sabe ser imensidão.
Lisabel partiu do Grupo Escoteiro e
da cidade. Foram quase cinco anos três no escotismo e dois olhando de longe sua
janela da casa onde morava. Não me entreguei como um Escoteiro apaixonado.
Minha vida continuou mesmo depois que fui feito gerente do Banco da cidade. Não
casei e nem namorei. Só pensava nela. O escotismo que um dia completou as fases
da minha vida já não era mais o mesmo. Não parti, não deixei para trás minhas
raízes Escoteiras. Todas as noites pegava meu violão e na varanda do meu lar eu
cantava a canção que fiz para ela. Eu ouvia o vento e ele me ouvia. Ela dançava
no meu corpo, flutuava como uma pluma. Voava até o topo da árvore e quando
batia o vento, caía novamente. Rotina de sempre, todos os dias o mesmo
percurso. Eu me acostumei com a forma que o vento me consolava, dava vontade de
voltar todos os dias, mesmo sabendo que meu destino era grama fresca.
O tempo e o vento. Palavras
que fizeram sonhos e livros históricos, e que me fazia viver sem rumo sem
pensar. Cada ano era uma lembrança. Parecia uma doença em minha mente. Ela
tinha partido, nunca mais ia voltar e porque não esquecer? Trinta anos,
quarenta, sessenta. Ainda no Grupo Escoteiro. Não casei, não amei mais ninguém.
Agora amava o escotismo e ela onde estivesse. Na minha canção eu escrevi – Se
não era para ficar, para que você apareceu na minha vida? Bobagem. Canção que
não cantei para ninguém. Devia ter dito para ela mesmo de longe e sussurrando –
Lisabel, você apareceu na vida, como amiga foi chegando, de mansinho ganhou
minha confiança e logo ganhou o meu coração... Mas ela partiu para sempre.
A ideia não foi minha. Foi do
Chefe Pascoal. Levar um pouco de amor e carinho em uma casa de repouso de
idosos. Uma boa ideia eu achei, pois já me considerava um idoso. Quem sabe a
melhor ideia que não foi minha. Meu Deus! Que surpresa! Ela estava lá.
Acabrunhada, cabelos brancos, sorriso perdido no tempo. Não reconheceu ninguém.
Nem se lembrou dos seus velhos tempos de Escoteira. Cheguei de mansinho.
Acariciei seus cabelos, ela levantou os olhos sorriu e nada disse. Meu amor que
nunca tinha esquecido agora estava ali na minha frente. Velha, alquebrada,
doente. Mas eu só via a Lisabel do passado. – Perguntei na secretaria quem era
responsável por ela. Ninguém disse a enfermeira. Tomei uma resolução, ia cuidar
dela para toda a vida. Custou muito à papelada ser aprovada. Eu já cuidava de
minha mãe acamada e agora tinha Lisabel para cuidar.
Ela as noites de luar
sentava comigo na varanda e eu cantava para ela. De olhos fechados não sabia se
ela entendia a canção, se a melodia entrava em sua mente ou se apenas sentia a
brisa da noite e o vento passar. De vez em quando ela me olhava com seus olhos
miúdos, deixava uma lágrima rolar pelo rosto, eu chorava por dentro e não
parava de cantar: - “Quando você apareceu na minha vida, eu era apenas um
alguém sem saber aonde ir, o tempo passou, e você tomou meu coração”. - Sei que
um dia ela vai partir. Sei que um dia eu poderei ir também. Mas confesso que
agora era feliz. Lisabel estava ali, junto a mim e mesmo sem dizer que me amava
me fazia o Escoteiro mais feliz do mundo!
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