sexta-feira, 8 de junho de 2018

Conversa ao pé do fogo. O segredo do Velho Marcondes Faxineiro.



Conversa ao pé do fogo.
O segredo do Velho Marcondes Faxineiro.

“NÃO JULGUEIS PARA NÃO SERDES JULGADOS. AQUELE QUE ESTIVER SEM PECADO QUE ATIRE A PRIMEIRA PEDRA”.

                 Não foi por vontade própria que pernoitei em Laranjal do Sul. Meu carro deu um defeito na parte elétrica e a placa indicava uma cidade de trinta mil habitantes convidando a todos que passavam a conhecer as belezas do lugar. Achei um mecânico eletricista palrador e dizia ser o melhor da redondeza. De fato em menos de duas horas o defeito desapareceu. Eram cinco da tarde. Ele me aconselhou a pernoitar ali na pensão de Dona Hermínia, pois ia ter um dos melhores jantares de minha vida e no dia seguinte partir para meu destino. Aceitei o conselho. Ao entrar na pensão vi na rua muitos jovens Escoteiros e perguntei a um deles onde iam. “Moço, hoje é dia de reunião”! E onde é a sede? Ele me mostrou bem no final da Avenida principal. Daria tempo. Tomei um belo banho, jantei como um rei e lá fui eu de uniforme caqui ao encontro dos Escoteiros. Eu era um deles e nada melhor do que dar a mão esquerda e um Sempre Alerta aos irmãos de ideal.

                  Como sempre fui muito bem recebido. Esta é uma das vantagens nos grupos escoteiros. Se você é um desconhecido, de outra cidade a recepção é digna de reis e rainhas em terras estranhas. Fui apresentado a todos. Chefes, assistentes, Akelá Balu e até diretores que vieram ao saber que eu estava ali. Todos falando ao mesmo tempo querendo saber notícias escoteiras da capital. Fui apresentado a Alcateia, a Tropa Escoteira e sênior além das meninas da tropa feminina e as guias. Eles não tinham pioneiros. Serviram-me café com deliciosos biscoitos de polvilho. São coisas de Escoteiros estas recepções. Durante mais de uma hora ficamos na sala da sede conversando, sempre chegando um pai ou outro, um dirigente ou outro, um politico e até mesmo o vice-prefeito vindo dar as boas vindas ao Chefe da capital. Sou um Escoteiro observador. Não deixo passar nada. Meu instinto de sempre alerta sempre está atento a tudo e a todos em minha volta.

                   Desde que cheguei vi um senhor miudinho, bem pequeno, com uns olhinhos azuis e um sorriso encantador. Vestia-se simplesmente, com uma camisa de algodão branca desbotada e um chapéu com furos e velho muito velho de Escoteiro na cabeça. Não me apresentaram. Esperei o momento oportuno e perguntei ao Chefe do Grupo quem era ele. – Ele Chefe? Ele não é ninguém. Vêm aqui todas as reuniões e faz a limpeza da sede, leva e trás recados quando necessário. É o nosso estafeta e faxineiro e nada mais que isto. – Não entendi perguntei – O Chefe ficou sem jeito e abriu o jogo – Olhe Chefe, não sei se o que vou lhe contar seria contra as normas, mas ele é um ex-presidiário. Há quase trinta e cinco anos atrás encontrou a esposa com outro homem. Sentiu sua honra ultrajada e matou o homem deixando a mulher viva. Se tivesse matado a mulher não ficaria tanto tempo na cadeia. Aqui não se prende ninguém por crime contra a honra. Foram 28 anos sem poder ir a nenhum lugar.

                 - Quando saiu voltou ao seu velho oficio de sapateiro. Por sinal é um profissional de altíssima qualidade. Procurou-me no grupo há dois anos. Disse que queria ajudar. Prestar serviço à comunidade. Conversei com a diretoria, com o delegado, com o Juiz de Direito e eles acharam que eu poderia deixá-lo ajudar, mas longe dos meninos. – Porque perguntei? Bem eles me disseram que passou muitos anos na cadeia e quem sabe ideias diferentes não podem aflorar e ele aprontar alguma? Eu não disse nada. Uma vez culpado, culpado pra sempre. Já tinha visto tantas coisas na vida que achei melhor calar. Mas não deixei de me levantar e ir até ele cumprimentá-lo. Precisam ver sua alegria quando pegou na minha mão. Seus olhos brilharam. Sempre esteve ali subserviente e muitas vezes humilhado e quando alguém como eu que achavam ser um Super chefão, um Velho lobo estava cumprimentando-o, ele foi às nuvens. Quase chorou.

                  No dia seguinte levantei cedo, queria colocar o pé na estrada o quanto antes. Tinha de chegar a Rio das Flores antes do meio dia. Compromisso inadiável. Ele estava na porta da pensão me esperando. Deu um belo sorriso e me presenteou com um belo forro de mesa, de linho branco e bordado nas pontas e no meio uma enorme flor de lis dourada. Trabalho de mestre. – Amigo, eu não mereço tão bela comenda! Disse. Ele sorriu e disse que eu era o primeiro que lhe apertara a mão no Grupo Escoteiro. Pensei com meus botões e falei – E se não o cumprimentam e não o querem lá porque ajuda? – Ele me olhou com aqueles olhos azuis miúdos e disse – Uma vez Chefe, uma jovem guia no grupo me disse que devia fazer sempre o que tive medo de fazer. Encarar sem ódio, ajudar sem esperar recompensas. Ela me falou de uma maneira tão simples que vim aqui e comecei a ajudar. No inicio limpava o campo de atividades varria em volta da sede e depois me deixaram entrar. Hoje lavo tudo, costuro barracas, com o couro que tenho na sapataria faço totens de patrulha e não faço mais porque não deixam.

            Fui embora com lágrimas nos olhos. Não ia interferir na vida daquele grupo Escoteiro. Lembrei-me de Paulo Coelho que escreveu certa vez – “Quem tentar possuir uma flor, verá sua beleza murchando”. Mas quem apenas olhar uma flor no campo, permanecerá para sempre com ela. Você nunca será minha e por isso terei você para sempre. Nunca mais voltei a Laranjal do Sul. Aonde vou sempre aprendo e tomo lições de vida. Lá aprendi com um presidiário como fazer o bem sem olhar a quem. Dizem que as mais lindas palavras de amor são ditas no silêncio de um olhar. Percorremos dia a dia uma trilha e se não deixarmos marcas do bem ninguém poderá aprender conosco quando nos seguirem. Um ex-presidiário ensinou-me muito mais que muitos grandes Líderes Escoteiros. Ensinou-me que a palavra servir é para quem tem amor no coração, para quem não espera recompensas e se sente pago com um sorriso. Como disse Machado de Assis, há pessoas que choram por saber que as rosas têm espinho, Há outras que sorriem por saber que os espinhos têm rosas!

“Não julgueis, pois, para não serdes julgados; porque com o juízo que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes vos medirão também a vós”. - Mateus, VII: 1-2.



Dar as mãos sem olhar a quem? Você escolhe qual mão vai apertar? Não julgueis para não ser julgado, abra o seu coração e saiba perdoar. Palavras lindas que nós e Escoteiros deveríamos ter sempre na mente. Como dizia Sartre, viver é isso: Ficar se equilibrando o tempo todo, entre escolhas e consequências.

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