Lendas Escoteiras.
Só o vento sabe a resposta
Esta é uma historia simples e
este nome foi dado porque as respostas que procuramos nem sempre a encontramos.
Dizem os poetas que tudo tem uma razão de ser e muito embora quando procuramos
respostas, elas são dadas conforme nosso merecimento. Dentre todas que escrevi
quem sabe por que foi quase real e meu sentimento pelo que aconteceu me marcou
demais. Foi na década de sessenta. Era o Diretor Técnico de um Grupo Escoteiro
por estes interiores do Brasil. Uma menina de uns doze a treze anos adentrou-se
no pátio de reuniões e ficou sentada observando a movimentação das tropas
escoteiras. Ainda não havia a coeducação. Esta só foi iniciada na metade da
década de oitenta. Durante algumas reuniões notei que ela vibrava com cada
atividade feita pelos escoteiros. Achei interessante, pois nesta época ainda
não era permitido à coeducação e as meninas tinham de se contentar em ser
bandeirantes. Não me preocupei. Ela não atrapalhava e além do mais seu sorriso era
contagiante e uma simpatia enorme para sua idade. Poderia dizer que ela dava um
certo brilho nas reuniões dos sábados.
Um dia, em dado momento me
procurou. Chefe como faço para entrar nos escoteiros? Um olhar profundo, uma
vontade de ser e não poder ser. Expliquei a ela pausadamente. Disse que só como
bandeirante. - Mas aqui não tem? Só balancei a cabeça negativamente. Não,
respondi. Seus olhos se encheram de lágrimas. Tentei consolar, mas ela me olhou
e saiu correndo. Deveria ter dito a ela que só como chefes de Alcatéia eram permitidos
a entrada de moças. Mas não disse, afinal não devia ter mais de doze ou treze
anos. Muitas vezes a gente devia dizer e explicar para não se arrepender
depois. Nunca mais voltou a sede.
Passaram-se alguns anos, acho que uns cinco anos se não me falha a memória. Eu
mesmo nem mesmo lembrava mais do fato.
Uma tarde, conversava com um
pai de um Escoteiro e um Chefe sênior vi uma mocinha adentrando a sede. Pediu
para falar comigo e prontamente a atendi. Chefe agora eu tenho dezessete anos.
Vou fazer dezoito daqui a três meses. Agora posso entrar? Não me lembrava dela.
Não me lembrava de que um dia queria ser Escoteira e não foi aceita.
Educadamente perguntei a ela quando conversamos sobre o tema. - Não lembras
quando estive aqui há cinco anos? O senhor me disse que só poderia ser
bandeirante. Em nossa cidade não tem. Esperei com calma e sonhando a cada dia
em ser Escoteira. Contava os dias, as noites, os meses e os anos. Esperando
sempre este dia que vai ser o mais lindo de minha vida, um sonho realizado.
Agora sou quase de maior, posso ou não ser escoteira?
Claro, eu disse que sim. Nossa
Alcatéia tinha 26 lobinhos. Dois chefes masculinos e duas femininas. Tinha que
arrumar um lugar para ela. Uma esperança de anos em querer, em poder
participar, aguardou com ansiedade por cinco anos e nunca esqueceu seus sonhos.
Eu sabia que ela nunca poderia ser recusada. Eu jurei a mim mesmo que seus
sonhos seriam realizados. Não foi bem recebida. Uma das chefes me procurou em
particular e disse que não poderia aceitá-la na alcatéia. - Por quê? Disse eu.
Porque ela mora no “Ferreirinho” e o senhor sabe, lá é um bairro de má fama.
Sua mãe só pode ser uma prostituta. Não sei por que ela falou aquilo. Era uma
jovem ótima. Nunca deixou de ajudar ninguém. Infelizmente era uma época onde as
mulheres que por um motivo ou outro foram parar ali naquele bairro não eram
perdoadas facilmente.
Não esperava aquela atitude.
Pensei que não éramos assim. Aquela Chefe sempre foi um orgulho para nós. Não
faltava, os lobinhos adoravam seu jeito de ser. Tínhamos um orgulho em dizer que
éramos uma fraternidade, uma família cheia de compreensão para com o próximo.
Ela me surpreendeu muito mais no final da reunião. Procurou-me e pediu um
Conselho de Chefes. Claro que concordei. Isto era democrático e eu sempre
apoiei. Naquele dia estávamos em doze chefes presentes. Na reunião explicou o
motivo. Ela expos suas razões. Pelo menos sete chefes concordaram com ela. Explicaram-se. Um deles foi veemente na
defesa da Chefe de alcatéia. Olhei para os chefes. Com o coração partido tinha
de tomar uma decisão. Mas tenho que considerar os demais pais do grupo.
Infelizmente quando souberem tenho certeza que irão retirar seus filhos do grupo.
E assim após os demais se
posicionarem do mesmo jeito, depois de mais de uma hora concordaram em que a
jovem não fosse aceita. A maioria aprovou a moção. Eu estava perplexo. Nunca em
minha vida participei de uma discussão daquele naipe. Era muito para mim. Um
deles sugeriu nova reunião para dar tempo de todos analisarem melhor. Não
precisa. Estou entregando meu cargo. Estou envergonhado. Aqui não vi a lei Escoteira.
Sei que decidiram pensando no Grupo Escoteiro. Tenho que aceitar a maioria.
Melhor que a decisão seja tomada por vocês e me desculpem é muito para mim.
Prefiro me retirar. Acho que está na hora de entregar o bastão e vocês
escolherem um novo Chefe! Ficarei o tempo necessário para isto. Não entendam
como uma forma de pressão, nada disto. Se chegaram em um acordo não há mais o
que discutir!
Todos se assustaram. Calma falei
saber ganhar é uma arte, mas saber perder é se sentir vitorioso. Não se
conformaram. Muitos tentaram me convencer a mudar de ideia. Eu não estava sendo
democrático. Não quis discutir mais minhas razões. Ali no Grupo Escoteiro onde
estava a mais de oito anos onde passei tudo para eles sobre amor ao próximo,
perdão, honradez e humildade senti que meu objetivo não foi alcançado. Assim
não havia mais lugar para mim. Na semana me procuraram. Desculparam-se por ter
agido daquela forma. – O Senhor é e sempre será nosso Chefe. Sem o senhor
decidimos que não fica ninguém. Tinha de pensar a respeito. Pela primeira vez
não sabia o que fazer. Melhor esperar a jovem chegar e conversar com ela. Seria
honesto. Diria o que discutiram. Se ela gostasse mesmo do escotismo como dizia
teria que lutar por um lugar ao sol. Diria a ela que eu acreditava que
conseguiria. Mas ela é que devia decidir. Meu apoio ela teria sempre.
No sábado seguinte fiquei
de plantão o tempo todo na sede. A mocinha que pediu para entrar não apareceu.
No outro também não. Fiquei preocupado. Será que ele ficou sabendo do que
aconteceu e desistiu? Não tinha seu endereço. Não tinha feito por escrito sua
inscrição. Não sabia como achá-la. Sentia-me culpado. Dois meses depois ao sair de
um supermercado, avistei uma mocinha que achei parecidíssima com ela. Não
deixaria para depois. Chamei-a. Ela parou e ficou com os olhos fixos em mim
esperando que me explicasse. Perguntei a ela porque não foi na reunião no
sábado seguinte. Contei para ele todo o acontecido. Ela com lágrimas nos olhos
disse que não era ela e sim sua irmã mais nova. Ela se chamava Larissa. Desde
que nasceu sonhava em ser Escoteira. A cada dia que crescia dizia para todo
mundo – Vou ser Escoteira! Já sei as leis e farei uma linda promessa!
Chefe, ela sonhou todos estes
anos em ser uma Escoteira. Só falava nisso o tempo todo. Nunca desistiu ou
desanimou. Esperou ter a idade e procurar vocês. Contava os dias e as noites. Não
imagina sua alegria quando já tinha idade para entrar. Todos nós sua família
sentíamos as vibração que ela transmitia. Ao acordar pela manhã todos nós lhe
demos um abraço e parabenizamos pela sua força de ideal. Ela sorria e sempre
dizendo: – Agora vou ser uma escoteira. Era seu sonho. Não dizem que se
acreditamos em nossos sonhos eles se realizam? A espera por mais de seis anos
terminaram. O dia foi pouco para sua espera. O Senhor não imagina sua alegria. Após
o almoço agradeceu a Deus por tudo que ele havia dado a ela. Mesmo todos nos
rindo dela e dizendo – Calma Larissa, calma. Você ainda vai ter muitos e muitos
anos como este dia, onde irá ter com seus amigos escoteiros. Na porta sorriu e
disse, até mais mamãe, até mais papai e me mandou beijos. Saiu correndo, não
olhou para os lados. Foi atropelada por um ônibus. Levada ao hospital faleceu
horas depois.
Fiquei pensando em tudo.
Nosso destino, nossos sonhos. Perdidos em minutos. Em segundos. Por quê? Sem
retorno. Acho que só o vento sabe a resposta!
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