Contos ao
redor da fogueira.
Joviano
Escoteiro também fez sua revolução.
Prólogo: - O Cavaleiro de Itararé. “Chorem senhores da
retaguarda, que a tropa de Itararé está chorando, os comandantes, os soldados”.
Um misto de ódio e pesar. Abriram-se as portas de São Paulo, senhores de São
Paulo! Pudessem elas ser sustentadas com lágrimas“... Uma historia em homenagem
a um Escoteiro na Revolução Constitucionalista de 1932.
Dizem que histórias são
histórias, mas para que servem as histórias? Não são para contar o que
aconteceu ou então florear um fato que poderia ter acontecido? Ninguém pode
contestar Joviano. Se ele foi um fato ou não isto não importa. Ele foi o
primeiro Escoteiro que participou da batalha de Itararé. Um Escoteiro sem
Chefe, sem Monitor e demorou muitos anos para ele formar sua primeira patrulha.
Contaram-me que ele achou na Casa de Dona Helena, sua madrinha um livro
Escoteiro que ele devorou em cinco dias. Demorou, pois lia mal para os seus
onze anos. Sabia que seu pai nunca iria lhe dar o uniforme e sua mãe mesmo
costureira nunca ia fazer. Mas onde arrumar o meião? O chapéu? Lembrou-se de
uma página do livro que dizia – Se quer realizar o que pensa, comece. Tudo
precisa de um começo. Pediu emprestado ao Juca do Nestor a caixa de engraxate.
Ia usar nos dias de semana, pois aos sábados e domingos ele utilizava.
Quando bateu do balcão da Loja
do Senhor Euclides ele tinha um belo sorriso. Saiu de lá com o embrulho do pano
de seu futuro uniforme. Sua mãe riu quando viu, mas não negou a fazer para ele.
Dois dias e ficou pronto. E o lenço? Tinha visto um do seu pai que ele usava
quando foi boiadeiro. Serviu na mosca! Nem imaginou que o Zózimo da vendinha
perto da igreja tinha um meião. Nem cobrou deu a ele de presente. A meninada de
Itararé já sabia o que ele estava fazendo. Muitos também queriam fazer o mesmo
– Ele disse – Faça o uniforme e vai ser da minha patrulha! – Que patrulha é
Joviano? A patrulha Maçarico! Uma patrulha de Baden-Powell. - E quem foi ele? O
criador do escotismo. – E o que fazem os Escoteiros? Joviano riu. Não sabe?
Acampam, correm pelos montes, fazem sinais, transmitem mensagens – Ele vibrava
com isto. Sua casa sempre cheia de meninos para ver o tal livro dos Escoteiros.
Todos os dias depois da aula
Joviano desfilava com seu uniforme na cidade. Garboso, sorrindo, marchando lá
ia ele de rua em rua. Queria cantar uma canção dos Escoteiros, mas viu somente
a letra – Rataplã do arrebol! Ele precisava aprender a musica. Uma tarde
Joviano levou um susto. Um trem chegou cheio de soldados. Todos querendo saber
para que. Seu pai não era muito comunicativo e custou para dizer que eles iriam
defender o Túnel da Mantiqueira que levava a Passa Quatro em Minas Gerais. –
Pai nós estamos em guerra? – Não filho, apenas uma revolução, mas fique
tranquilo, aqui as tropas legalistas não entram! – Ele não sabia o que era
legalista, mas não importava. Logo uma montanha de barraca emergiu no campo do
Machado. Ele no seu uniforme foi para lá. Fez amizade com um praça cujo nome
ele nunca perguntou. Gostava de ver ele todos os dias escrevendo para seus
pais:
- Meu pai e minha mãe,
escrevo da cidade de Itararé. Não se preocupem aqui estamos numa estação de
repouso. Que terra adorável, somos servidos por garotas do outro mundo (não
conte para a Mirtes). Sabemos que somos simples soldados e que sempre somos
levados ao nosso posto de fronteira. Todas as notícias que circulam de Itararé
são falhas. Não temos um ferido sequer. A vida de soldado raso é admirável.
Pouco trabalha e só vive a comer reclamar e tapear os outros. Risos. Um dia
chegou um trem blindado vindo da capital. Joviano correu para ver e ficou
pasmado. Pela primeira vez ele conheceu o Capitão Neco que todos chamavam de
Fantasma da Morte. Ele até esqueceu sua vida de Escoteiro e acompanhava o
capitão para todo o lado.
Mas nem tudo são flores. Os
Legalistas tentaram invadir Cruzeiro e as Tropas Paulistas abriram fogo dentro
do Túnel da Mantiqueira. Joviano ficou de longe espiando o tiroteio. A noite dormiu
em um acampamento de Soldados Paulistas. Foi o Malaquias, um moreno forte quem
contou para ele dos Escoteiros da capital e de Campinas. Ele contou uma
história que o emocionou. Um menino Escoteiro de nome Aldo Cuioratto juntamente
com muitos outros ajudaram as tropas como estafetas. Foi então que Joviano
lembrou uma passagem de seu livro do fundador quando na guerra do Bóer, na
cidade de Mafeking o coronel Baden-Powell usou meninos como estafetas,
almoxarifes e muitas outras atividades.
Joviano pensou no heroísmo de Chioratto e quando soube que ele morrera
em combate chorou. Um choro compulsivo, mas com uma revolta grande. Chamou seus
amigos para fazerem o mesmo que os Escoteiros paulistas faziam. O Capitão Neco
não quis e os mandou de volta. Joviano insistiu e o Capitão deu de ombros. Com
seu uniforme Joviano liderava outros seis meninos. Ficavam até tarde ajudando
os feridos, levando e trazendo mantimentos. No final ele soube que ali no túnel
da Mantiqueira morreram mais de duzentos soldados. A guerra acabou. A cidade
voltou a sua calma. As moçoilas chorando seu amor partir. Joviano foi aclamado
pela cidade como um verdadeiro soldado revolucionário. Do Capitão Neco recebeu
um capacete de aço e uma adaga.
Os anos passaram. As marcas da
revolução ainda sobrevivem e se tornaram pontos turísticos principalmente o
Grande Túnel da Mantiqueira. Joviano agora Chefe Escoteiro se tornou guia
turístico. Ele sempre estava lá junto aos visitantes a dizer: - Só no Grande
Túnel da Mantiqueira eu encontrei duzentos corpos. Acreditava que existiram
outros, porque tem ainda os que moram lá e que tomaram, por exemplo, as balas
perdidas. Em uma trincheira próximo ao túnel mais cinco soldados mortos que
tentei socorrer. Para mim, continuava, nossos soldados foram heróis. Lutaram
com forças quatro vezes maiores. Eles cantavam e sorriam nas trincheiras. Nossa
cidade permaneceu firme apesar de muitas outras a população fugir. Vi caminhões
lotados e vi a metralha das tropas federais. A cidade ficou estarrecida quando
um avião federal sobrevoou a cidade. Muitas pessoas saíram às ruas admirados.
No avião sem saber que havia mulheres e crianças a metralha pipocou deixando
dezenas de mortos.
Joviano viveu até os setenta
anos. Morreu com seu uniforme Escoteiro e deixou no seu Grupo relatos do que
viu e participou. Para ele o Capitão Neco foi o Fantasma da Morte. Nunca se
escondeu da metralha. Sua história que alguns tentam transformar em livro
termina citando o capitão: - Foi
tentando consertar os trilhos e reativar o trem, que um comandante paulista
disse uma das frases mais famosas da revolução. O capitão do
Exército, Manoel de Freitas Novaes, conhecido como Capitão Neco,
comandante das tropas na região tinha a missão de colocar o trem blindado para
andar novamente. "Ele foi com um destacamento, mas os soldados desistiram
no caminho. Contudo, o capitão manteve sua posição. Quando foi cercado pelos
inimigos, foi questionado diversas vezes. Diziam: paulista se renda, e ele
respondia que 'um paulista morre, mas não se rende'. Ali foi ferido e acabou
morrendo em Cruzeiro".
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