Lendas escoteiras.
Nas terras bravias do Lago Dourado.
Foi uma noite calma. As estrelas não cintilavam no céu
como no dia anterior. Algumas nuvens brancas as cobriam como se fossem um manto
protetor. A lua se fora há tempos. Ralph Lando achou que ia chover. Não choveu.
Seus olhos estavam fechados. Dormitava pela madrugada fria. Um pequeno tronco serviu
como travesseiro. Coisas de um escoteiro mateiro acostumado. Um pequeno fogo
quase apagado. Ao lado agora sós brasas com pequenas fagulhas que se inibiam e
ao subir aos céus lhe davam um pouquinho de calor. Pela aba do seu chapéu de
três bicos podia ver a escuridão da noite. Gostava dela. À noite. Era sua amiga
de muitas e muitas jornadas.
Não ansiava pela madrugada. Que ela
chegasse de mansinho. Onde estava era um arbusto e quem sabe seria um pequeno
arvoredo que encontrou perdido naquele vale dos Muricuchás onde dormia. Serviu-lhe
de manto para a noite gostosa daquele inverno que não fora tão rigoroso como os
anteriores. Sua mochila ao lado era companheira de anos e anos de caminhada.
Sempre fora. Dentro dela com carinho estava suas “bugigangas” de mais uma
jornada. Seu bornal pendurado no galho guardava a “matutagem” caso tivesse
fome. Abriu um olho devagar. Avistou uma cigarra azul que cantava baixinho seus
cantos noturnos. Ele gostava das cigarras. Fazem-se de pródigas e só aparecem
uma vez ao ano. E como são lindas. Ele as amava!
Sentiu uma brisa leve no rosto. Ela soprava
gostosamente. Refrescante, afagante. A brisa anda sempre perdida por aí. Nas
montanhas, nos vales nos rios caudalosos ou no pequeno riacho de aguas turvas. Considerava
como sua amiga de anos de jornada. Dizia que ela nunca se esquece da gente. Os
anos passam e lá está ela. A madrugada
não iria demorar. Grilos falantes pareciam fantasminhas na escuridão noturna.
Melhor tentar dormir mais um pouco, pensou. Fora um dia e tanto. Uma grande
jornada de um Escoteiro sonhador. Um vagalume pousou no seu ombro. Sorriu para
ele. Enroscou na Manta Negra que um dia há muitos e muitos anos seu Vô lhe deu
com carinho. Não sentia frio. O corpo jovem já curtido estava pronto para
aventurar nas jornadas da vida.
Um pequeno lusco fusco. Sinal que ela
a madrugada ia chegar. Ele gostava das madrugadas. Eram lindas. Não importava
se com sol ou com chuva. Adorava as madrugadas nos campos perdidos e nas
florestas verdes do Brasil. O cheiro da relva, das flores silvestres, o cheiro
da selva das águas “calientes” do riacho que cantava sem parar trazia no ar a
paz que ele tanto gostava. O cheiro da terra. Ah! Gostoso, maravilhoso! Ele
teve madrugadas que marcaram. Com brumas a cobrir os campos verdejantes, com
brumas sobre os lagos azuis cinzentos e vermelhos com o sol cobrindo-as. As
brumas... Ele adorava. São lindas, querendo fechar seus olhos. Não querem que
você veja ninguém só elas. Mas choram. Choram porque o sol irá chegar e elas
terão que ir para longe, aonde ele o “Senhor Sol” ainda não chegou.
Lá no horizonte um pequeno brilho.
Pequeno mesmo. O sol. Era assim que ele chegava. Anunciava com a aurora sem
fazer alarde. Era o rei. Não era um astro qualquer. Não aparecia assim do nada.
Anunciava que se preparassem todos. Uma pequena claridade, um pequeno vermelho
desbotado, raios brancos tingidos de amarelo ouro e eis que ele aparece. A
montanha o reverencia, a lua se escondeu e as estrelas se apagaram. O dia
nasceu. Ele estava acordado. Uma hora sagrada. Sempre gostava de ver o nascer
do dia. É como se fosse uma criança chegando ao mundo. As brumas cinzentas lhe
disseram adeus. O orvalho se escondeu. A última gota d’água caiu de uma folha
adormecida. A brisa insistente continuava lá a lhe acariciar o rosto. Não se
afastava. Uma amiga de épocas e épocas passadas.
Hora de partir. Não disse adeus para
todos eles que o acompanharam a noite e no lusco fusco da manhã. Não precisava.
Eles sabiam que não era mais que um até logo, não era mais que um breve adeus. Ele
voltaria. O Escoteiro de primeira classe não para. Em sonhos ou pisantes nos seus
pés hoje descansados. Ajeitou seu lenço, arrumou seu meião. Calçou seu velho
coturno de guerra. Mochila as costas, pendurou seu bornal no ombro. “ficou” seu
chapéu Escoteiro, pegou seu bastão de anos e anos e agradeceu o arbusto que lhe
serviu de lar e partiu. Seu rumo? O mesmo de sempre. A busca da aventura onde o
vento quisesse o levar. Sabia que em algum lugar iria encontrar o Lago Dourado.
Diziam que não tinha peixes. Que uma bruma cinza o cobria por todo o tempo.
Isto ele iria ver quando chegasse.
O sol a pino. Gostava disto. Os
primeiros pingos do suor lhe caem e somem na estrada de terra batida. Ela é sua
amiga que sempre o levou a rumos impossíveis. Seu chapéu de abas largas o
protege. O bastão ajuda a andar e achar o caminho. Uma montanha verde, cheia de
árvores lindas e floridas ele avista ao longe. Deve estar perto a sua busca incessante.
Quem sabe na virada da curva da Raposa que Chora ele encontraria o Lago
Dourado. Ele acorda. Era a repetição de um sonho. Nunca deixou de sonhar com o
lago Dourado. Sabia que um dia iria encontrar. Sorriu se levanta, mais um dia
que chegou a sua vida. Na janela o sol. Não há brumas. Até o lusco fusco da
manhã já tinha ido. A brisa está ali de leve de mansinho nunca deixou de lhe
acariciar o rosto. Ela brisa vai embora
como sempre partiu com o sol quente da manhã. Ralph esperava a noite chegar
novamente. Quando dormir vai sonhar com seu lago encantado. Sonhos se tornam
realidade ele sabia. Sabe que nunca ia desistir dos seus sonhos. Faziam parte
dele. A cada dia ele dizia: - Não desista escoteiro. Diga sempre – “Eu
voltarei”. Quem sabe um dia poderá dizer que encontrou o seu querido Lago
Dourado?
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