Lendas Escoteiras.
Era uma
vez... Um chapéu Escoteiro para Cimarron.
(Qualquer
semelhança com escoteiros vivos ou mortos não é mera coincidência).
- Eu tenho minhas
historias preferidas. “Um chapéu Escoteiro para Cimarron” é uma feliz lembrança
de historias Escoteiras nunca esquecidas. Vemos na história o verdadeiro
Espírito de Patrulha, a Lei Escoteira e a Promessa vivenciada no Espírito
Escoteiro. Uma das dez melhores que escrevi. Obrigado.
- A noite chegou e nos
pegou de pronto no Pontilhão da Estrada de Ferro Vitória Minas. Passava da meia
noite. Só Lilico sabia ver as horas nas noites escuras. Lilico era nosso mestre
em orientação, sabia tudo das coordenadas do sol, da lua e das estrelas.
Ficamos na entrada do Pontilhão a quem apelidamos de “esfola Escoteiro”. Tocaiávamos
a passagem do próximo trem de minério e permanecíamos em vigília. Sabiamos que
a qualquer momento o comboio de centenas vagões carregados de pó de minério com
suas quatro locomotivas iria passar. O pontilhão era enorme, quase um
quilômetro sobre o Rio Doce. Tininho olhou para Noka o Monitor. – Acho que
vamos atrasar... – É... Respondeu Noka. Nosso Monitor falava pouco. Mas
entendíamos sempre o que ele queria dizer.
Lilico dormitava despreocupado.
Era quem nos alertaria sobre a chegada do comboio. Parecia que ao dormir se
esquecia de suas obrigações. Não foi a primeira vez que atravessariam o
Pontilhão da estrada de ferro. Se estivessem no meio do caminho e a buzina
tocasse, adeus. Não tinha como fugir ou escapar do comboio, seria morte certa e
para se salvar teríamos que pular nas águas do Rio Doce e perder tudo que tínhamos.
Toliar um marreta sinaleiro sorria brincando com seu cabo trançado nas mãos.
Sempre a fazer um ou outro nó. Era bom nisto. Diziam que fazia de olhos
fechados mais de 50 nós escoteiros e marinheiro. Délio Abelha dormia. Sabiam
que teriam de enfrentar muita coisa pela frente. Não era um marinheiro de
primeira viagem. Pertencia a uma Patrulha de experimentados escoteiros. Todos
sabiam o que fazer.
Lilico de olhos
cemi-cerrados e com ouvidos atentos olhava a curva ao longe onde despontaria o
comboio cujo barulho iria assustar os mais novos. Ainda bem que ali só tinha
bons mateiros. Colocou os ouvidos no trilho. Está chegando gritou! A patrulha
se levantou. Cada um pegou sua biscicleta e suas tralhas. Agora era esperar o
comboio passar. Não tinham medo. Quem sabe seria Nonô o maquinista ou Zé Traíra
que um dia foi sênior da Patrulha Resplendor. Ninguém contava os vagões.
Quantas vezes contaram? Parecia quando Délio Abelha ficava em volta do fogo
olhando para o céu contando estrelas... Uma duas, três e ele sorria dizendo que
eram mais de milhão! Ficaram quase meia hora esperando o comboio passar. Cinco locomotivas
a diesel arrastando o comboio de centenas de vagões que visto do alto do Pico
do Ibituruna parecia uma serpente correndo na beira do rio. Diziam que era o
maior trem do mundo. Quase três quilômetros de extensão. 40.000 toneladas de
minério gemendo nos trilhos daquela ferrovia infernal.
Viram o farol forte do
comboio jorrando facho de luz até onde estavam quando apareceu na curva do
Maribondo. Potente! Iluminava tudo. O maquinista e o seu ajudante sorriram para
eles quando puxavam a potente buzina. A patrulha sorriu. Délio Abelha sabia que
todos sonhavam um dia estar ali, naquelas máquinas infernais, levando minérios
e outros bichos para países do além mar. Quinze minutos até passar as cinco
locomotivas acopladas a centenas de vagões. No ultimo uma vagonete com um
lampião vermelho a querosene aceso viram Nonô no cangote final acenando para
eles.
Atravessaram o
pontilhão com calma sem pressa sabiam que antes do trem chegar a Derribadinha
nenhum outro trem iria aparecer. Melhor que arriscar prender uma perna entre os
dormentes... Um programa de índio. Do outro lado respiraram aliviados. Noka depois
de minutos comentou com a Patrulha: - Acho melhor acampar no campinho de
futebol do Arraial do Lagarto. Esta hora todos estão dormindo e sairemos cedo
para a Serra do Roncador. Chegaremos lá antes das onze e a escoteirada de
Conselheiro Pena já devem estar nos esperando! Deu um suspiro montou e lá foram
eles. Meia hora e chegaram ao campinho.
Nada como estar de bem
com a vida, com as atividades escoteiras tão conhecidas. Vinte minutos e
estavam dormindo nas barracas de duas lonas. Deixaram os chapéus em cima da lona
da barraca para apanhar a brisa da manhã e não perder a aba reta. O sol já surgia
quando acordaram. Levantaram... Estava na hora de partir. Noka viu que o seu
chapéu tinha desaparecido. Os demais estavam como os deixaram. Em volta viram uma
turma de meninos e alguns adultos olhando. Eram moradores do Arraial. Noka perguntou
se ninguém viu seu chapéu. Um menino gritou: - Foi Cimarron quem levou!
Noka perguntou quem era
o Capitão da Cidade. Ele sabia que em qualquer arraial sempre tinha um. –
Procure o Madrepérola. Ele já deve ter acordado, pois tem quatro vaquinhas
leiteiras. Noka montou em sua bicicleta. Os demais o seguiram. A meninada
correndo atrás. O centro nada mais era que um descampado sem grama e empoeirado
com umas cem casas de taipa em volta. Uma plaquinha dizia – Casa do Capitão. Bateram
palmas e a meninada riu. – Vá por trás. Ele está tirando leite da vacada! Os
Escoteiros da Morcego não estavam rindo. Sabiam do valor do chapéu Escoteiro e
como era difícil adquirir um. Viram o capitão abaixado tirando leite. Noka explicou
com poucas palavras. De novo? Respondeu o Capitão. – Cimarron vai aprender. Eu
mesmo vou lhe dar uma lição!
Madrepérola foi junto
com os Escoteiros a casa de Cimarron. Sua mãe estava à porta com o chapéu de
Noka. – Onde ele está dona Efigênia? No quarto Capitão. Não sei mais o que
fazer com esse menino, ela disse. – Chame-o! Cimarron apareceu na porta
chorando. – Conheço seu choro, disse o Capitão. A meninada gritava: Prende ele
Capitão! Tudo para eles era uma festa. No arraial nada acontecia. Noka pegou
seu chapéu. Olhou para Cimarron. Nunca tinha visto menino tão magro e de olhos caídos
com uma tristeza que fazia dó! – Cimarron chorava. Soluçando disse que sonhava
ser um Escoteiro. Viu uma foto na capa do seu caderno Avante! Sabia que nunca seria um no Arraial. Mal tinha
a escola para estudar. Noka se compadeceu. Chamou Délio Abelha e pediu para
arvorar a bandeira nacional. Feito pegou na mão de Cimarron. Venha menino. Você
vai ser Escoteiro! – Formaram uma ferradura pequena. O povo do arraial apalermado
sem saber o que ia acontecer. – A bandeira em saudação! Gritou Noka. Pegou na
mão de Cimarron ensinando. Firme! Descansar!
A patrulha ficou de
sentido. Noka pediu para Cimarron levantar a mão direita. Ensinou a meia
saudação Escoteira. – Repita comigo Cimarron! – Prometo, pela minha honra,
fazer o melhor possivel para: - Cumprir meu dever para com Deus e minha Pátria,
ajudar o proximo em toda e qualquer ocasião e obedecer à lei do Escoteiro! Sabe
Cimarron, um Escoteiro não mente, um Escoteiro é leal, um Escoteiro respeita o
que é do próximo. Agora você é um Escoteiro. Noka tirou seu lenço e o colocou
em Cimarron. Depois pegou seu chapéu e o colocou em sua cabeça. Cimarron
chorava, e como chorava. O povo entusiasmado batia palmas. – Alguém gritou! –
Viva Cimarron um Escoteiro do Brasil! – Os patrulheiros o abraçaram. Arriaram a
bandeira. Pegaram suas bicicletas e partiram. Muitos meninos ainda correndo
atrás.
Pararam na subida da
Onça Pintada. Noka desceu da bicicleta e olhou para trás, viu Cimarron na porta
de sua casa chorando e gritando para eles: - Obrigado escoteiros! Foi o dia
mais lindo da minha vida... E chorava, e chorava... Obrigado. Prometo ser um
escoteiro de valor. Prometo que vão se orgulhar de mim. A patrulha montou em
suas bicicletas e partiram na estrada que os levaria ao seu destino. Antes da
curva da Coruja ainda ouviram ao longe a voz de Cimarron – Voltem um dia
escoteiros, somos agora irmãos. Adeus amigos, adeus! Voltem um dia! Vão
encontrar um Escoteiro Leal e amante da paz!
Ninguém disse mais nada.
Cada patrulheiro sabia o Monitor que tinham. Um orgulho em pertencer àquela
patrulha. Se Cimarron ia mudar ou não, era sua escolha. Uma boa ação foi feita.
A patrulha virou a curva do morro da Coruja. Sumiram na estrada que os levaria
ao seu destino. Eles acreditavam que Cimarron cumpriria sua promessa. Sabiam
que ele aprendeu a raça, a cortesia, o respeito e a fraternidade de um
escoteiro. Na descida da estrada do Cantador, imaginavam que deixaram para trás
um Escoteiro sem tropa, sem patrulha, mas com um imenso amor para dar!
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