Lendas Escoteiras.
“Tocata” – Heitor Villa-Lobos.
Maria Quitéria nos seus quinze
anos se apaixonou. Perdidamente. Sentiu as pernas tremerem, seu coração bateu
forte algum brotou na sua alma e seu pensamento marcou para sempre João Bento
como seu único amor. Lavava a roupa dela e de sua Avó no Açude Baité, bem no
centro do Sertão Central do Ceará no Maciço do Baturité. Levantou cedo,
pretendia ir até a vendinha do Seu Moscoso, comprar açúcar e sal e se desse
umas bolachas que ela adorava.
De cócoras próxima a bacia de alumínio ouviu um cantarolar diferente.
Nada que conhecia. Seu radinho de pilha só pegava a Estação do arraial de
Itapiúna e quando Zé do Prado tocava Luar do Sertão com Pena Branca e
Xavantinho ela fechava os olhos e sonhava um dia conhecer Fortaleza, suas
praias suas avenidas... “Juntos caminhemos a montanha altiva, juntos escalemos
o seu pico azul”! Que musica era essa? De onde vinha?
Levantou e viu ao longe uns
meninos junto a um homem vindo na estrada do Boi Galego. Parecia que iam em
direção ao Vale do Porema. Ficou cismada. Nunca viu ninguém ir para lá com
meninos. Foi então que ela olhou melhor e viu João Bento pela primeira vez. Meu
Deus! Era lindo demais. Cabelos grandes, escondidos por um chapéu de abas
largas, uma roupa caqui, uma meia comprida, calção curto e quando passou por
ela e deu um sorriso, Maria Quitéria achou que ia morrer!
Já virando a curva do Sarduá
Maria Quitéria largou o que fazia e foi atrás. Ela precisava, ela não ia deixar
seu amor partir assim. Eles pararam na nascente do Córrego das Dores e ela viu
quando João Bento tirou o chapéu e seus cabelos esvoaçaram com os ventos da
Lagoa, tirou o lenço à camisa e sorrindo e cantando ajudou os meninos a montar
barraca, fazer barro, cozinhar e tantas coisas que Maria Quitéria ficou
deslumbrada. Nunca viu coisa e tal, nunca!
Voltou para casa correndo
preocupada com sua Avó Cacilda. Passou da hora dela se alimentar. Pediu
desculpas, fez uma sopa de mingau de couve, um pedaço de pão feito no dia
anterior. Contou as novidades. Vó Cacilda apenas sorria. Nunca falava, mas
naquele dia disse: Quitéria, cuidado com seu coração, quando ele bater
esquisito é sinal que algo de bom ou ruim pode acontecer!
Escurecia e ela pé ante pé chegou bem perto
de onde eles estavam. Sentados em uma mesa de madeira que construíram, jantavam
e contavam causos. Foi lá que ela ouviu um menino chamar João Bento. Disse
Chefe João Bento. Amou o nome. Amou João apaixonou-se pelo Bento. Só foi embora
lá pelas tantas, depois do fogo que fizeram das canções do boa noite: - Boa
noite Touros! Boa noite Touros! Agora eu vou dormir! Lindo demais!
Ficaram três dias. Três dias que
Maria Quitéria se aboletou na pedra rala amando, olhando e vendo tudo que fazia
os escoteiros e o seu príncipe o Chefe João Bento. Tudo tem seu tempo, sua hora
seu lugar. Maria Quitéria viu quando partiram. Queria correr atrás, abraçar seu
amado, dizer que sem ele ela não poderia viver. Ao chegar na Estrada Asfaltada
rumo a Fortaleza, eles embarcaram em um ônibus e sumiram para sempre na estrada
do adeus.
Durante dias, meses e anos Maria
Quitéria chorou. Um dia parou de chorar e nunca mais sorriu. Fechou seu coração
e pedia a Deus que a levasse desse mundo. Sua Avó Cacilda morrera antes das
águas de março chegarem. As luas viraram no céu e a cada tantos dias apareciam
cantante com seu esplendor. Maria Quitéria envelheceu. Os cabelos
embranquecendo, olheira nos olhos pele gelatinosa. Nunca foi bonita e nem
catita para conquistar um novo amor.
Nunca esqueceu os dias e os anos que
amou João Bento. A ele entregou seu coração e mesmo vinte anos depois que
apareceu Luvercino na sua Mula Caçamba, ela mal deu um sorriso pela primeira
vez. Deu a ele água e um pouco do seu feijão com torresmo, mas seu amor seu
corpo e sua vontade ela não deu. Nunca soube o que eram escoteiros, nunca mais
viu uma barraca armada, mesa de tronco de pique em pé com eles em volta
cantando e sorrindo.
Nas noites escuras sem lua,
Maria Quitéria sentava na porta de sua choupana, de pau a pique, barro entre
bambus, sozinha cantava o que não entendia. Um dia ouviu e amou uma melodia de
um tal Villa-Lobos que Zé do Prado da Rádio de Itapiúna tocou. Demais. Zé do
Prado devia estar bêbado para tocar uma tal de Tocata, Trenzinho Caipira,
Bachianas Brasileiras número 5 de um tal Villa Lobos. Naquela noite Maria
Quitéria chorou... De saudades... Muitas de João Bento seu único amor...
Nota
– Ontem à noite, eu ouvia Villa-Lobos Bachianas Brasileiras, Número 2 – IV
Tocata – “O trenzinho do Caipira” e me veio na memoria uma história que um dia
ouvi nas margens do Rios das Velhas próximo a Barra do Guaçuí de uma mulher que
morrera por amor. Porque morrer de amor? Pego na pena, digito e escrevi esta
história. Não sei se vão gostar, eu como sempre embevecido com o que escrevi
amei!
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