Vale a pena ler de novo.
Joviano Escoteiro também fez sua
revolução.
Dizem que histórias são
histórias, mas para que servem as histórias? Não são para contar o que
aconteceu ou então florear um fato que poderia ter acontecido? Ninguém pode
contestar Joviano. Se ele foi um fato ou não isto não importa. Ele foi o
primeiro Escoteiro que participou da batalha de Itararé. Um Escoteiro sem
Chefe, sem Monitor e demorou muitos anos para ele formar sua primeira patrulha.
Contaram-me que ele achou na Casa de Dona Helena, sua madrinha um livro
Escoteiro que ele devorou em cinco dias. Demorou, pois lia mal para os seus
onze anos. Sabia que seu pai nunca iria lhe dar o uniforme e sua mãe mesmo
costureira nunca ia fazer. Mas onde arrumar o meião? O chapéu? Lembrou-se de
uma página do livro que dizia – Se quer realizar o que pensa, comece. Tudo
precisa de um começo. Pediu emprestado ao Juca do Nestor a caixa de engraxate.
Ia usar nos dias de semana, pois aos sábados e domingos ele utilizava.
Quando bateu do balcão da Loja do Senhor
Euclides ele tinha um belo sorriso. Saiu de lá com o embrulho do pano de seu
futuro uniforme. Sua mãe riu quando viu, mas não negou a fazer para ele. Dois
dias e ficou pronto. E o lenço? Tinha visto um do seu pai que ele usava quando
foi boiadeiro. Serviu na mosca! Nem imaginou que o Zózimo da vendinha perto da
igreja tinha um meião. Nem cobrou deu a ele de presente. A meninada de Itararé
já sabia o que ele estava fazendo. Muitos também queriam fazer o mesmo – Ele
disse – Faça o uniforme e vai ser da minha patrulha! – Que patrulha é Joviano? A
patrulha Maçarico! Uma patrulha de Baden-Powell. - E quem foi ele? O criador do
escotismo. – E o que fazem os Escoteiros? Joviano riu. Não sabe? Acampam,
correm pelos montes, fazem sinais, transmitem mensagens – Ele vibrava com isto.
Sua casa sempre cheia de meninos para ver o tal livro dos Escoteiros.
Todos os dias depois da aula
Joviano desfilava com seu uniforme na cidade. Garboso, sorrindo, marchando lá ia
ele de rua em rua. Queria cantar uma canção dos Escoteiros, mas viu somente a
letra – Rataplã do arrebol! Ele precisava aprender a musica. Uma tarde Joviano
levou um susto. Um trem chegou cheio de soldados. Todos querendo saber para
que. Seu pai não era muito comunicativo e custou para dizer que eles iriam
defender o Túnel da Mantiqueira que levava a Passa Quatro em Minas Gerais. –
Pai nós estamos em guerra? – Não filho, apenas uma revolução, mas fique
tranquilo, aqui as tropas legalistas não entram! – Ele não sabia o que era
legalista, mas não importava. Logo uma montanha de barraca emergiu no campo do
Machado. Ele no seu uniforme foi para lá. Fez amizade com um praça cujo nome
ele nunca perguntou. Gostava de ver ele todos os dias escrevendo para seus pais:
- Meu pai e minha mãe, escrevo da
cidade de Itararé. Não se preocupem aqui estamos numa estação de repouso. Que
terra adorável, somos servidos por garotas do outro mundo (não conte para a
Mirtes). Sabemos que somos simples soldados e que sempre somos levados ao nosso
posto de fronteira. Todas as notícias que circulam de Itararé são falhas. Não
temos um ferido sequer. A vida de soldado raso é admirável. Pouco trabalha e só
vive a comer reclamar e tapear os outros. Risos. Um dia chegou um trem blindado
vindo da capital. Joviano correu para ver e ficou pasmado. Pela primeira vez
ele conheceu o Capitão Neco que todos chamavam de Fantasma da Morte. Ele até
esqueceu sua vida de Escoteiro e acompanhava o capitão para todo o lado.
Mas nem tudo são flores. Os
Legalistas tentaram invadir Cruzeiro e as Tropas Paulistas abriram fogo dentro
do Túnel da Mantiqueira. Joviano ficou de longe espiando o tiroteio. A noite dormiu
em um acampamento de Soldados Paulistas. Foi o Malaquias, um moreno forte quem
contou para ele dos Escoteiros da capital e de Campinas. Ele contou uma
história que o emocionou. Um menino Escoteiro de nome Aldo Cuioratto juntamente
com muitos outros ajudaram as tropas como estafetas. Foi então que Joviano
lembrou uma passagem de seu livro do fundador quando na guerra do Bóer, na
cidade de Mafeking o coronel Baden-Powell usou meninos como estafetas,
almoxarifes e muitas outras atividades.
Joviano pensou no heroísmo de
Chioratto e quando soube que ele morrera em combate chorou. Um choro compulsivo,
mas com uma revolta grande. Chamou seus amigos para fazerem o mesmo que os
Escoteiros paulistas faziam. O Capitão Neco não quis e os mandou de volta.
Joviano insistiu e o Capitão deu de ombros. Com seu uniforme Joviano liderava
outros seis meninos. Ficavam até tarde ajudando os feridos, levando e trazendo
mantimentos. No final ele soube que ali no túnel da Mantiqueira morreram mais
de duzentos soldados. A guerra acabou. A cidade voltou a sua calma. As moçoilas
chorando seu amor partir. Joviano foi aclamado pela cidade como um verdadeiro
soldado revolucionário. Do Capitão Neco recebeu um capacete de aço e uma adaga.
Os anos passaram. As marcas da
revolução ainda sobrevivem e se tornaram pontos turísticos principalmente o
Grande Túnel da Mantiqueira. Joviano agora Chefe Escoteiro se tornou guia
turístico. Ele sempre estava lá junto aos visitantes a dizer: - Só no Grande
Túnel da Mantiqueira eu encontrei duzentos corpos. Acreditava que existiram
outros, porque tem ainda os que moram lá e que tomaram, por exemplo, as balas
perdidas. Em uma trincheira próximo ao túnel mais cinco soldados mortos que
tentei socorrer. Para mim, continuava, nossos soldados foram heróis. Lutaram
com forças quatro vezes maiores. Eles cantavam e sorriam nas trincheiras. Nossa
cidade permaneceu firme apesar de muitas outras a população fugir. Vi caminhões
lotados e vi a metralha das tropas federais. A cidade ficou estarrecida quando
um avião federal sobrevoou a cidade. Muitas pessoas saíram às ruas admirados.
No avião sem saber que havia mulheres e crianças a metralha pipocou deixando
dezenas de mortos.
Joviano viveu até os setenta
anos. Morreu com seu uniforme Escoteiro e deixou no seu Grupo relatos do que
viu e participou. Para ele o Capitão Neco foi o Fantasma da Morte. Nunca se
escondeu da metralha. Sua história que alguns tentam transformar em livro
termina citando o capitão: - Foi tentando consertar os trilhos e
reativar o trem, que um comandante paulista disse uma das frases mais famosas
da revolução. O capitão do Exército, Manoel de Freitas Novaes, conhecido
como Capitão Neco, comandante das tropas na região tinha a missão de colocar o
trem blindado para andar novamente. "Ele foi com um destacamento, mas os
soldados desistiram no caminho. Contudo, o capitão manteve sua posição. Quando
foi cercado pelos inimigos, foi questionado diversas vezes. Diziam: paulista se
renda, e ele respondia que 'um paulista morre, mas não se rende'. Ali foi
ferido e acabou morrendo em Cruzeiro".
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