Contos
de natal.
O
feliz natal da Família Borelli.
Quantos anos ele estava
naquela vida? Dois? Cinco? Dez anos? Ele não sabia mais. O tempo não importava.
Aprendeu a viver com a luz do dia e o brilho das estrelas a noite. Comia dia
sim dia não. Seu corpo era um trapo jogado nas sombras de um viaduto naquela
grande cidade. Na Padaria do Seu Matheus sempre conseguia um pão para comer.
Sua barba cresceu enormemente. Vez ou outra quando chovia ficava em seu calção
velho e desbotado e gargalhava com a cascata que brotava de cima do viaduto.
Era seu banho mensal ou anual... Não lembrava seu nome. O chamavam de Jesus.
Porque nunca soube. Francamente ele nem se lembrava de quem foi Jesus. Apanhou
muito e até tentaram fazer dele uma tocha para alegrar uma rapaziada que sentia
prazer assim.
Esqueceu-se de como chorar
ainda bem que sabia sorrir. Sua pele agora escura pela sujeira e o tempo no sol
nada dizia de seu passado. Um dia vários meninos de uniforme e chapelão pararam
a sua frente no Viaduto Santa Efigênia. – Moço! Queremos ajudar o senhor! Ele
olhou aqueles pivetinhos empertigados na sua apresentação. – Me ajudar? Sorriu.
Era bom sorrir principalmente para meninos que ele tinha na lembrança que um
dia conheceu um. – Moço, hoje é dia da nossa boa ação de Patrulha. Queremos
ajudar. O Chefe nos deu a chave da sede. Se o Senhor quiser poderá tomar um
banho e vamos servi-lo com um lanche que compramos com a nossa mesada. Iremos
dar ao senhor varias roupas usadas para trocar por esta.
- Porque não? Pensou. Nem
lembrava mais quando tomou um banho de sabonete. Uma toalha limpa, uma mesa
para almoçar um pedaço de Peru que a mãe de um deles fez para ele. – Moço,
porque não dorme aqui na sede hoje e amanhã fica para a reunião? – Ele olhou
para aquele menino que fazia um convite que há muitos anos não recebia. Dormiu
em um colchonete e nem reclamou do frio do pátio iluminado. Sentiu-se um rei.
Era bom demais. As pedras jogadas, os chutes da rapaziada, o frio e a chuva que
recebia embaixo do viaduto não aconteceu. Não sabia por que aqueles meninos o
tratavam com tanto carinho. Acordou com um canto de pardais que pensou ter
voltado no tempo. Havia um bosque próximo ao salão da sede. Deu uma volta e uma
angustia enorme percorreu todo seu ser. O que seria?
Viu a algazarra dos meninos
chegando. Eram azuis, outros de chapelão e adultos que ele olhou de soslaio com
medo de ser expulso. Sentiu um calafrio com o grito de vários meninos, uma
lágrima rolou quando viu a bandeira subindo aos céus. O corre-corre, os
pequeninos gritando lobo, o jogo do quebra queixo havia alguma coisa no ar que
ele conhecia. Um Velho de calças curtas se aproximou dele. Um semblante
simpático e amigo. – Olá! Como vai? – O que dizer para ele? A vida dele era
assim, chutado e escorraçado e agora alguém perguntava se ele ia bem? – O velho
chegou mais perto. Olhou seus olhos, tampou sua barba embranquecida, chamou
outro Chefe e falou baixinho em seu ouvido sem ele nada ouvir.
Vieram outros adultos,
começaram a fazer perguntas. – O chamavam de Tiago, da cidade de Ouro Negro.
Ele tinha relances, mas logo sua mente escurecia e ele não se lembrava de nada.
O Velho sorrindo disse para ele ficar a vontade. Agora a sede dos escoteiros era
seu lar. Ele poderia ficar tranquilo, estava no meio de amigos. Telefones voavam
como vento de outono para Ouro Negro. Um corre, corre em pleno sábado véspera
de natal. Vários automóveis pararam em frente à sede e uma senhora desceu de um
veículo correndo até a sede. – Onde ele está? Meu Deus! Tem de ser ele. Quando
o viu não teve dúvidas. O abraçou chorando. Vários outros também o abraçaram. –
Papai! Papai! Ele espantando não sabia o que dizer. Todos choravam não de
tristeza, mas de alegria!
Prologo:
- Em
Ouro Negro Tiago Bernabeu dos Santos era amado e respeitado. Com 32 anos era um
Chefe Escoteiro que todos admiravam. Casou com Nora Amâncio filha do senhor
José Silva Amâncio um próspero fazendeiro que o adotou como filho. Tiago era de
linhagem simples, funcionário da Fábrica Alvarez. Ele e Nora tiveram quatro
filhos uma menina e três meninos. Casou em 1966 e já tinham passado mais de 15
anos desde que ele desapareceu. Tudo aconteceu quando ele e mais seis pioneiros
resolveram escalar a Serra dos Andradas. Ele escorregou em um penhasco e apesar
das buscas por mais de cinco meses seu corpo nunca foi encontrado. O Grupo
Escoteiro de Ouro Negro nunca o esqueceu. De histórias encheram-se as paginas dos
livros de atas e afins.
- Ele
aos poucos tinha lampejos de lembranças e isto o fazia feliz. Conta à lenda que
Tiago ficou ainda muitos anos sem memória e aos poucos ela foi retornando.
Viveu feliz com sua família até o final de sua vida. Nunca pensou que a
felicidade pudesse ser duradoura. A vida que ficou para trás nunca foi motivo de
vergonha ou mesmo de arrependimentos. Foi um aprendizado para seu crescimento
espiritual. Naquele ano de retorno, a família e ele abraçados, foram participar
da Missa do Galo. Tiago chorou. De alegria. Pensou que se não tivesse sido
Escoteiro não teria um final feliz. Olhando Jesus na manjedoura se lembrou de
seu passado. Era como tudo estivesse guardado e voltado para que ele pudesse de
novo renascer!
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