Contos
ao redor da fogueira.
Nico
Fulgêncio e os Anjos Escoteiros.
... - Os anjos existem e muitas vezes não possuem asas,
então passamos a chamá-los de amigos. Pergunte a Nico Fulgêncio. Ele sabe por quê!
- Olha Senhor Nico
Fulgêncio, vou ser sincero, o senhor já passou dos setenta anos e isto que o
Senhor tem em nossa cidade não podemos fazer nada. Um tumor tomou conta do seu
cérebro e se não tratar em uma cidade grande o Senhor não terá mais que um ano
de vida! – Nico Fulgêncio olhou para o doutor, franziu a testa e não disse
nada. Ele se lembrava quando descansava na Praça Santo Estevão sentiu uma
tontura e quase desmaiou. Devia ter caído e o levaram ao hospital próximo.
Sorriu para o Doutor e foi embora. Há tempos ele sentia esta tontura. Agora
piorou, pois ele caia onde andava. Maria Mercês sua vizinha o olhou com pena. A
Ambulância o trouxera até o barraco na Rua B sem número. Ele sorriu para ela e
entrou em sua morada.
Nico Fulgêncio era negro, magro,
não sabia ler nem escrever. Trabalhou muitos anos de vigia na Fábrica de Doces até
que o mandaram embora. Oito anos desempregado. Não tinha muitos amigos e
através deles ainda sobreviveu com a ajuda que lhe davam. Nico pensou em acabar
com sua vida, mas porque faria isto? Só porque o médico foi honesto? Nico
Fulgêncio tomou uma resolução. Uma sacola e a mochila que Juventino lhe deu colocou
lá as roupas que lhe restavam, uma fronha, um cobertor Velho e uma capa azul
escura que ganhou quando vigia na empresa. Na despensa quase nada, mas ainda
achou um pouco de arroz, feijão, tinha uma carne seca e quatro pães velhos.
Embrulhou tudo e colocou na mochila. Andava sempre com chinelo de dedo e tinha
uma “alpercata” das antigas. Nem fechou a casa. – Donde vai seu Nico Fulgêncio?
– Embora para a cidade grande Dona Maria Mercês. Olhe, o barraco é seu tudo que
encontrar lá também. Nunca mais vou voltar!
Nico Fulgêncio colocou um
boné Velho, e saiu sem se despedir de ninguém. Agora seria um daqueles
andarilhos de beira de estrada que sempre encontramos por ai. Ninguém na cidade
perguntou aonde ia. A cidade o considerava um eterno desconhecido. Quando
partiu era meio dia. Pegou a Estrada para Maceió. Asfaltada. Andou a tarde toda
e já noitinha parou embaixo de um pé de Pequi enorme. A barriga doía de fome.
Viu que tinha arroz e feijão, mas esqueceu da panela. Comeu um bom pedaço da
carne seca e um pão velho e dormiu sob as estrelas. Acordou com o sol nascendo
e partiu. Donato um dia lhe disse que de ônibus a São Paulo eram quatro dias. E
a pé? Ele riu, não era importante. Tinha tempo muito tempo. Eram quatro da
tarde quando avistou uns meninos Escoteiros brincando em volta de umas barracas.
Parou e ficou olhando. Gostava do que via. Ele gostava da alegria do sorriso das
crianças. Um carro da policia parou ao seu lado. Meteram ele lá dentro e o
levaram preso. O acusaram de molestador de menores.
Nico Fulgêncio ficou preso
oito dias. O delegado resolveu conversar com os Escoteiros da cidade e eles
disseram ter visto o andarilho, mas ele não fez mal a ninguém. O soltaram. Pelo
menos ele teve duas refeições na cela. Nico Fulgêncio partiu como tinha traçado
seu destino. Na saída da cidade novos Escoteiros o procuraram. Deram-lhe um
saco de comida. Ele riu. – Preciso de uma pequena panela disse. Um deles em sua
bicicleta partiu em alta velocidade. Pouco tempo depois chegou com a panela.
Partiram dizendo a ele Sempre Alerta! Lá foi ele estrada a fora. Andou até
escurecer. Achou melhor ficar por ali. Nem bem escureceu e surgiu uns
Escoteiros maiores. Eram rapazes cantando estrada a fora. Pararam ao lado dele
para descansar e lanchar. Foi convidado. A vida estava sendo boa com Nico Fulgêncio.
Eles partiram e ele dormiu com a barriga cheia.
Foram quatro meses para
chegar a Maceió. Aprendeu a ganhar comida nas casas que encontrava a beira do
caminho. Aprendeu a viver com o vento e a chuva e teve um dia que achou que sua
hora tinha chegado. Desmaiou e acordou em um pequeno hospital. Em volta dele
duas meninas e quatro meninos Escoteiros. De novo? Eles sorriram e perguntaram
como estava. A enfermeira disse que foram eles que o trouxeram. Dez dias e teve
alta. Os meninos Escoteiros o acompanharam até o final da cidade. De Maceió
chegou a Recife. Bela cidade. Em uma rua viu a meninada escoteira correndo para
sua sede. Ele agora se achava um deles e entrou no pátio, deu Sempre Alerta e
todos responderam. Os Chefes ficaram de olho. Ele contou em uma roda cheia de
meninos e meninas de onde veio e para onde ia. Contou também dos meninos
Escoteiros que encontrou. De novo lhe deram uma mochila cheia de víveres.
Um ano depois Nico Fulgêncio chegou a Belo Horizonte.
Ele sabia agora que aqueles escoteiros foram sua salvação. Por onde passava
sempre encontrava um deles. Parou próximo a Rodoviária e viu muitos esperando a
hora do seu ônibus. Apresentou-se contou sua aventura e recebeu abraços e
saudações. Nunca fora Escoteiro, mas admirava aqueles meninos que sempre
estavam dispostos a ajudar. Pé na estrada e lá foi ele para São Paulo. Oito
meses o andarilho gastou na Fernão Dias. Quando chegava a Guarulhos ficou
estarrecido. Estava escurecendo e viu um homem enorme atacando uma Escoteira.
Ele sabia o que ele ia fazer. Soltou sua mochila e saiu correndo em cima de
malfeitor. Levou um tiro nas costas e outro no ombro. Policiais logo chegaram e
o socorreram depois que a escoteira explicou tudo que aconteceu.
Nico Fulgêncio foi levado ao
Hospital de Guarulhos. Assustou quando viu um enorme contingente de meninos e
meninas Escoteiras. Todos querendo abraçá-lo, pois sabiam do acontecido. O tiro
entrou pelas costas e saiu pela frente. Nico Fulgêncio não correu risco de
vida. O médico gentil que se apresentou como Chefe Escoteiro disse para ele que
mais doze dias poderia ir embora – Parabéns Senhor Nico Fulgêncio, o senhor
está com uma saúde de ferro! Mas Doutor! E o tumor em meu cérebro? – Que tumor
senhor Nico, o senhor não tem nada. Lagrimas correram pelos olhos de Nico
Fulgêncio. Quando saiu o Chefe Wantuil lhe ofereceu um emprego de vigia no
Grupo Escolar onde funcionava a sede. Os meninos e as meninas Escoteiras
bateram palmas e agora ele sabia que tinha muitos amigos que eram anjos sem
asas. Jovens alegres que lhe deram tudo na sua longa jornada.
A
vida de Nico Fulgêncio se transformou para melhor. Ia sempre as reuniões e
participava da bandeira. Deram-lhe um uniforme usado e um belo dia fez a promessa.
Todos que o conheciam sempre ouviam cantar uma canção do Padre Marcelo: “Tem anjos voando neste lugar. No meio do povo e em
cima do altar. Subindo e descendo em todas as direções, Não sei se a igreja
subiu ou se o céu desceu só sei que está cheio de anjos de Deus. Porque o
próprio Deus está aqui”. Nico Fulgêncio não
morreu naquele ano e nem nos que vieram depois. Aquele caminheiro de muitos mil
quilômetros de estrada percorrida, teve a felicidade de ver meninos Escoteiros
que se tornaram seus filhos e seu salvador. Nico Fulgêncio na sua simplicidade
sorriu, e pensou – Os anjos também são Escoteiros! Seja um anjo para
alguém, dê asas à sua vida, mostre a ele quer é possível voar!
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