Era uma
vez... São Pedro lá do céu!
Uma história,
uma lenda escoteira.
... - Sonhe com aquilo
que você quer ser, porque você possui apenas uma vida e nela só tem uma chance
de fazer aquilo que quer. Tenha felicidade bastante para fazê-la doce.
Dificuldades para fazê-la forte. Tristeza para fazê-la humana. E esperança
suficiente para fazê-la feliz!
- Esta é uma história que me marcou muito. Minha
memória diz que aconteceu, mas muitos amigos daquela época diziam que não foi
bem assim. Menino estudante, Escoteiro, cidade pequena sem nada o que fazer,
corria-se com suas possantes bicicletas nas casas dos amigos escoteiros,
reuniões de patrulha e pensando no próximo acampamento. Era uma festa quando
alguém com peças Escoteiras apareciam na cidade. – De onde? Qual Patrulha? E a
luta para levar para sua casa? São coisas do passado, passado gostoso que ficou
na memória e nem sei se fatos ainda acontecem neste Brasil imenso. Mas vamos às
lembranças. Desculpe se faltar alguma coisa, faz tempo, muito, eu tinha na época
somente 12. Recordações fazem bem e eu tenho muitas para lembrar.
Não me lembro do seu nome. Pudera ele nunca disse,
pois assim como chegou ele partiu. A gente o apelidou de São Pedro, aquele que
mora no céu. Fisionomia igual a que o Padre José nos contava. Uma barba branca
que de tão branca ao ficar ao sol se tornava azulada. Magro, e quem o olhasse
bem de perto diria que era só pele e osso. Será que não se alimentava? Usava
uma roupa simples, calça de brim bem puída e uma camisa caqui com alguns rasgos
no ombro e a marca no bolso esquerdo onde pequena marca mostrava que ali
poderia ter estado o distintivo de promessa. Usava um cinto. Era o nosso
conhecido. Sem sombra de dúvida era um cinto escoteiro. Esquecemos até que em
sua cabeça também morava um chapéu de abas largas, mas que agora decaído, velho,
carcomido e com pequenos furos era apenas uma sombra do que já tinha sido. No
banco que estava sentado havia uma pequena mochila, diferente das que nos
conhecíamos. Nunca vimos o que tinha dentro dela. Sua figura chamava a atenção,
tinha os dentes perfeitos e quando sorria maravilhava a todos. Falava como se
estive declamando poesias tipo aquelas que nosso professor de português
declamava sem sorrir e querendo ser o que ele nunca foi. Um poeta.
Não lembro quem o viu pela primeira vez, sentado no
banco da Praça da Estação. Praça nova árvores recém-plantadas. Dizem que hoje
estão enormes e as palmeiras inigualáveis. Bem não estou aqui para falar da
praça e sim do velhinho de barbas brancas azuladas, ou melhor, São Pedro lá do
Céu. Quando cheguei outros lá estavam. A notícia correu de boca em boca dos
escoteiros e lobinhos da cidade. Gente estranha e com peças Escoteiras era
motivo de jubilo por parte de todos nós. O cinto e o chapéu sem dúvida o
identificava. Em volta daquele simpático velhinho nós pequeninos Lobinhos e
Escoteiros agachados em sua frente de olhinhos arregalados queríamos saber de
tudo. Ele tinha um lindo sorriso e de vez em quando seus olhos fechavam
parecendo que iria dormir. Sonhador Monitor da Águia chegou correndo. Era e
sempre foi nosso porta-voz. As patrulhas confiavam nele. Sabia falar como
ninguém, um proseador que não perdia nunca o fio da meada.
Todos nós esperávamos que nosso acólito trouxesse a
tona e desvendasse o segredo do Chapéu e do cinto que acintosamente aquele
velhinho, ou melhor, São Pedro lá do céu portava. Ao menos a fivela estava
limpa. Não brilhava, mas ainda tinha a cor da originalidade quando produzida. O
chapéu mesmo limpo não mantinha as abas retas e planas. E a calça e camisa com
a promessa? Tinha um semblante que encantava. Sonhador disse que o ouviu falar
que estava com fome. Façamos uma vaquinha! Conseguimos doze paus. Perna Seca e
Orelhudo foram correndo ao bar do Zé Moreno. Voltaram com duas coxinhas, quatro
bolinhos de carne e dois pães. São Pedro lá do Céu comeu com gosto. Educadamente.
Mastigava como se estivesse contando cada mordida. Beleleu levou Narigudo até
sua casa na bicicleta. Voltaram em dez minutos com um cantil cheio de água e
uma garrafinha de groselha. Ele sorria e falava baixinho com Sonhador.
Lá pelas tantas discutimos onde
ele iria dormir. Velho assim era difícil levar para a casa dos vinte e oito
meninos Escoteiros e quinze lobinhos que se amontoaram em sua frente na Praça
da Estação. Seus pais poderiam estranhar. Bororó Monitor da Onça Parda sugeriu
trazer a barraca de duas lonas da chefia e um cobertor do exército que ganhamos
do Batalhão Policial. Na grama atrás do banco a barraca foi armada. Sonhador
disse para ele que podia dormir tranquilo. O Guarda Noturno era o Zé Birosca,
antigo Escoteiro. Ele estava em casa ele disse. Ficamos lá até por volta das
dez da noite. Fui embora pensativo. De onde era? Como chegou? Seria um antigo
Escoteiro ou um Chefe? Dormi pensando e no dia seguinte durante todo tempo de
escola nem vi o que os professores disseram. Queria que as aulas terminassem
para correr até a Praça da Estação.
Encontrei Bico
Doce e Orelhudo conversando. - Ele se foi me disseram. A barraca estava
desarmada e bem dobrada nos moldes Escoteiros. Os espeques limpos e enrolados
em um jornal. Se ele dormiu ali levantou cedo. Antes do alvorecer. Zé Birosca o
Guarda Noturno disse que não o viu ir embora. Seu Nonô Fogueteiro Chefe da
estação disse que o maquinista Zé Be Deu o levou como carona no trem de carga
das cinco da matina. Fiquei decepcionado. Se ele fosse um dos nossos quantas
novidades para nos contar? Sabíamos que nossa fraternidade era enorme, mas só
umas fotos apagadas de uma revista que um viajante nos presenteou e algumas
fotos com dizeres inteligíveis da Enciclopédia Britânica foi que vimos Escoteiros
de outros países. Será que eles seriam iguais a nós?
Na semana seguinte eu e Orelhudo encontramos Zé Be Deu o maquinista. –
Desceu em Crenaque. Disse que iria atravessar o Rio Doce em uma jangada que ele
guardava na Caverna do Morcego. Falou baixinho que iria rever seu amigo o
Cacique Abaeté dos Aimorés do outro lado do rio. Eram amigos há séculos.
Séculos? Pensamos no que disse o maquinista. Perguntamos mais e ele não disse
mais nada. Olhei para Orelhudo que balançou a cabeça. Imortal? Seria ele
realmente São Pedro lá do Céu? Meninos Escoteiros a filosofar. Durante muitos
anos nos Fogos de Conselho e em Conversas ao Pé do Fogo levantávamos a história
de São Pedro lá do Céu. Falou-se tanto que agora para os novos ele era um Santo
Escoteiro. Alguns juravam tê-lo visto nas margens do Rio Vermelho, outros na
Montanha da lua e um sênior afirmou que ele corria em cima das águas nas
corredeiras do Rio Piaba. Ah! As histórias existem, verdade ou não fiquei
sabendo que na Corte de Honra foi votado para ele ser o patrono da tropa.
Porque não?
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