Lendas
Escoteiras.
A morte do
bandido Gaudêncio Cicatriz.
Nota - “Há ruídos,
vozes e murmúrios estranhos, povoando a solidão, da selva misteriosa”. É a
oração das almas, dos pagés ou os borés. Soprados pelos espíritos dos
guerreiros ou o canto das virgens índias Rudá. Deus do amor ou os gritos do
Anhagá! (terra grande de Lindolfo Barreto).
- Venha Chefe se assente,
aproveita o fogo quente, pois este inverno vai ser de lascar. Se quiser tome um
cafezinho, esquente a goela, vale a pena para enfrentar este frio que está a
gelar. Na lata do doce de mamão, tem biscoito, bolo de agrião, torta de
avanhagá. Portanto não se faça de rogado, você é meu convidado e nesta fogueira
pequena muitos causos eu vou contar. Mas não só eu, pois se você tiver um
“contozinho” está livre para narrar.
São noites como esta que nos
fazem lembrar-nos dos tempos que já se foram, das noites de acampamentos, das
viagens contra o vento, portanto se assente, sorria, divirta e preste atenção,
pois histórias Escoteiras nunca perdem o lugar. Agorinha mesmo eu pensava, em
uma patrulha falada, que correu mundo e viram tantas coisas que um dia ficou
famosa, eita patrulha formosa das bandas lá do sertão. Já dizia o seu lema,
Patrulha vai com calma, o luar é a luz do sol que está dormindo, não deixem ele
acordar.
Tunico, Paulinho e Nonato,
eram um triunvirato mateiro e como bons escoteiros em pouco tempo e em qualquer
lugar sabiam fazer um abrigo, daqueles que não temiam o vento, a tempestade, a
força da chuva molhada. Janílson o monitor completava os quatro amigos, que não
se faziam de rogados quando iam acampar. – Acho que foi Tunico que contou da
festança que ia acontecer na cidade do Odorico, aquela do cemitério que defunto
não tinha lugar. Isto tinha acontecido há muito tempo atrás.
A cidade agora todo ano,
pipocava de festejos, comida farta, as moçoilas na praça a passear e querendo
namorar. O Padre da procissão na Igreja lotada fazia a turma rezar. – Porque
não ir lá? Vai ser de rachar e quem sabe uma nova aventura vai começar? O
Conselho da Tropa Sênior aprovou. Coloque na ata disse Janílson, e não se
esqueçam de assinar. Tropa Sênior? Bem eram quatro somente, dizem que Escoteiro
não mente, pois onde tem um Sênior ele faz a Tropa funcionar.
Partiram de madrugada. A
ideia era chegar lá à tardinha, menos de doze léguas não era longe o lugar. Na
subida da Serra do Berimbau eles avistaram uma manada de homens maus. Quem
seriam? Devem ser vaqueiros do lugar. Um monte, um punhado deviam ir à cidade
rezar. Passaram por eles na curva do Sol Poente, fizeram a saudação disseram
tchau e seguiram em frente. Às cinco da tarde chegaram. Odorico não era grande,
três ruas calçadas de pedra sabão uma praça de aluvião, toda incrementada e na
igreja cheia o povo rezava.
Barriga roncando de fome. A
quem procurar para esquentar pança? Um homem bigodudo deu as boas vindas, e
perguntou: - Pança cheia ou vazia? Lá foram eles na casa do prefeito para
jantar. Sujeito bom e direito sempre a bater no peito: - Esta é minha cidade
aonde um dia vão me enterrar! Barriga cheia demais comeram até fartar. O sol já
ia se pondo, na Serra do Maribondo e a Patrulha Estrela não querendo fazer
besteira lá foram eles para a praça paquerar.
Tunico e Paulinho
foram até o campinho e as barracas em minutos estavam prontas para morar.
Voltaram logo prá praça, meninas cheia de graça, Nonato e Janílson rodeados de
moçoilas bonitas, com seus vestidos de chita, cabelos longos jogados para trás.
Eita vida boa de Escoteiro, um olhar sempre treteiro, Tunico namorava Maria,
Paulinho com Janaina, Nonato com Sebastiana e Janílson com Isabel com seus
lábios cor de mel.
E viva Baden-Powell
pensavam se não fosse o general não teriam cabedal para tão belas “guapas”
namorar. Contavam suas façanhas, nem deram em suas entranhas que entrava no
lugar os cavaleiros que passaram por eles bem rentes na curva do sol poente. -
Devem vir para a festança, quanto mais melhor. Sejam bem vindo turma, mesmo não
sendo escoteiros viajantes bem ligeiros são bem vindos no lugar.
E eis que um corre, corre
acontece. A tarde se foi anoitece. O prefeito chegou esbaforido falando
espavorido pé na taboa escoteiros, pois esta bandidada vai tomar conta do
lugar. Não dava mais prá correr e até o anoitecer ficaram presos no lugar. As
moçoilas chorando a rodo, famílias se consolando, bandidos avançando tomando o
rico dinheirinho do povo do lugar. Passa a carteira sô moço! Se me matar de
desgosto te mando para aquele lugar.
Tiraram a calça do delegado,
que por sinal um folgado, um tiro pipocou no ar. O delegado caiu, e suas calças
sumiu. Pelado dançava tango, fazendo graça para o bando e depois ficou a
chorar. O povo todo na praça, ninguém a mostrar que tem raça. Cada um se
defendia, seu dinheiro escondia mais eis que de repente um tiro silvou o ar.
Gaudêncio Cicatriz, que já escapara por um triz, levou um balaço na testa e sem
fazer nenhuma festa caiu de maduro no ar.
Os capangas de Gaudêncio,
chorando tirando o lenço ameaçavam matar, quem foi? Estavam a perguntar. Ninguém
soube ninguém viu. Nesta hora a escoteirada sumiu. Em menos de uma hora,
temendo levar um pito, atravessaram correndo toda a serra do cabrito. Seis
horas pedalando, lá iam eles cantando. Que aventura danada, vamos contar prá
escoteirada que na cidade de Odorico, deixamos fama no lugar.
“Eita” turma da estrela
cadente, não perderam nenhum dente, e toma sossego agora, rezem prá Nossa
Senhora, conseguiram escapar e tudo ficou anotado, A ata escriturado e depois
bem assinado, para postergar no presente e claro no futuro também. Dizem que
Sênior não chora, só pede ao Santo Expedito, gente boa não é mito, proteger a
turma escoteira, que não tem mais pasmaceira quando contam da cidade. Cidade do
Odorico, cemitério de cabrito, defuntos ali não tem vez.
E agora meu amigo, em volta
do fogo amigo. A história da cidade de Odorico, em volta deste “foguito” já
contei o que ia contar. Agora é sua vez de narrar. Conte agora uma história,
para ficar na memoria, pois sei que não carrega andor, és bamba e de historias
sei que é um bom contador. É bom demais conversar, ao pé do fogo contar, belas
histórias ligeiras, como aquelas Escoteiras que todos adoram contar.
A lua no céu sorria, ao
amanhecer sabia que de novo ia encontrar o seu amado sol, cantando rataplã do
arrebol! As fagulhas coloridas, vão para o céu sofridas, agora quem conta é
você, ou quem sabe uma canção, eu não vou dormir agora, não passou da minha
hora, que vai meu boa noite, durma bem e até mais!
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