Contos de Fogo de
Conselho.
Como é difícil
dizer adeus!
A tarde chegou e já partiu. A noite agora é minha companheira
inseparável. Aqui sentado em minha varanda me lembrei dele. Porque não sei.
Chamava-se Antônio Trevisan, mas o apelido dele era Bocalarga. Nunca soube o
porquê do apelido, pois ele não tinha uma boca grande. Quem pôs o apelido nele
saiu do grupo e foi embora da cidade. Era uma espécie de norma ter um apelido.
Chamavam-me de Vado, Pescoço ou Valente. Valente eu nunca fui, pois o medo
sempre foi meu companheiro por toda a minha vida. Ele sempre chegava à sede
sorrindo. Que belo sorriso. Era olhar para ele e a gente se sentia bem e logo
estava sorrindo como ele. Um bálsamo para a tropa.
Nos fogos de conselho bastava ele olhar para todos e sorrir e logo a
tropa estava gargalhando. Ninguém nunca o viu triste. Seu rosto não
demonstrava. Se precisasse de alguém que fazia questão do oitavo artigo da lei,
Bocalarga seria ele. Um dia ele me contou que seu rosto era assim desde que
nasceu, mas ele chorava e sofria muito com isto. Não dava para mudar sua
expressão.
Lembro que um dia me
procurou sorrindo. Mas quando falou seus olhos encheram-se de lagrimas. -
Monitor, ele dizia. Meu pai foi preso. Dizem que ele era assassino, matava por
dinheiro. Eu nunca soube disto Monitor. O que eu vou fazer de minha vida? Seus
olhos vermelhos e seu sorriso era um contraste por aquela dor que ele sentia. O
pai dele foi condenado a dezenove anos de prisão. Bocalarga continuou no Grupo
Escoteiro. Não havia motivo para afastá-lo. Éramos um grupo de amigos e irmãos.
O que aconteciam de ruim com os parentes para nós não tinha valor. O lema de um
por todos e todos por um para nós era questão de honra.
Lembro-me quando fomos
acampar na Pedra do Mosquito. Bocalarga era da patrulha touro e eu da Raposa.
Como era uma subida íngreme sempre amarrávamos um cabo em uma corda comprida
para segurar quem escorregasse e não caísse no despenhadeiro. Bocalarga não
amarrou bem o cabo. Escorregou e caiu de uma altura de mais de quarenta metros.
Não foi em queda livre. Foi batendo o corpo nos arbusto até que se estatelou no
fundo.
Todos correram para ajudar. A corda serviu para chegar até ele. Ele
gemia de dor, mas sua face sorria. Que coisa gente. Que coisa! Fizemos um Balso
pelo Seio e ele foi içado. Mais dores ele sentiu e sorria. Levado ao hospital
teve fratura exposta no joelho e em uma costela. Época que não sabíamos ainda como
carregar feridos nestes casos. Eu mesmo o levei nas costas por um quilometro
até a Fazenda do seu Damião. Usou muleta por muitos anos. Sempre sorrindo.
Sua mãe era costureira e resolveu ir embora para Monte Azul. Tinha lá
uma tia e duas sobrinhas. Boca Larga não queria ir, mas ficar com quem? Na
estação esperando o trem rápido da manhã, eu, Bocalarga e uma dezena de
Escoteiros, calados não sabíamos o que dizer. Uma tristeza geral e Bocalarga
sorrindo. Penso que ele dizia para si – Maldito sorriso. Meu coração sangra,
não quero ir e não posso ficar aqui! Todos chorando e eu a sorrir?
O trem chegou de mansinho. Na plataforma fizemos um circulo. Cantamos
para ele a Canção da Despedida. Todos chorando e Bocalarga sorrindo. Queríamos
dizer que não era mais que um até logo. Um dia certamente tornaríamos a nos
ver. O trem partiu. Ele na janela sorrindo. Vi em seus olhos as lagrimas
caírem. Ficamos parados na plataforma até que o trem sumiu na curva do Boi
Marinho. Voltamos tristes para casa. É muito difícil dizer adeus a quem está
sorrindo, mas que sabemos estar chorando.
Oito anos depois o vi em Caratinga. Falamos por pouco tempo. Ele estava
com alguns cavaleiros e pensei que trabalhava de vaqueiro em alguma fazenda
próxima. Ele balançou a mão dizendo adeus com o sorriso de sempre, eu fiz o
mesmo. Nunca mais o vi, mas guardei dentro de mim o seu sorriso de fel. Um
sorriso que não era dele. Ninguém nunca soube que ele chorava ninguém. Quem ia
acreditar? É, é mesmo difícil dizer adeus a quem está sofrendo.
Nota - Enquanto estava a escrever estas pequenas
memórias me lembrei de uma frase: -... Se meus
olhos mostrassem a minha alma, todos, ao me verem sorrir, chorariam comigo...
''.
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