Lendas Escoteiras
A cruz do meu destino.
Quando fiz quinze anos ainda tinha esperanças, sonhos e acreditava no
mundo bom e na Tropa Sênior encontrei muitos amigos. Dizem que precisamos ter
sorte na vida para ela nos sorrir sempre. Nunca acreditei nisso. Acreditava em
escolhas, pois estas decidem nosso destino. Afinal minha mãe sempre dizia que livro
arbítrio todos temos, mas saber o caminho certo era preciso cair muitas vezes
para aprender. Fiquei três anos como escoteira. Quando fiz a promessa chorei. A
emoção era demais. Jurei para mim mesmo que iria seguir a lei escoteira custe o
que custasse. Nunca repeti de ano, boa aluna e tinha uma plêiade de amigos
escoteiros que achava seriam para sempre. A vida da voltas eu sei. Venâncio
apareceu em minha vida. Menina escoteira me entreguei a ele. Todos diziam que
aquela não era minha vida, Venâncio com seus 22 anos nunca seria meu príncipe
encantado.
Não sei se ele foi o culpado de tudo. Afinal eu mesmo menina com quinze
anos, Monitora da Tigre devia saber onde pisar mesmo sabendo que é errando que
aprendemos. Chefe Leonor me deu tantos conselhos que passei a não ouvir mais.
Minha mãe desesperada adoeceu e um dia a internaram em uma casa de repouso. Disseram-me
que era para sempre. Venâncio me acalentou. Disse que eu não preocupasse. Ele
seria meu esteio para toda a vida. Um dia descobri que estava grávida. Venâncio
franziu a testa e insistiu que eu fizesse aborto. Não fiz. Venâncio sumiu da
minha vida. Foi Franciele quem me deu apoio. Sub Monitora sempre fomos grandes
amigas. – Vamos enfrentar juntas ela disse.
Já estava no sexto mês de gravidez. Ramirez apareceu em minha vida. Não
sei explicar como. Convidou-me para fumar o baseado. Insistiu tanto que
experimentei. Tossi muito, mas este primeiro foi o começo de tudo. Não sei se
Ramirez era um ingênuo ou uma má companhia. Descobri depois que era traficante
e eu o ajudava. A Lei do Escoteiro que um dia jurei em cumprir foi esquecida.
Meus amigos e irmãos escoteiros ficaram no passado. Lembranças dos
acampamentos, das excursões dos jogos dos sorrisos quando caiamos na lama da
estrada foi esquecido. Não ia mais a escola, A Chefe Leonor tudo fez para me
ajudar, mas eu não queria ouvir. Um dia me disse que estava suspensa.
Aproveitasse para colocar a cabeça no lugar e pensar o que estava fazendo da
minha vida.
Ricardo nasceu sem eu saber. Tanto drogada que nem vi me levaram para
uma casa vazia e lá outros drogados fizeram o parto. Até hoje não sei onde meu
filho ele foi parar. Era perita em usar a seringa. Nunca me preocupei quanto
custava meu vício. Meu corpo era o caixa eletrônico que eu nunca tive. Lico
Boca Torta drogado como eu me ajudava. Um dia contei para ele meu passado, o
escotismo que amei e minha promessa que não cumpri. Ele era bom ouvinte.
Rosangela apareceu em minha vida. Assistente Social tentou me convencer a me
internar. – Joelma, a Cracolândia é como um cemitério de mortos vivos. Tente,
faça força, você pode recomeçar.
Eu sabia que a droga estava
me matando. Sabia que os traficantes só queriam dinheiro. Como reagir? Não
entendia o que Rosangela queria dizer. Foi então que Deus apareceu em minha
vida. Rosangela um dia me procurou com o uniforme escoteiro. Chorei. – Você é
Chefe? Ela sorriu. Abraçou-me. Cantou para mim canções que há tempos não ouvia.
Cantou o Stoldola, a Arvore da montanha e A canção da Promessa que me fez
chorar copiosamente. Minha mente não sabia o que pensar. Se eu morresse ali,
sabia que ninguém se importaria. Não tinha mais vida, não tinha família, não
tinha amigos. Era uma maldita prostituta drogada sem futuro. Agora um anjo
escoteiro queria me ajudar. Minha mente não sabia o que dizer.
Rosangela todos os dias ia me visitar. Ficávamos juntas conversando.
Trazia comida que não paravam mais em meu estomago. Pesava menos de 45 quilos.
Estava pele e osso. Ela trazia roupas que eu vendia, trazia comida que eu
trocava em troca do crack. Ela nunca desistiu. Um dia me disse que errar era
humano persistir no erro era burrice. Olhou-me, me abraçou e disse: - Não vou
mais insistir com você. Pela última vez quer ir comigo? Lembrei-me daquele fogo
de Conselho onde o Chefe Mano contou aquela história de Mariana que soube dar a
volta por cima. Fui com ela para uma clinica. Exigiam muito. Pensei em fugir,
mas Rosangela sempre ao meu lado. Não foi fácil. Meu corpo tremia febre alta,
garganta seca, estava sendo envenenada e não sabia.
Com uma semana diminuiu um pouco aquela vontade louca de me drogar. Mas estava
longe de alcançar o ideal para me curar. Rosangela era incansável. Um dia uma
surpresa. Norma, Daiana, Flores e Rebeca vieram me visitar. Foram da minha
patrulha e estavam de uniforme. Chorei demais. Precisava dar um rumo a minha
vida. Precisava recomeçar. Nunca perdi a fé, a vontade de vencer e cumprir a
Lei voltou. Afinal eu devia fazer o Melhor Possível e isto não era tão difícil.
Dois anos depois me senti curada. Rosangela conseguiu um emprego para mim como
vendedora em uma loja. Ainda não voltei para o grupo de Escoteiros. Sei que não
serei aceita por todos. A fama de drogada não é fácil de tirar.
Conheci Murilo e nos casamos. Não foi amor à primeira vista. Quem sabe a
espiritualidade o mandou para me ajudar a caminhar novamente. Nunca mais soube
onde andava o filho que perdi. Não digo que recuperei de tudo. Noêmia nasceu
para alegrar a nossa vida. Vez ou outra visito o grupo de Escoteiros. Tanto
tempo se passou que poucos ainda se lembram do que eu passei. Ainda rezo pelos
amigos da Cracolândia com que convivi por tantos anos. Pensei em voltar lá e
tentar ajudar um ou outro. Mas tenho medo. Sei que não é fácil abandonar o
vicio. Muitos já terão morrido. Outros irão morrer logo. Sei que Deus na sua
suprema bondade irá amparar a todos. Agora tento uma nova vida. Um novo
recomeço. Pois assim é a vida. Nascer, viver, morrer. Nascer de novo, pois esta
é a lei!
Um
conto de ficção sobre o vício das drogas. Quem sabe um alerta para nossos
jovens e uma viagem no mundo dos traficantes que residem em pontos escolhidos
na cidade. Não espere um final feliz. Não espere que tudo seja apenas um conto
de fadas sem o dedo do lado mau de Merlin. A vida não é justa, mas é nós quem
decidimos para onde vamos. Não leia se espera uma história adocicada com açúcar
de cristal.
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