domingo, 21 de junho de 2015

Só o vento sabe a resposta


Lendas Escoteiras.
Só o vento sabe a resposta

                  Esta é uma historia simples e este nome foi dado porque as respostas que procuramos nem sempre a encontramos. Dizem os poetas que tudo tem uma razão de ser e muito embora quando procuramos respostas, elas são dadas conforme nosso merecimento. Dentre todas que escrevi quem sabe por que foi quase real e meu sentimento pelo que aconteceu me marcou demais. Foi na década de sessenta. Era o Diretor Técnico de um Grupo Escoteiro por estes interiores do Brasil. Uma menina de uns doze a treze anos adentrou-se no pátio de reuniões e ficou sentada observando a movimentação das tropas escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da década de oitenta. Durante algumas reuniões notei que ela vibrava com cada atividade feita pelos escoteiros. Achei interessante, pois nesta época ainda não era permitido à coeducação e as meninas tinham de se contentar em ser bandeirantes. Não me preocupei. Ela não atrapalhava e além do mais seu sorriso era contagiante e uma simpatia enorme para sua idade. Poderia dizer que ela dava um certo brilho nas reuniões dos sábados.

              Um dia, em dado momento me procurou. Chefe como faço para entrar nos escoteiros? Um olhar profundo, uma vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela pausadamente. Disse que só como bandeirante. - Mas aqui não tem? Só balancei a cabeça negativamente. Não, respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou e saiu correndo. Deveria ter dito a ela que só como chefes de Alcatéia eram permitidos a entrada de moças. Mas não disse, afinal não devia ter mais de doze ou treze anos. Muitas vezes a gente devia dizer e explicar para não se arrepender depois.  Nunca mais voltou a sede. Passaram-se alguns anos, acho que uns cinco anos se não me falha a memória. Eu mesmo nem mesmo lembrava mais do fato.

                Uma tarde, conversava com um pai de um Escoteiro e um Chefe sênior vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu para falar comigo e prontamente a atendi. Chefe agora eu tenho dezessete anos. Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar? Não me lembrava dela. Não me lembrava de que um dia queria ser Escoteira e não foi aceita. Educadamente perguntei a ela quando conversamos sobre o tema. - Não lembras quando estive aqui há cinco anos? O senhor me disse que só poderia ser bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia em ser Escoteira. Contava os dias, as noites, os meses e os anos. Esperando sempre este dia que vai ser o mais lindo de minha vida, um sonho realizado. Agora sou quase de maior, posso ou não ser escoteira?

                Claro, eu disse que sim. Nossa Alcatéia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que arrumar um lugar para ela. Uma esperança de anos em querer, em poder participar, aguardou com ansiedade por cinco anos e nunca esqueceu seus sonhos. Eu sabia que ela nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus sonhos seriam realizados. Não foi bem recebida. Uma das chefes me procurou em particular e disse que não poderia aceitá-la na alcatéia. - Por quê? Disse eu. Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama. Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que ela falou aquilo. Era uma jovem ótima. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram perdoadas facilmente.

                Não esperava aquela atitude. Pensei que não éramos assim. Aquela Chefe sempre foi um orgulho para nós. Não faltava, os lobinhos adoravam seu jeito de ser. Tínhamos um orgulho em dizer que éramos uma fraternidade, uma família cheia de compreensão para com o próximo. Ela me surpreendeu muito mais no final da reunião. Procurou-me e pediu um Conselho de Chefes. Claro que concordei. Isto era democrático e eu sempre apoiei. Naquele dia estávamos em doze chefes presentes. Na reunião explicou o motivo. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela.  Explicaram-se. Um deles foi veemente na defesa da Chefe de alcatéia. Olhei para os chefes. Com o coração partido tinha de tomar uma decisão. Mas tenho que considerar os demais pais do grupo. Infelizmente quando souberem tenho certeza que irão retirar seus filhos do grupo.

              E assim após os demais se posicionarem do mesmo jeito, depois de mais de uma hora concordaram em que a jovem não fosse aceita. A maioria aprovou a moção. Eu estava perplexo. Nunca em minha vida participei de uma discussão daquele naipe. Era muito para mim. Um deles sugeriu nova reunião para dar tempo de todos analisarem melhor. Não precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Aqui não vi a lei Escoteira. Sei que decidiram pensando no Grupo Escoteiro. Tenho que aceitar a maioria. Melhor que a decisão seja tomada por vocês e me desculpem é muito para mim. Prefiro me retirar. Acho que está na hora de entregar o bastão e vocês escolherem um novo Chefe! Ficarei o tempo necessário para isto. Não entendam como uma forma de pressão, nada disto. Se chegaram em um acordo não há mais o que discutir!

                   Todos se assustaram. Calma falei saber ganhar é uma arte, mas saber perder é se sentir vitorioso. Não se conformaram. Muitos tentaram me convencer a mudar de ideia. Eu não estava sendo democrático. Não quis discutir mais minhas razões. Ali no Grupo Escoteiro onde estava a mais de oito anos onde passei tudo para eles sobre amor ao próximo, perdão, honradez e humildade senti que meu objetivo não foi alcançado. Assim não havia mais lugar para mim. Na semana me procuraram. Desculparam-se por ter agido daquela forma. – O Senhor é e sempre será nosso Chefe. Sem o senhor decidimos que não fica ninguém. Tinha de pensar a respeito. Pela primeira vez não sabia o que fazer. Melhor esperar a jovem chegar e conversar com ela. Seria honesto. Diria o que discutiram. Se ela gostasse mesmo do escotismo como dizia teria que lutar por um lugar ao sol. Diria a ela que eu acreditava que conseguiria. Mas ela é que devia decidir. Meu apoio ela teria sempre.

                     No sábado seguinte fiquei de plantão o tempo todo na sede. A mocinha que pediu para entrar não apareceu. No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua inscrição. Não sabia como achá-la. Sentia-me culpado.                  Dois meses depois ao sair de um supermercado, avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela. Não deixaria para depois. Chamei-a. Ela parou e ficou com os olhos fixos em mim esperando que me explicasse. Perguntei a ela porque não foi na reunião no sábado seguinte. Contei para ele todo o acontecido. Ela com lágrimas nos olhos disse que não era ela e sim sua irmã mais nova. Ela se chamava Larissa. Desde que nasceu sonhava em ser Escoteira. A cada dia que crescia dizia para todo mundo – Vou ser Escoteira! Já sei as leis e farei uma linda promessa!

                Chefe, ela sonhou todos estes anos em ser uma Escoteira. Só falava nisso o tempo todo. Nunca desistiu ou desanimou. Esperou ter a idade e procurar vocês. Contava os dias e as noites. Não imagina sua alegria quando já tinha idade para entrar. Todos nós sua família sentíamos as vibração que ela transmitia. Ao acordar pela manhã todos nós lhe demos um abraço e parabenizamos pela sua força de ideal. Ela sorria e sempre dizendo: – Agora vou ser uma escoteira. Era seu sonho. Não dizem que se acreditamos em nossos sonhos eles se realizam? A espera por mais de seis anos terminaram. O dia foi pouco para sua espera. O Senhor não imagina sua alegria. Após o almoço agradeceu a Deus por tudo que ele havia dado a ela. Mesmo todos nos rindo dela e dizendo – Calma Larissa, calma. Você ainda vai ter muitos e muitos anos como este dia, onde irá ter com seus amigos escoteiros. Na porta sorriu e disse, até mais mamãe, até mais papai e me mandou beijos. Saiu correndo, não olhou para os lados. Foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu horas depois.


                  Fiquei pensando em tudo. Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem retorno. Acho que só o vento sabe a resposta!

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