quarta-feira, 24 de maio de 2017

A cruz do meu destino.


Lendas Escoteiras
A cruz do meu destino.

                    Quando fiz quinze anos ainda tinha esperanças, sonhos e acreditava no mundo bom e na Tropa Sênior encontrei muitos amigos. Dizem que precisamos ter sorte na vida para ela nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Acreditava em escolhas, pois estas decidem nosso destino. Afinal minha mãe sempre dizia que livro arbítrio todos temos, mas saber o caminho certo era preciso cair muitas vezes para aprender. Fiquei três anos como escoteira. Quando fiz a promessa chorei. A emoção era demais. Jurei para mim mesmo que iria seguir a lei escoteira custe o que custasse. Nunca repeti de ano, boa aluna e tinha uma plêiade de amigos escoteiros que achava seriam para sempre. A vida da voltas eu sei. Venâncio apareceu em minha vida. Menina escoteira me entreguei a ele. Todos diziam que aquela não era minha vida, Venâncio com seus 22 anos nunca seria meu príncipe encantado.

                     Não sei se ele foi o culpado de tudo. Afinal eu mesmo menina com quinze anos, Monitora da Tigre devia saber onde pisar mesmo sabendo que é errando que aprendemos. Chefe Leonor me deu tantos conselhos que passei a não ouvir mais. Minha mãe desesperada adoeceu e um dia a internaram em uma casa de repouso. Disseram-me que era para sempre. Venâncio me acalentou. Disse que eu não preocupasse. Ele seria meu esteio para toda a vida. Um dia descobri que estava grávida. Venâncio franziu a testa e insistiu que eu fizesse aborto. Não fiz. Venâncio sumiu da minha vida. Foi Franciele quem me deu apoio. Sub Monitora sempre fomos grandes amigas. – Vamos enfrentar juntas ela disse.

                     Já estava no sexto mês de gravidez. Ramirez apareceu em minha vida. Não sei explicar como. Convidou-me para fumar o baseado. Insistiu tanto que experimentei. Tossi muito, mas este primeiro foi o começo de tudo. Não sei se Ramirez era um ingênuo ou uma má companhia. Descobri depois que era traficante e eu o ajudava. A Lei do Escoteiro que um dia jurei em cumprir foi esquecida. Meus amigos e irmãos escoteiros ficaram no passado. Lembranças dos acampamentos, das excursões dos jogos dos sorrisos quando caiamos na lama da estrada foi esquecido. Não ia mais a escola, A Chefe Leonor tudo fez para me ajudar, mas eu não queria ouvir. Um dia me disse que estava suspensa. Aproveitasse para colocar a cabeça no lugar e pensar o que estava fazendo da minha vida.

                     Ricardo nasceu sem eu saber. Tanto drogada que nem vi me levaram para uma casa vazia e lá outros drogados fizeram o parto. Até hoje não sei onde meu filho ele foi parar. Era perita em usar a seringa. Nunca me preocupei quanto custava meu vício. Meu corpo era o caixa eletrônico que eu nunca tive. Lico Boca Torta drogado como eu me ajudava. Um dia contei para ele meu passado, o escotismo que amei e minha promessa que não cumpri. Ele era bom ouvinte. Rosangela apareceu em minha vida. Assistente Social tentou me convencer a me internar. – Joelma, a Cracolândia é como um cemitério de mortos vivos. Tente, faça força, você pode recomeçar.

                    Eu sabia que a droga estava me matando. Sabia que os traficantes só queriam dinheiro. Como reagir? Não entendia o que Rosangela queria dizer. Foi então que Deus apareceu em minha vida. Rosangela um dia me procurou com o uniforme escoteiro. Chorei. – Você é Chefe? Ela sorriu. Abraçou-me. Cantou para mim canções que há tempos não ouvia. Cantou o Stoldola, a Arvore da montanha e A canção da Promessa que me fez chorar copiosamente. Minha mente não sabia o que pensar. Se eu morresse ali, sabia que ninguém se importaria. Não tinha mais vida, não tinha família, não tinha amigos. Era uma maldita prostituta drogada sem futuro. Agora um anjo escoteiro queria me ajudar. Minha mente não sabia o que dizer.

                   Rosangela todos os dias ia me visitar. Ficávamos juntas conversando. Trazia comida que não paravam mais em meu estomago. Pesava menos de 45 quilos. Estava pele e osso. Ela trazia roupas que eu vendia, trazia comida que eu trocava em troca do crack. Ela nunca desistiu. Um dia me disse que errar era humano persistir no erro era burrice. Olhou-me, me abraçou e disse: - Não vou mais insistir com você. Pela última vez quer ir comigo? Lembrei-me daquele fogo de Conselho onde o Chefe Mano contou aquela história de Mariana que soube dar a volta por cima. Fui com ela para uma clinica. Exigiam muito. Pensei em fugir, mas Rosangela sempre ao meu lado. Não foi fácil. Meu corpo tremia febre alta, garganta seca, estava sendo envenenada e não sabia.                                         

                  Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava longe de alcançar o ideal para me curar. Rosangela era incansável. Um dia uma surpresa. Norma, Daiana, Flores e Rebeca vieram me visitar. Foram da minha patrulha e estavam de uniforme. Chorei demais. Precisava dar um rumo a minha vida. Precisava recomeçar. Nunca perdi a fé, a vontade de vencer e cumprir a Lei voltou. Afinal eu devia fazer o Melhor Possível e isto não era tão difícil. Dois anos depois me senti curada. Rosangela conseguiu um emprego para mim como vendedora em uma loja. Ainda não voltei para o grupo de Escoteiros. Sei que não serei aceita por todos. A fama de drogada não é fácil de tirar.


                    Conheci Murilo e nos casamos. Não foi amor à primeira vista. Quem sabe a espiritualidade o mandou para me ajudar a caminhar novamente. Nunca mais soube onde andava o filho que perdi. Não digo que recuperei de tudo. Noêmia nasceu para alegrar a nossa vida. Vez ou outra visito o grupo de Escoteiros. Tanto tempo se passou que poucos ainda se lembram do que eu passei. Ainda rezo pelos amigos da Cracolândia com que convivi por tantos anos. Pensei em voltar lá e tentar ajudar um ou outro. Mas tenho medo. Sei que não é fácil abandonar o vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua suprema bondade irá amparar a todos. Agora tento uma nova vida. Um novo recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta é a lei!


Um conto de ficção sobre o vício das drogas. Quem sabe um alerta para nossos jovens e uma viagem no mundo dos traficantes que residem em pontos escolhidos na cidade. Não espere um final feliz. Não espere que tudo seja apenas um conto de fadas sem o dedo do lado mau de Merlin. A vida não é justa, mas é nós quem decidimos para onde vamos. Não leia se espera uma história adocicada com açúcar de cristal.

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