Lendas Escoteiras.
Ariranha, um Cão Lobo
inesquecível.
(Uma história baseada em fatos
reais).
Prólogo: - De vez em quando escuto
alguém me dizer: - Para com isso!
É apenas um cão! Ou então... - Mas é muito dinheiro pra se gastar com ele! É
apenas um cão. Estas pessoas não sabem do caminho percorrido, do tempo gasto ou
dos custos que significam "apenas um cão". “Muitos dos meus melhores
momentos me foram trazidos por apenas um cão". O mais altruísta dos amigos
que um homem pode ter neste mundo egoísta, aquele que nunca o abandona e nunca
mostra ingratidão, é o cão.
Aconteceu
há muitos anos atrás. Um fato que ficou marcado em minha vida para sempre. Escoteiro
da Patrulha Lobo corria o ano de 1953. Foi quando apareceu Ariranha, um cão
lobo nas Matas do Quati. Seis dias para ser exato convivemos juntos em um
acampamento de tropa que acontecia todos os anos. Não dá para esquecer, pois
foi nossa terceira Olimpíada Escoteira, e a cada ano elas marcavam época. Idéia
do Munir, um Pioneiro que também tinha a função de Mestre da Banda. Gostava de
ser chamado Maestro Munir. Chefe Jessé relutou, mas a Corte de Honra achou a
ideia esplêndida. Era uma Olimpíada diferente que visava técnicas escoteiras e
nada mais. Sempre acampávamos em uma clareira próxima ao Rio do Morcego, onde
se avistava a bela cachoeira do Sonho. Na época da Piracema era um espetáculo
ver os peixes tentando subir nas corredeiras e pulando sobre as pedras. Se
podia pegar com a mão.
As provas eram divertidas. Só técnicas escoteiras. – Subir em árvores de seis
metros de altura descendo pelo nó de evasão com tempo marcado – atravessar o
rio nadando em dez minutos ida e volta (60 metros). – Fazer vinte e cinco nós
escoteiros ou de marinheiro em seis minutos pendurados de cabeça para baixo em
uma corda – Deixar-se cair da cachoeira (oitos metros) em um tambor vazio de duzentos
litros. – Semáforas e Morse uma prova onde tínhamos grandes sinaleiros. – Montar
um fogo, fazer um café e pão do caçador em oito minutos. – Uma fogueira que
durasse pelo menos uma hora sem ser abastecida. – Cortar uma tora de madeira de
oito polegadas em oito minutos usando só um facão. – Trilha e pista de animais
e tantas outras que deixaram saudades.
O caminhão
da prefeitura nos deixou pela manhã na trilha da mata onde depois se
transformou no Campo de Aviação e que nos levava ao Rio do Morcego. O resto era
a pé. Apenas quatro quilômetros. Adorávamos este acampamento anual. A Patrulha
se preparava meses antes. O troféu pela vitória alcançada não eram medalhas. Podia
ser uma faca Escoteira, um canivete Suíço, uma bússola, distintivos de lapela
com flor de lis, moedas de boa ação. Prêmios que ambicionávamos muito. Cada
Patrulha tinha o seu campo separado da outra mais ou menos por quarenta metros.
As pioneiras eram feitas no primeiro dia, pois no segundo as Olimpíadas
começavam. Lembro que estava fazendo uma fossa para o WC quando avistei
Ariranha. Notei algum diferente. Parecia um lobo Guará, mas tinha o pêlo meio
amarelado e quase sem rabo diferente do lobo cinzento que conhecia bem. Quem
sabe era um cruzamento com um vira-lata qualquer com alguma loba perdida ou
habitante da mata. Ele nunca sentava. Sempre em pé, orelhas para o alto e
olhando sem piscar o que fazíamos. Quando me aproximava ele dava alguns passos
para trás e parava.
Durante
todo o dia ele ficou próximo ao nosso campo de patrulha. Lembro que foi Pedregulho
o intendente quem lhe deu o nome de Ariranha. Porque não sei. À noite quando
íamos dormir ele ficava na entrada do pórtico com se fosse velar nosso sono.
Pela manhã impreterivelmente lá o encontrávamos. Passamos a alimentá-lo e ele
parecia se sentir feliz com a nova família. Durante a realização das provas da
Olimpíada, ele ficava próximo a mim. Uma vez entrando na mata a procura de uma
pista pisei em falso e um enorme corte se fez em minha perna bem abaixo do
joelho. Ele veio até a mim e levei um susto quando ele começou a lamber o
sangue que escorria na perna. Parou na hora. Quando passei a mão em seu pêlo
saltou de lado e tomou distância. Uma noite acordamos com seus latidos. Latia
para uma enorme cascavel que impreterivelmente invadiria nosso campo. Ele a
espantou. Outra vez seus latidos foram mais altos e foi à tarde quando
estávamos tomando banho no córrego da Lagartixa. Desta vez era uma Onça parda.
Fugiu com seus latidos.
Durante os seis dias de campo, Ariranha permaneceu conosco. No último dia no
cerimonial de bandeira Ariranha se colocou ao meu lado na ferradura. Não
esperava por isto. Todos acharam divertida sua pose. Ele não me olhava. Seus
olhos estavam fixos na bandeira Nacional. Devia ter assistido todos os
cerimoniais que aconteceram. Enquanto ela farfalhava ao sabor do vento e descia
dos céus seus olhos acompanhavam. Quando as patrulhas deram o grito ele ficou
no meio e pela primeira vez se deixou abraçar. Foi um espetáculo comovente.
Todos os escoteiros das demais patrulhas vieram também abraçá-lo, pois já era
querido por todas as patrulhas. Ao partirmos ele nos acompanhou até a estrada
onde pegaríamos o caminhão da prefeitura. Ao subir na carroceria ele estava lá
me olhando. Abanando o pequeno rabo ele deu um uivo enorme. Gritante e choroso.
Como se fosse um lobo de verdade se despedindo para sempre. Ainda nos
acompanhou por alguns quilômetros na Estrada de São Raimundo e depois sumiu em
uma curva no meio da poeira.
Foi um retorno triste e comovente. Todos os Escoteiros tinham os olhos
vermelhos e na carroceria do caminhão um silencio choroso. Eu voltei para casa com
os olhos cheios de lagrimas. O uivo de Ariranha me marcou muito. As lembranças
ficaram gravadas para sempre. Chorei por vários dias. Nunca me perdoei por não
trazê-lo comigo, mas meu pai disse que ele era um cão da floresta e não iria se
acostumar na cidade. Chamei o Romildo na semana seguinte e fomos até lá de
bicicleta. Rodamos e rodamos e nem sinal de Ariranha. Nunca mais o vi, mas
nunca mais o esqueci.
Ariranha
ficou marcado em nossa Patrulha Lobo. No nosso livro de Atas ele teve um lugar
especial. Não sei se é fácil explicar como se ama um cão/lobo em poucos dias e
nunca mais o esquece. Não sei mesmo. Até hoje me lembro de Ariranha com
saudades. Histórias são histórias, tem umas que marcam, tem outras que ficam
gravadas em nossa mente para sempre!
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