Uma historia
para recordar.
Livres para amar
até na eternidade.
... - Em cada gesto, olhar,
pensamento, cada vez que o coração batia mais forte, as mãos se entrelaçavam, a
felicidade tomava conta, aquela necessidade de estar perto sem nenhuma
cerimônia florescia entre eles... A cada sorriso, sem palavras, noites em
claro, era o amor tão fácil de compreender que não precisa de palavras nem de
nome e sobrenome. Saudosas lembranças do Chefe Tonho e Francisca.
- O sepultamento seria às 17 hs no
Cemitério Jardim da Colina no Bairro Paulo Afonso. Um recado de um amigo do meu
grupo escoteiro. Estive lá uma vez. Sinto-me constrangido quando me obrigo a ir
a um enterro qualquer mesmo de um amigo. Tinha que ir e depois contar sua
história. Maravilhosa, para mim eterna, pois sabia que o Chefe Tonho e sua
Esposa Francisca nunca seriam esquecidos... Jamais! - Era meninote quando soube
que iriam se casar. Não a conhecia e nunca tinha ouvido falar. Foi Calango um
Sênior da Patrulha Estrela do Oriente quem me contou. – Vado Escoteiro, ela é
lelé! Vive sorrindo e não fala! – Não entendi Calango. – É muda Vado, muda! Eu
estava vivendo um amor que ia durar para sempre e achava que entendia todas as
paixões do mundo. Lembrei-me do Chefe Pestana: - Patrulha! – Geralmente aqueles
que sabem pouco falam muito e aqueles que sabem muito falam pouco.
Não era preciso falar para ver a
alegria dos dois. Ele a levou em quase todas as reuniões e acampamentos. Fazia
um banco de lona ou mesmo um tripé com forro de cipó e ela ficava horas olhando
a movimentação das patrulhas. Zé Cristino reclamou com Pai Lilico Chefe do
Grupo que aquilo não era certo. Mas perder o Chefe Tonho? Ele não tinha coragem
e olhe só de olhar sabia que aquele amor seria eterno. A escoteirada a
princípio ficou “matreira”. Muitos achavam que ela podia atrapalhar. Mas era um
fogo apagado depois da chuva que ela surgia com seu jeitinho gostoso de agradar
e acendia virando logo uma fogueira. E quando o Cozinheiro Tibúrcio em vez de
sal meteu açúcar na sopa? Ela tinha um truque de coar e colocar o sal no ponto
certo. Um dois três um punhado. A cada nova leva de escoteiros lá estava ela
querendo agradar. Não falava apenas às vezes gruía, mas sua expressão era
demais.
Eu só fiquei sabendo que ela era
portadora do TEA (transtorno do Espectro Autista) muitos anos depois. E não
foram os chefes do grupo que me contaram. Foi mamãe amiga de Dona Flor que
conhecia a família de Francisca. Sem dinheiro ela quase não pode tratar.
Afirmaram-me que alguém autista pode desempenhar as funções rotineiras com
atividades definidas e repetitivas. Poderia não se dar bem nas atividades
sociais e se interagir com pessoas. Mas o escotismo deu a ela outra vida mesmo não
tendo feito sua promessa.
Já rapaz, pensava por que não. Se ela
ajudava dentro de suas possibilidades não poderia ser promessada? Bem ela nunca
reclamou e nem o Chefe Tonho. Um dia Zequinha vinda dos lobinhos a chamou de
Chefe. Gente! Que sorriso! Lindo demais. Juro por tudo que é santo que quando
tomaram dela a promessa foi o dia mais feliz ade sua vida. Com as mãos em
sinais cantadas em prosa pelo Chefe Tonho ela sorria, seus olhos rasos d’água,
mostraram até que ponto aquela promessa valeu. Nas reuniões a gente nem sentia
que ela estava ali, mas quando faltava era só pergunta: - Por quê? Chefe Tonho,
por favor, onde está Francisca? - Diferente dos apaixonados de hoje não diziam,
amor, querido, te amo, te adoro e tantos mais. Só sorriam um para o outro.
Andavam sim de mãos dadas, firmes, e todos da Rua do Cinema Palácios e do Clube
Ilusão admiravam-se com aquela paixão silenciosa que durou por toda uma vida na
terra. Quando o Chefe Tonho fez setenta anos pediu licença e se afastou. Havia
outros para assumir no seu lugar. Ela também o acompanhou.
Confesso que fiquei surpreso com a notícia.
Calango me telefonou. Vado Escoteiro, Chefe Tonho e Francisca morreram nesta
madrugada. Sozinhos foram encontrados na varanda de sua morada. Branca, portas
e janelas azuis, bromélias, rosas, antúrios e violetas faziam a volta na casa
que vivia sempre florida. Não tiveram filhos. Não sei se o Doutor Ronaldo
aconselhou. Por via das dúvidas levei meu clarim. Se a família dela e dele deixasse,
eu iria tocar o Silêncio, para mostrar em nome da Tropa Escoteira que tanto os
amou quanto seriam lembrados e queridos. Nunca vi tanta gente, tantos
escoteiros. Ninguém gritava, falava alto e em cada rosto um sorriso. Ambos em
seus esquifes sorriam também. Já deviam estar na eternidade, de mãos dadas e
sorrindo... É claro!
Molusco estava com seu clarim, Clodô
também. Iriamos tocar não restava a menor dúvida. Quando ambos baixaram
sepultura o toque dos três pegou todos de surpresa. Todos deram as mãos e
acompanhavam o toque com o corpo prá lá e prá cá... Não sei por que e não
entendo. Eles ficaram para sempre no meu coração. Quando faz aniversário de sua
passagem para outra vida me dá uma saudade enorme. Pego o Meu Clarim, chamo
Clodô e Molusco e embarcamos para o Cemitério Jardim da Colina.
Curiango o Coveiro me garantiu
que já os viu sentados na grama onde foram enterrados de mãos dadas e sorrindo.
Já faz muitos anos que não voltei na Colina. Um cemitério que nunca mais
esqueci. Lá está Molusco que também se foi e Clodô nunca mais ouvi falar. Um
conto resumido, difícil contar tudo que passou. Para quem acompanhou a história
de um grande amor é muito difícil um simples adeus!
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