Histórias de fogo de conselho.
A morte da Rolinha.
(Baseada em fatos reais).
Eu saí pra acampar antes do dia rompê...
Arrumei a carretinha bem antes do sol nascê... Os galo da madrugada
cantava pra amanhecê... Fui matar minha saudade na Fazenda Tietê!
Sempre foi assim,
feriado, mesmo que chovesse molhado, a Patrulha Lobo ia acampar. Faça sol ou
tenha lua, nada segurava a Patrulha a fazer o que mais gostava... Um belo e
gostoso acampamento. Três dias, dava para montar um campo, fazer uma bela Pioneiría
no córrego dos Afonsos, e bater gostosos papos em uma conversa ao pé do fogo.
Não éramos assim tão poetas, mas mateiros dos bons podiam nos chamar.
Em um fogo de conselho,
mesmo com sete escoteiros nos divertíamos a valer. Ficar na beira do fogo sem
ir para a barraca era programa que alguns chamavam de índio. Mas quem não gosta
de uma noite em volta do fogo, com a aragem caindo distraída, a grama molhada...
A gente não esquece nunca mais... - “Na minha madrugada, eu a vi fria sombria...
Enquanto encontrei beleza, e a transformei em poesia”!
Romildo perguntou o
programa, Rael disse que qualquer um, Tãozinho o caolho, riu e nada disse. Darcy
Pé de Pato disse que ria pescar uma bela traíra e fritar em uma frigideira nas
brasas da fogueira. Zeca o Cozinheiro Fumanchu não gostou. – A cozinha é minha
e de mais ninguém! Prometeu fazer um cozido de aipim de dar água na boca. Miltinho
vulgo Zé do Boi, também ficou calado. Olhei para ele e disse: Vamos montar
armadilhas e pegar uns bons pássaros ou bichos para assar!
Olho o passado e me vejo
lá de chapelão, calça curta, lenço bem posto no pescoço, vivendo naquela Patrulha
Lobo que nunca esqueci. Vontade de voltar no tempo, uma falta de ar, um sonho impossível
de encontrar. Rodei estradas, trilhas cidades subidas sem fim. Contei estrelas,
amei o firmamento e nunca encontrei a Fonte da Juventude tão procurada por
Ponce de Leon. Quando me lembro de tudo da vontade de cantar Cecília Meireles:
-
- “Com que doçura esta brisa penteia a verde seda
fina do arrozal. Nem cílios, nem pluma, nem lume de lânguida lua,
nem o suspiro do cristal. Com que doçura a transparente aurora... Tece na fina
seda do arrozal aéreos desenhos de orvalho! Nem lágrima, nem
pérola, nem íris de cristal... Com que doçura as borboletas brancas prendem
os fios verdes do arrozal com seus leves laços! Nem dedos, nem
pétalas, nem frio aroma de anis em cristal. Com que
doçura o pássaro imprevisto de longe tomba no verde arrozal! Caído
céu, flor azul, estrela última: súbito sussurro e eco de cristal”...
Rodas gemendo na subida,
cantando nas retas e descidas, não dá para esquecer a carretinha que tanto amávamos.
Afinal a construímos com ajuda do Marceneiro Joviel. Oito quilômetros de nada.
O Córrego dos Afonsos era nosso velho conhecido. Bom de peixe, de águas calmas,
de boa aguada e quedas que a gente fazia o “diabo” para levar ao cozinheiro água
fresca no casco de um bambu qualquer. Cada um sabia o que fazer. Logo um
cafezinho fresco, e cada um foi providenciar o almoço do dia.
Isso mesmo. A “coisa” não andava bem nas famílias dos patrulheiros. O
dinheiro curto, a intendência resumida, só deu para levar algum arroz, um sal e
um “poquito” de gordura de porco da nossa ração “B”. Tudo bem. A região dos
Afonsos era prodiga em aipim, alface do mato, couve flor, Taioba na beira do
lago, e doces goiabas sertanejas não faltando ás bananas da terra... Ah! Adoro.
Fritas então? Fumanchu adorava. Fazia uma sopa de dar água na boca! Chico Lopes
dos Afonsos era nosso amigo. Não faltava uma galinhada, ovos e o escambal.
Lá fui eu e Miltinho preparar as armadilhas. Três delas. A do laço, a do
traçado de bambu e a da cova do tatu. Em duas horas sabíamos que uma delas estaria
cheia de quitutes que o Fumanchu iria preparar. Eis que na do Bambu encontramos
duas rolinhas, machucadas de tanto tentar sair para seu habitat. Tive dó, olhei
para Miltinho. Vamos levar? Ele calado não disse nada. Pus as duas no bornal.
Ainda tentavam escapar pulando dentro da lona que as prendia como um cativeiro
cruel.
Campo próximo. Não mais que dois quilômetros. Na trilha olhei para
Miltinho. Pensava: - Não foi à primeira rolinha que matei, porque essas duas me
tocam o coração? Alguém cutucou minhas costas. Parei, era Miltinho. Falou
assim: - Solte-as... Olhei para ele. Ele não disse mais nada. Uma dor no
coração, uma dó tremenda pela vida das rolinhas. Perdi a fome. Abrir o bornal e
elas saíram voando pelo espaço! Agora livres como o vento...
Foi minha ultima “matada”. Esqueci os tatus, as Galinhas D’angola
reclamando: “Tô fraco, tô fraco”, os quatis, os coelhos e as lebres que um dia
assei nas brasas de um fogo qualquer em um lugar qualquer, sem pouso e nem ouso
dizer se gostei... De mãos abanando cheguei ao campo. Romildo não disse nada. Olhou-me
nos olhos e desconfiou. Belo Monitor ele era. Fumanchu gritou: Escoteirada, em
trinta minutos mandiocas fritas para tapar a fome!
- “As aves não mais voam... Os peixes não mais nadam... Os
pássaros não mais cantam... As pessoas não mais se amam... Tudo
isso por culpa do homem e a sua maldade... Tudo por culpa do homem e a
sua falta de caridade”!
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