Crônicas de
um Velho Chefe Escoteiro.
“Tarde demais
para esquecer”.
Uma janela no
meu trem para lembrar.
Os ponteiros do
Relógio atravessaram pausadamente o dia. A tarde chegou e se foi. Há noite vem
chegando. Olho pela janela ainda com o sol tentando se sobrepor entre as
nuvens. Ainda repouso quieto de olhos abertos em minha cama tentando recuperar
as forças que havia perdido nestes últimos dias. São coisas de velhos
principalmente os escoteiros que ainda acreditam estar subindo em uma montanha
como se fosse aquele jovem menino de outrora. Roda vida a procurar um ponto
qualquer no passado para ver tem algum importante para relembrar. Fechei os
olhos devagar, uma música suave veio ao meu encontro. Que música era aquela?
Lembrei-me de Cary Grant no seu papel de playboy mulherengo e Deborah Kerr uma
ex-cantora que viajando em um cruzeiro para a Europa, se conhecem.
Apaixonam-se. Mas precisam dar novo rumo as suas vidas e combinam encontrar
seis meses após no alto do Edifício Empire State. Se ambos aparecerem o amor é
verdadeiro e se casarão. “Tarde demais para esquecer”!
Não resisto às
lembranças. Não tive um amor tão grande assim em minha vida. O que tive até
hoje estamos juntos e felizes. “Affair To Remember” me marcou muito. A música
foi entrando em meu ser. Dominando-me, me senti tonto, inebriado. O piano
deslizava em minha mente tal qual um por do sol na Montanha da Lua onde tantas
vezes acampei. Viajei no tempo. Na fila do Cinema Palácios, de braços dados com
a Célia. Íamos assistir finalmente “Tarde demais para esquecer”. Não sabia o
que íamos ver, não fazia ideia. Sou emotivo demais. Quando no final ele não a
encontrou no Empire State chorei. Ainda não fazia ideia porque ela não foi. Um
trágico acidente deixando-a paraplégica a impede de ir ao encontro. Ela toma um
rumo emocionante e incerto. Saí do cinema perdido em conjecturas e nenhuma me
agradava. Não seria eu o Leo McCarey o diretor para mudar tudo no final. Eu era
apenas um Escoteiro, emotivo, noivo, amante de sua linda e futura esposa e que
vivia a sorrir e cantar na natureza.
Agora me vejo sentando
em uma poltrona viajando no meu trem do passado. A janela aberta, a fumaça
volta e meia entra no vagão de primeira classe. Não reclamo. Adoro amo esta
fumaça que até hoje me faz uma falta enorme. Ajeito o travesseiro para aceitar
melhor. Minha cabeça fica zonza, pensando e pensando. Meus olhos se firmam na
paisagem que o trem vai me mostrando em cada curva que faz. Um pontilhão me
assusta. Sorrio. Pego de surpresa. Quantos pontilhões passei na minha infância?
Correndo com medo de o trem chegar... Ah! A janela não para de me mostrar um
passado, mas a música o piano gostoso, a melodia do filme que me marcou entra
em meus poros. No final da passagem do túnel do Corcel perto de Derribadinha
vejo-me ali, em pé, segurando meu cavalo de aço junto aos meus outros cinco
companheiros. Esperando o trem passar para adentrar no túnel desconhecido.
O piano cessa. A
melodia fica a parafusar minha mente. Preciso ouvi-la novamente. You tube? Sim!
Vou lá. Ela volta agora e me refastelo na cama, minha cabeça repousa no
travesseiro e minha mente de novo viaja naquele trem que me leva ao passado.
Lembrei-me de Gilwell. Por quê? Afinal
“Na Affair To Remember” não tem nada do escotismo que amo. Quem sabe será
porque me sinto Velho e fraco e preciso voltar? Voltar onde? Em Gilwell, no
tempo? Assistir novamente o filme da minha vida? Minha mente embaralha. Já nem
sei mais o que pensar. Volto novamente ao meu trem. Minha janela. A fumaça
branca entrando. Meu paletó branco era macio como leite em calda. O trem vai
diminuindo sua marcha. Entra na estação e vejo em algum canto da estrada a
garotada correndo sem parar jogando uma pelada com bola de pano. Alguém grita:
- Amendoim torradinho, doce de leite e cocadas! Comprem é barato!
O trem já vai partir.
– Alguém diz com voz chorosa: - Não quer ir comigo? Ela responde chorando...
Desculpe sou feliz aqui! Um grande amor interrompido? Minha mente volta ao
Empire State. E ela? Mesmo em uma cadeira de rodas ainda pensa em casar com
ele? Não sei. Não quero contar. Filmes são assim, trilhas sonoras inolvidáveis.
Um piano tocante quem sabe na Floresta do Tenente, lá muito longe onde acampei.
Alguém toca baixinho para mim “Na Affair To Remember”. Sento-me na porta da
barraca. Uma noite linda, o céu salpicado de brilhantes estrelas. Cai uma brisa
vinda da Lagoa dos Peixes dourados. Tudo é encantamento. Noite romântica mágica
repleta de felicidade. Fecho os olhos, minha viagem vai chegando ao fim.
Levanto-me meio tonto da minha cama. Olho pela janela, daqui a pouco vai chegar
à madrugada. No meu trem ouço alguém dizer na estação final: - Muito obrigado
meu jovem cavalheiro e escoteiro, muito obrigado por esta bela viagem. Desço do
trem. Vejo-me fardado, na mão o meu chapéu de abas largas. É noite alta,
lágrimas em meus olhos mostram que ainda penso no grande amor de Deborah Kerr e
Cary Grant.
Nota – Apenas uma
lembrança. Não é um conto e nem uma história. Nostalgia saudades que chegaram
em um dia difícil de passar por ele. Os mais velhos irão lembrar-se do filme os
mais novos poderão um dia conhecer um amor impossível de acontecer. “Tarde
demais para esquecer” bateu forte em mim. Afinal sempre fui emotivo com
histórias de grandes amores. Os poetas tem suas escolhas para definir a
passagem de um grande amor em cada vida. Dizem eles que há sempre alguma
loucura no amor. Mas a sempre um pouco de razão na loucura! Tenham uma
excelente noite!
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