Lendas
Escoteiras
A
felicidade não se compra.
Gino era um jovem
humilde. Seu pai carpinteiro infelizmente tinha o hábito de beber. Passava
semanas sem ingerir bebidas, mas quando bebia costumava ficar pelas calçadas
jogado como um cão sem dono. Sua mãe ao contrário fazia questão de ensinar a Gino
ser bom e ser honesto. Ele não tinha nada de extraordinário e nunca pensou o
pior para seu pai. Sentia-se feliz com a vida que tinha. Gino era escoteiro da
patrulha Corvo. Bom escoteiro por sinal e fazia questão de fazer suas boas
ações diariamente. Na sua patrulha era amado por todos e bem considerado. Gino
adorava ser escoteiro. Não era fácil. Sua família muito pobre. O Grupo
Escoteiro não cobrava dele a mensalidade e as taxas extras das atividades ao ar
livre. Mesmo trabalhando de sol a sol o pai de Gino não ganhava muito.
Ultimamente começou um velho hábito de chegar em casa e ia para o quarto. Isso
entristecia muito a Gino. Eles quase não conversavam mais.
Gino evitava contar que
seu pai bebia. Isto o entristecia muito. Um dia ele apareceu durante a ortoga
de um Lis de Ouro a um monitor da patrulha Cão. Achou que era Gino quem iria
receber. Estava bêbado, quase caindo e Gino não sabia onde se esconder. Seu pai
não deu vexame, mas o Chefe da Tropa notou e olhou de maneira embaraçosa para
Gino. Naquele dia Gino quase morreu de vergonha. Foi o Chefe quem falou sobre o
ARP da região. Quem vai? Perguntou! A taxa era alta. Gino sabia que nunca
poderia ir. Não podia pagar. Gino tinha uma vantagem, sorria quando via seus
amigos partindo e chegando. Ele aprendeu que a felicidade é ver os outros
felizes. E ele? Não tinha este direito? Tristeza na alma e sorriso nos lábios
quando eles contavam maravilhas do acampamento. Tudo estava mudando nele. Agora
só tristeza por ser pobre. Sempre via uma lágrima caindo e mesmo tentando
evitar não conseguia. Tudo que lá aconteceu e os amigos contavam Gino ouvia
calado. Ah! Pensava. Meu dia chegará. Ele sonhava com isto. Gino era excelente
nas técnicas Escoteiras e todos seus amigos o admiravam. Seu Monitor prometeu
que ia fazer dele um Lis de Ouro. No entanto ele tinha outro sonho. Participar
de um Jamboree.
Soube de um que estava programado para daí a dois anos.
Pensou se poderia ir. Um Jamboree Nacional? Incrível! Uma apoteose! O Máximo
que ele podia pensar. Milhares de escoteiros e escoteiras. Ele jurou a si
próprio que não iria perder essa. Tinha tempo. Iria realizar seu sonho. Afinal
ele era um escoteiro e tinha esse direito. Falou com seu pai, sua mãe e eles
balançaram a cabeça. Não disseram nada, sabiam de suas condições financeiras.
Gino tinha um plano. Ele ia conseguir. Começou a economizar. Tinha já em seu
pequeno cofre mais de trinta reais. Precisaria pelos seus cálculos de uns mil
reais. Ele não achava impossível conseguir. Lutou com unhas e dentes, dia a dia para juntar um
dinheiro lavando carros, limpando quintais e fazendo tudo que os vizinhos
pediam. O tempo passou. Faltavam seis meses para a partida ao Jamboree. Gino já
economizara mais de setecentos reais. Dava para a taxa, agora era juntar para a
viagem e alimentação. A patrulha batia palmas ao saber que ele ia desta vez.
Gino
olhava seu uniforme. Antigo. Muitas lavadas algumas partes desbotando. Não dava
para fazer outro. Ia com ele mesmo. Tinha tudo. Economizara desde que entrou
para a tropa. Seu chapéu de abas largas, sua faca, sua bússola e seu cantil.
Ele iria se apresentar garboso, não ia envergonhar ninguém. Na semana seguinte,
o chefe iria recolher a taxa de cada um para fazer a inscrição. Quando acabou a
reunião, Gino foi com alguns amigos ate a quadra onde dois times de basquete
estavam disputando um campeonato. Viu seu pai chegando. Assustou. Outra vez
pensou? Já havia meses que ele não bebia. Tinha prometido parar. Mas não era o
que pensava, não estava bêbado. Seu pai o procurava. Sua mãe estava muito mal
no pronto socorro. O médico tinha dado uma receita enorme. Na farmácia do posto
de saúde não tinha nada. Sabia do sacrifício que ele tinha feito para conseguir
a quantia da viagem. Só Gino poderia salvar sua mãe. O mundo de Gino caiu sobre
ele. Ele amava sua mãe. Não iria negar nunca. Foi com o pai e deu toda sua
economia. Oitocentos reais. Seu sonho acabou. Jamboree, adeus! Gino não chorou,
mas por dentro sentia que não merecia viver. Sonho? Ele sabia também que sua
mãe valia muito mais que um sonho.
Durante
cinco dias sua mãe ficou entre a vida e a morte. Um dia ela sorriu. Melhorou e
voltou para casa. O sorriso de sua mãe foi um balsamo para a tristeza dele.
Tentava esquecer o Jamboree. Tinha de esquecer. Agora era esperar eles voltarem
e contarem como foi. No sábado, a reunião foi interrompida para que o Diretor
Técnico explicasse tudo sobre o jamboree e receber a taxa de cada um. Gino
ficou calado quando o chamaram. O chefe insistiu. Chefe eu não vou mais! Ele
disse. Por quê? Não juntou o dinheiro? Chefe prefiro não dizer. Chorou por
dentro quando não disse a verdade. Sua garganta estava engasgada. Não saía voz.
Gino
foi para casa pensando como a vida era ingrata. Claro, aceitava. Afinal entre a
vida de sua mãe e o Jamboree ele ficava com sua mãe. Mas estava amargurado. Queria
chorar e não podia. Não ia resolver nada. Sonhou tanto com esse Jamboree e o sonho
morreu. Chegou a casa e tentou sorrir para sua mãe e seu pai. Um sorriso
amargo. Tentou fingir, não deu. Foi para seu quarto e chorou. Chorou muito. As
lágrimas não paravam de cair. Sua mãe desconfiou e foi até lá. O abraçou e
chorou com ele. O dia amanheceu. Um lindo sol no horizonte. Os pássaros
cantavam nas árvores próximas. Uma brisa gostosa refrescava aquela manhã. Era
sábado. Dia em que todos iriam partir para o Jamboree. Gino ficou na janela.
Tentando ver o ônibus passar. Estava taciturno, calado, mudo. Não chorava mais.
Não adiantava. Deus dizia dai-me força. Vai ser difícil sair dessa fossa! Gino
foi para o quintal. Tinha uma mangueira frondosa onde ele ficava. Dormiu
encostado ao seu tronco.
Sonhou com anjos e
um Velho de barbas brancas a dizer que iria conseguir. Acordou assustado. O
ônibus buzinou na frente de sua casa. Ele viu seu Chefe seu pai e sua mãe
sorrindo. Vá se preparar meu filho, você vai para o Jamboree! Falou sua mãe. Foi
demais. Ele não estava acreditando. O chefe da tropa contou que todos se
cotizaram. Souberam do seu ato de grandeza. Um escoteiro assim não
ia ficar para trás. Gino deu um salto. Gritou alto. Viva! Ainda tenho sonhos e
eles estão sendo realizados. Em segundos ele arrumou sua mochila vestiu seu
uniforme com orgulho. Descrever a alegria de Gino no Jamboree é difícil de
imaginar. Ele viu meninos e meninas com vários tipos de uniforme. Cumprimentava
a todos - Eu? Sou de Mira Flores e você?
E assim ia. Canadá, Estados Unidos, México, Inglaterra, muitos países. Gino
nunca soube quantos. Quando do último dia, os olhos de Gino encheram-se de
lagrimas. Desta vez de alegria. Uma grande cadeia da fraternidade. Cantada em
vários idiomas.
O
ônibus, a chegada, a mãe e o pai esperando. Gino gritando – Mãe! Consegui! Mãe
eu fui ao Jamboree! Mãe, oh mãe, me abrace, sou o menino mais feliz do mundo!
Seus pais choravam de alegria. É. Gino conseguiu. Ficou marcado para sempre em
sua vida. Não importava agora se podia ir ou não em outros. Seu sonho foi
realizado. Ele pensava e dizia em voz alta – Eu não fiquei olhando a montanha.
Eu a escalei. Vi o outro lado. Gino sabia. A chave da felicidade é sonhar. A
chave do sucesso é fazer dos sonhos a realidade. O mais importante na vida não
é o triunfo, mas a luta para alcançar.
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