Lendas
Escoteiras.
O despertar
de um pesadelo.
Uma névoa tênue
formigava em sua mente. Ele queria pensar, mas pensar o que? Tentava abrir os
olhos, mas tinha certeza que ele estava aberto. Nada se fixava em sua mente,
mas onde estava? Onde esteve? Viu uma janela aberta e lá fora um belo pé de
Jacarandá através da nevoa escura. Como ele sabia que era um Jacarandá? Porque
não via onde estava e só a janela cinza o Jacarandá e ainda sem o sol que ele
tanto amava? E onde estava lua, as estrelas e o céu azul? Tentou arremeter-se
para o passado, mas qual o passado ele não sabia. Tentava adivinhar onde andava
e quem era ele e o que fazia ali. Só a névoa cinzenta em sua mente e mais nada.
Fechou os olhos e tudo escureceu, abriu e a nevoa apareceu. Isto só poderia
significar que estava vivo, mas vivo como? Forçou a vista novamente e viu uma
figura opaca de um menino. Ele sabia que conhecia o menino, seu sorriso suas
maneiras seu jeito de olhar e viu que ele piscava um dos olhos para ele. Lembrava-se
de que um dia ele havia piscado assim para ele também. Mas por quê? Quem era o
menino? Tentou voltar ao passado, mas meu Deus, que passado eu tenho que não me
lembro de nada?
Fechou os olhos
novamente. Quem sabe assim poderia pensar melhor e descobrir todo aquele enigma
que nunca conseguiu decifrar. Nada, simplesmente nada! Abriu os olhos e viu de
novo o menino brincando com duas cordinhas e o mostrou para ele o que fez: -
Agora ele sabia, era um Balso pelo Seio. Mas para que servia? Se se lembrava do
nome devia saber o porquê aquelas cordinhas representavam, mas não sabia.
Tentou mexer com um braço e uma dor imensa o acometeu. Tentou balançar a cabeça
e nada conseguiu. Fixou seus olhos no menino e viu que ele vestia uma roupa que
não era estranha para ele. Tinha um chapéu e um lenço, que lindo lenço e chapéu
ele tinha. Mas ele então se lembrou de que também tinha um. Onde estava seu
chapéu? E o seu lenço? Melhor não pensar muito, pois sentiu que sua cabeça ia
doer como sempre doía. Adormeceu. No sono não sonhou. De novo no mesmo lugar
que viveu por muitos anos, o mesmo vale sóbrio, sem água, sem árvores, não
havia pássaros que cantavam, nem mesmo uma borboleta para ver sua cor. Lembrou
que não saia dali por muito tempo. Seria aquele vale sua morada?
Tudo apagou de novo
para ele. Nem sabia quanto tempo ficou na penumbra de uma noite escura. De novo
forçou seus olhos e conseguiu ver junto ao menino mais três outros meninos.
Todos de chapéu com aquela roupa que era sua conhecida. Um deles com um par de
bandeirolas fazendo piruetas com elas no ar. Ele entendeu as letras, mas para
que serviam? O outro menino fez mais círculos com as cordinhas, viu que era um
fateixa, ou quem sabe um aselha, mas o que significava aquelas cordinhas que
eles brincavam de vai e vem com elas? Alguém abraçou os meninos e ele viu um
homem. Ele tentava lembrar-se dele, sabia que o conhecia, sabia que um dia fora
seu amigo, o ensinara a saltar obstáculos, dizia para ele que nada é impossível
nesta vida, pois bastava querer. Olhou melhor para o homem, ele sorriu e disse
duas palavras: - Sempre Alerta meu querido amigo! Que significava? O que ele
queria dizer? Era muito para suas mente. Fechou os olhos, mas a nevoa novamente
apareceu. Ele estava cansado. Mesmo com a respiração ofegante ele nada entendia
o que fazia ali e o que os seus meninos que ele conhecia faziam ali também.
Não sabia quanto
tempo ficou preso no vale das sombras. Mas acordou revigorado. Agora a janela
aberta deixava passar o sol, vermelho, quente e ele lembrou como amava o sol.
Aos poucos começou a lembrar-se de tudo. Mas sua mente entorpecia e ele não
juntava lembranças com lembranças. Era demais para ele. Seu coração batia forte
e disto ele sabia, ele não havia morrido naquele monte de destroços que estava
em cima dele? Onde? Por quê? Um coro de vozes cantava uma canção que ele
conhecia: - Acorda Escoteiro acorda que o galo já cantou! Ele sorriu. Então era
um Escoteiro? Estava dormindo? Seu passado começava a aparecer. Lembrou quando
acordava em uma barraca, abria as portas de lona, olhava a selva a sua frente.
Sem perceber ele sentiu o frescor do orvalho da manhã. Viu os primeiros raios
de sol que há tempos ele não via. Meu Deus! Era lindo demais. Ele sabia que
estava ali na barraca, mas fazendo o que? Dormia? Sentiu seu corpo estremecer
ao ouvir alguém dizer: - Acorda Escoteiro, acorda! O café está na mesa! Ele
precisa sair da barraca, ele queria tomar o café, café? Que aroma gostoso ele
sentia do café. Quanto tempo tinha que ele não tomava um?
Olhou melhor ao redor
do quarto onde estava. Foi então que viu sua mãe que chorava baixinho e ele
queria dizer para ela, - Mãe não chore! Mas porque ela chorava? Viu também seu pai
com os olhos cheios de lágrimas. Olhou melhor e viu Nininha sua querida irmãzinha,
que bela ela estava, como cresceu! Ele sabia que amava sua irmã. Então viu que
estava em um quarto de um hospital, cheio de meninos de uniforme, eles
brincavam faziam nós sorriam para ele, era como se dissessem: - Ei amigo,
acorde, o acampamento nos espera! Sua patrulha já fez o café, é hora do jogo!
Jogo? Ah! Agora se lembrava do jogo, sorriu de novo. Sorriu para sua mãe para
seu pai e para Nininha. Sem perceber viu que seus olhos se enchiam de lágrimas.
Não queria mais pensar nos destroços do
ônibus que o levava para a escola. Mas quando aconteceu aquilo? Ele não sabia e
agora não queria saber. O que sentia, o que via os sorrisos e abraços que lhe
davam era de uma alegria sem fim.
Foi então que ouviu de um homem de branco, um simpático
homem que sabia ter ficado ao seu lado por muito tempo. Ele dizia: - Ele voltou
do coma, graças a Deus! Coma? Ele estivera acamado? Seria os destroços do
ônibus? E os seus amigos de escola que lá estavam o que aconteceu com eles? Ouviu
baixinho alguém dizer que todos se salvaram. Uma canção ressonou no ar. De novo
a meninada de roupa igual cantavam alegre a canção da promessa. Agora sim ele
sabia que era um deles. Tentou cantar junto, mas sentiu a face doer. Ainda não
estava pronto para isto, mas sabia que em breve cantaria junto com eles as
canções Escoteiras que sabia. Sentiu na face o beijo de sua mãe, do seu pai de
Nininha e viu que a felicidade não tem preço. O homem que ele conhecia chegou
perto e lhe disse: - Bem vindo Conrado, foram dois anos longe e agora você está
de volta! Viu que ele pegou sua mão esquerda e a apertou. Queria chorar e não
conseguia, queria sorrir e não conseguia.
O quarto onde estava
era uma algazarra enorme. Todos queriam abraçá-lo. Ele sorria de leve. Ainda
sentia dores no corpo, mas não como antes. Sua alegria foi tanta que dormiu.
Desta vez foi para outros lugares que não o vale das sombras e das nevoas
cinzentas. Agora via um lindo arco-íris colorido. Viu muitos amigos de branco
que sempre o ajudavam a sair daquele vale sombrio batendo palmas para ele. Viu
nuvens altas voando no céu em sua volta. Era bom isto que estava vendo e
sentindo. Ele iria acordar novamente e lá na terra, naquele quarto onde as
flores espalhadas emitiam um perfume delicioso, onde amigos cantavam onde sua
mãe seu pai e Nininha lhe davam beijos ele então pensou em alguém. Pensou Nele,
pois só ele poderia ter lhe dado àquela alegria. Obrigado Jesus, obrigado Deus
por ter me dado de novo à vida!
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