Histórias em
volta da fogueira.
Amargo
Pesadelo.
Dei a volta por trás do Morro
do Cachimbo. Uma volta enorme, mas não queria ser visto. Não deixaria Zé Tadeu
partir no trem rápido do meio dia sozinho. Não importa o que pensariam de mim,
mas até hoje eu nunca acreditei na Policia que disse ser ele o culpado do roubo
na casa do Senhor Pedrão gerente da Caixa Econômica. Dona Norma a vizinha jurou
por todos os santos que o viu entrar pela porta da cozinha antes do meio dia.
– Capitão Cirilo o Delegado
comentou com o Chefe João Soldado que as provas eram muitas. Não havia como não
enquadrar Zé Tadeu. Disse que ouve outros casos, mas ele não tinha provas. Que
casos? Eu nunca ouvi falar de nenhum. A Corte de Honra não acreditava e não
queria condenar o Escoteiro mais querido da patrulha Quati.
Nunca eu vi tão baixo astral
na Tropa Escoteira. Todos tinham Zé Tadeu como um dos melhores escoteiros que
passaram pela Tropa e tinham por ele uma enorme admiração, não só pela sua
cortesia, sua lealdade, mas também porque ninguém ficava triste quando ele
estava por perto. Zé Tadeu foi criado pela sua Avó Dona Anastácia, uma senhora
de um coração de ouro. Quando a patrulha ou mesmo outros escoteiros da Tropa
iam lá, ela não deixava de oferecer biscoitos de polvilho, brevidade e sempre a
fritar deliciosos bolinhos de chuva.
Ela vivia de uma pensão do
marido falecido e nunca deixou faltar nada para Zé Tadeu. Diziam a boca pequena
que ele era o melhor engraxate da cidade. Eu sei que com o fruto de seu
trabalho ajudou Tonho Morato a comprar seu uniforme. Doou um cantil usado para
o Pascoal Lacerda. Se fosse anotar um caderno não daria para escrever todo bem
que ele praticava na tropa.
Perdi a conta de quantas vezes
ele levou biscoito, banana, laranja e chegou ao ponto de comprar uma maçã fruta
cara na época, sonho do Cirilo que não podia comprar. Cirilo desde que nasceu
tinha uma perna boa e outra encurtada dificultava seu andar. E nos acampamentos? Era de uma bondade
tremenda. Era um especialista em arrumar a tralha na carretinha e sempre
presente para empurrar cantando suas canções escoteiras.
Dava gosto vê-lo na ponta do
cabeçote de madeira onde o peso era maior. Um amigão no trabalho de montagem de
campo, e quando terminava saia para os outros campos de Patrulha para ajudar.
Fazia lindas fossas de líquidos e detritos. O Cozinheiro Tomaz tinha por ele
enorme estima. Não deixava faltar água, lenha e sempre quando entrava na mata
lá vinha ele com um mamão papaia do mato, ovos de codorna, taioba da beira da
lagoa e frutas que ninguém conhecia.
Ele não esperou o julgamento da
Corte de Honra. Agradeceu a todos pela confiança após ter sido solto por
insistência do Chefe João Soldado. A dúvida grassava em todos os escoteiros. Sua
Avó desacreditou dos escoteiros e dos vizinhos. Resolveu voltar para as terras
que tinha no Piauí. Uma dor doida em muito de nós com esta partida. Ninguém
combinou nada, até mesmo demonstraram que se ele quisesse partir que fosse, mas
ninguém iria à estação dar adeus.
Cheguei lá ressabiado. Fui de
uniforme. Seria minha homenagem a ele para dizer que seriamos amigos para
sempre não importa onde ele estivesse. – Me disse ao pé do ouvido: - Vado
Escoteiro, só entre nós sem comentar com ninguém. Fique de olho no Messias. –
Por quê? Perguntei. – Por nada. Mas ele na Tropa pode aprontar para vocês um
dia.
Em cada canto da estação
chegava um escoteiro. A plataforma ficou cheia. Toda a tropa estava lá. Para
surpresa chegou o Chefe João Soldado. – Zé Tadeu chorou como criança. Abraços,
apertos de mão, sempre alerta e ele partiu chorando dando adeus através da
janela do vagão de segunda classe. Fiquei matutando porque só agora ele me
falou do Messias.
Aos poucos fui ajuntando fio
por fio da meada. Era um sumiço aqui outro ali e quando Zé Tadeu foi acusado
ninguém acreditou que fosse ele. Não deu outra. Outro roubo aconteceu na casa
do seu Modesto, vereador e dono da loja de roupas Torquato. Outro roubo na casa
do presidente do Rotary Club. De novo dona norma acusou Zé Tadeu. – Mas como? Não
tinha dois meses que ele havia partido?
Ela levou o delegado ao grupo e
apontou o Messias da Patrulha Javali. – Mas a Senhora não disse que era o Zé
Tadeu? – Seu delegado, este é o Zé Tadeu! – Messias saiu do grupo, a Tropa se
reuniu para escrever uma carta em nome de todos ao Zé Tadeu contando a verdade
acontecida. Ninguém nunca mais soube dele. Fazia uma enorme falta. Enfim a vida
continua.
Culpados ou inocentes quem sou
eu para julgar? De uma coisa eu tenho certeza, é preciso que a justiça aconteça
no momento certo, porque de nada adianta ela se fazer depois que o tempo
estancou a dor e fechou a ferida.
Nota
- “Não julguem, e vocês não serão julgados; não condenem, e não serão
condenados; perdoem, e serão perdoados”. Deem, e será dado a vocês; colocarão
nos braços de vocês uma boa medida, calcada, sacudida, transbordante. “Porque a
mesma medida que vocês usarem para os outros, será usada para vocês”. -
Somente um conto, uma história. São meus convidados!
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