Lendas
Escoteiras.
A dor de uma
saudade.
Nunca tive preferencias. Era um Chefe que
dificilmente dizia: Este é meu Escoteiro, este é meu monitor. Se todos fossem
iguais a Pedro quem sabe João seria melhor. Mano Velho um negro de idade indefinida
que conheci próximo de Crenaque tinha tal sabedoria que sempre que podia pegava
o trem e ia até a casa dele, uma tapera de folha de bananeira e paredes de
barro sobre bambus chineses. Sentado em um banquinho na porta de sua casinha e
sempre pitando um cigarrinho de palha sorria mostrando que a maioria dos seus
dentes já tinham partido desta para melhor.
Foi ele quem um dia me
disse: Vado Escoteiro quem mais precisa de ajuda não é o bom o disciplinado o
feliz, é aquele que ainda não recebeu amor, não sabe ajudar o próximo e nem
sabe fazer o bem. Este precisa de sua ajuda independente de quem seja. Um dia
quem pode precisar da ajuda dele é você. Eu amava aquele Velho que nunca foi
Escoteiro, mas tinha o escotismo no coração.
Mas não era só eu. Todo
Grupo Escoteiro tinha um carinho especial por Maria Julia. Meninota dos seus
treze anos apareceu um dia com uma velhinha de cabelos brancos andando com
dificuldade amparada por uma bengala feita a mão de pau de aroeira. - Chefe eu
vim aqui para ser uma escoteira, trouxe minha Avó Doinha, pois minha mãe já foi
para o céu. Falou com tanta simplicidade que mesmo não tendo vagas no momento
aceitei sem pestanejar.
Ela aos poucos conquistou o
coração de todos. Nunca há vi franzir o cenho, reclamar, pedir ajuda ou até
mesmo falar rispidamente. A Patrulha Javali tinha seis Escoteiras. Sorriram
quando ela chegou. Confesso que minha experiência não é pouca e sabia que
poucos escoteiros poderiam me surpreender na sede ou em acampamentos. Já tinha
visto de tudo o bastante para resolver qualquer problema que surgisse.
Acreditei que era forte e um super Chefe até que tudo aconteceu.
Josélia Leal, monitora veio
correndo me chamar. – Chefe o Senhor não vai acreditar, venha comigo. Ela pegou
na minha mão e me levou próximo ao riacho onde Maria Julia sentada acariciava
um Lobo Guará que lambia sua mão. Quando sentiu nossa presença o lobo fugiu
embrenhando-se na mata. Era comum no cerimonial de bandeira passarinhos voarem
sobre ela ou mesmo pousar em seus ombros. Ele me olhava com tanta meiguice como
a pedir desculpas por eles.
Não ficou muito tempo na Tropa
e logo passou para as Guias que tinham por ela um ressentimento por seu estilo
religioso e agindo como se fosse diferente das demais. Não era verdade. Ela
nunca foi assim. Eu sabia que era dar tempo ao tempo e logo todas tornariam
suas amigas. É aquele Velho ditado que não devemos julgar ninguém pelas
aparências, mas sim pelo seu coração.
Foram quase três anos de
convivência. Em dezembro quando íamos fazer a festa de encerramento e em férias
ela me procurou: - Chefe não gosto de férias. Sempre sinto muita falta do
escotismo. Sei que é necessário, mas eu queria aproveitar mais, não sei quanto
tempo terei para ser feliz nesta fraternidade que amo. – Tentei dizer algumas
palavras de entusiasmo, esperança, mas não consegui. Despediu-se de um por um. Deste
o mais simples lobo ao Pai que na sede ajudava nas lides de escritório. Ela se
aproximou de mim e me deu um abraço. Ela transmitia o amor sincero tão grande
que me passava seu eu espiritual e eu nem sabia o que pensar.
Um mês depois voltamos às reuniões
Escoteiras e naquele dia de retorno onde os cumprimentos e abraços não vi Maria
Julia. Procurei a Chefe Renata perguntando. – Chefe o senhor não soube? Ela foi
visitar uma tia em Verdes Mares. Sua Avó e ela pegaram uma carona com Zezito
que bêbado caiu em uma ribanceira. Morreram todos! – Impossível! Eu não queria
acreditar. – Chefe porque não me contaram? – Ela respondeu que não sabia. O
acidente foi próximo à cidade de Verdes Mares e o veiculo acidentado só foi
descoberto semana retrasada, quase um mês depois!
Fui para casa sem saber o que fazer. Meu
coração batia e eu pensava em maldizer os santos a Deus e a humanidade. Uma
jovem como ela não podia ter este final trágico. Fui até onde ela faleceu e
sentado em um barranco olhava o carro todo carcomido e amassado. Comecei a
chorar.
De olhos abertos eu vi uma nuvem
no céu parecendo uma estrada cheia de flores e pássaros das mais diversas
cores. Ela apareceu do nada e olhando para mim sorria dizendo baixinho como se
só eu pudesse escutar: - Chefe não fique triste, o senhor deve viver sabendo que vai morrer um dia, e antes que isto aconteça não
se esqueça de suas boas ações, ajude a quem precisa. Não despeça da vida como quem
não soube viver direito. Tudo tem seu apogeu e seu declínio... É natural que
seja assim. Todavia, quando tudo parece convergir para o que supomos o nada,
eis que a vida ressurge triunfante e bela!... Novas folhas, novas flores, na
infinita benção do recomeço! Eu chorava e soluçava. Um homem crescido, vivido e
agora me portava como alguém que revoltado não sabia compreender. Senti sua mão
em minha fronte. Rezei. Pedi a Deus por ela e pedi perdão. Eu agora entendia
que a vida é construída nos sonhos e concretizada no amor!
Isto aconteceu há muito
tempo. Aprendi muito com a filosofia escoteira. Agora eu sei que a árvore
aceitou os desígnios da vida que lhe pediam serviço. Mas, quando se acreditou
definitivamente despojada, notou que a divina providência a revestiu de folhas
e flores novas, ao toque da primavera.
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