Conversa
ao pé do fogo.
Onde
anda o Zé Neguinho?
(Baseada
em fatos reais).
Prefácio: As lembranças permanecem
para quem viveu e não esqueceu. Como diz uma poetiza: - Certos momentos, nem o tempo apaga. Fica arquivado para
sempre na memória do coração.
Ah o tempo! A gente não
percebe e quando percebe ele deu uma volta ou milhões de voltas para nos trazer
as lembranças de um tempo que já se foi. Zé Neguinho nunca foi Escoteiro.
Deveria ter sido, mas seu destino estava escrito de outra maneira. Queira ou
não fomos amigos. Amigos que se respeitavam. Brigamos muito quando jovens, de
tapa, de soco, mas de arma branca nunca. Eu e ele sabíamos que nenhum de nós
dois era melhor que o outro.
Acho que a primeira vez que nos
enfrentamos eu estava com oito anos e ele por aí também. As brigas foram
frequentes pelo menos uma a cada dois meses. Nunca envolvi meus amigos
Escoteiros em nossas brigas. Mas hoje fico pensando: - Porque brigamos tanto?
Não havia ódio, rancores, quantas vezes cansávamos e sentados olhando um para o
outro dávamos belas gargalhadas?
O tempo passou. Acho que uns quinze
anos. Eu não lembrava mais dele e tenho certeza que ele também não se lembrava
de mim. Comissário Regional em Minas gerais, lá pelos idos de 1971, eu viajava
em um trem da estrada de ferro Leopoldina Railway de Caratinga para Ponte Nova.
De lá pegaria outro para Barra longa a convite de um Grupo Escoteiro que estava
começando. Era comum essas viagens e eu as apreciava bastante, fazendo amigos e
dando uma nova concepção do escotismo no estado.
Eu cochilava quando o trem
parou em uma pequena estação. Olhei pela janela e vi lá fora dezenas de
soldados armados correndo para todo lado. Ouvi um grito alto: - Zé Neguinho!
Quem fala é o Capitão Nonato. Você me
conhece e me deve sua vida. Sei que está
aí neste vagão. Desça com as mãos para cima. O trem está cercado de policiais! Olhei
de lado. Era ele. Cresceu, ficou forte, muito forte, o cabelo grande sempre
amarrado em um rabo de cavalo. Ele me viu. Deu uma gargalhada – Vado Escoteiro?
O Valente da porrada? É você? Era chamado por ele assim. Levantei e dei nele um
abraço.
O Delegado gritou há
plenos pulmões: – Vamos evitar passageiros feridos Zé. Desça logo – Ele gritou
– Me dá dez minutos delegado e vou descer sem reagir, eu prometo. Sentado ao
meu lado um senhor de idade. – Suma! Ele disse e sentou comigo. Ficamos estes
dez minutos lembrando o passado. Nunca na vida contei “causos” do passado sob a
mira de fuzis. - Lembra-se da descida do Bairro do Pastoril? Eu lembrava. Uma
turma querendo me dar uma surra. Ele chegou com um pau na mão. Desceu a burduna
na turma e gritou - Bateu nele bateu em mim! Só eu posso dar porrada nele!
Ele sorria olhando para
frente. Nunca me olhou nos olhos. – Tem visto a Constância? Lembrei-me dela,
uma senhora raquítica que pedia esmola na Praça da Estação. Sempre achei que ela
parecia fazer parte do lugar e era conhecida por todos os charreteiros que
esperam seus clientes na chegada ou saída do Trem para BH ou para Vitória.
Conversamos por uns dez minutos. Contei um pouco de mim, meu casamento, meu
escotismo e confesso que me esqueci do que estava acontecendo no momento.
Ele se levantou e me deu
um abraço, apertado. Chegou a doer. Vi que seus olhos encheram-se de lágrimas.
– O Delegado gritou de novo: - Não vou
esperar mais, saia ou vamos invadir o vagão! Zé Neguinho sorriu e disse adeus
meu amigo. Acho que nunca mais vamos nos ver! Desceu do trem e vi dezenas de
policiais apontando armas para ele. Na plataforma me acenou pela última vez!
Não fiquei sabendo dos
seus crimes ou roubos. Não havia jornal na minha cidade para informar. Mas Zé
Neguinho me marcou muito. Não foi escoteiro. Deveria ter sido. Nunca o esqueci.
De vez em quando procuro aqui na internet se vejo alguma noticia dele. Deve ter
morrido. Às vezes penso se tivesse descido e conversado com o Delegado poderia
ter ajudado. Acho que não.
Olhei pela janela do trem
e o vi cercado por policiais sendo algemado. O destino não se mede pelas ações,
mas sim pelo que se fez ou faz. Espero que ele tenha conhecido a felicidade.
Seu sorriso sempre foi contagiante e dizem que quem sabe dar um lindo sorriso é
feliz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário