Lendas
Escoteiras.
“Tomate”.
Ele me ligou às duas da
madrugada. Acordei assustado. Quem liga a esta hora? Pensei logo no pior. –
Alô! Vado Escoteiro? – Eu mesmo respondi me preparando para ouvir o que
aconteceu. – É tomate! Lembra-se de mim? Minha mente ainda entorpecida pelo
sono rebuscava no passado quem era ele. Lembrei. Da minha patrulha, Tomate o
Construtor de Pioneiras. – Uai! Ainda está vivo? Perguntei sem muita vontade
rir. – Sou eu mesmo Vado Escoteiro. Estou em Porto Principe, no Haiti
embarcando para São Paulo e me lembrei de você. Posso fazer uma visita? – Claro
que sim Tomate. Ele riu quando o chamei de Tomate. – Dei para ele meu endereço
e pedi para me ligar no aeroporto que eu ia busca-lo. – Vado, não precisa uma
viatura do exercito vai ficar a minha disposição.
Fui dormir antes de a
Celia me perguntar quem era. – Amanhã conto. Era um antigo Escoteiro da minha
Patrulha. – Deitei e minha mente viajou no tempo para lembrar-se de Tomate.
Ainda o vejo. Era o segundo Escoteiro da patrulha Lobo. Construtor de
Pioneirías. Naquela época a formação era pelos cargos de patrulha. Alguns eram
os primeiros outros não, mas todos aceitavam normalmente. Tomate tinha fama.
Muita fama. Manuseava com maestria um facão, uma enxada, um enxadão ou mesmo um
serrote seja lá o que for. Matemático tinha todo o corpo com medidas e isto
evitava levar fita métrica ou outro badulaque. – Buldogue, me ajude a cortar
esta tora. Está com oito centímetros a mais do que precisamos! Buldogue era o
Bombeiro-lenhador.
Uma vez estive em sua casa
e no quintal ele construiu um barracão igualzinho àquelas cabanas feitas no
interior dos Estados Unidos. Tudo feito à mão com troncos de eucaliptos que o
Zeferino dono da Fazenda Mata fria lhe deu. Encaixe perfeito. Quase não usou
prego e nem embira ou cipó. (sisal para nós era coisa de rico). Na cabana ele
guardava sua tralha e seu material de sapa. Tinha de tudo. Em uma bancada ele
tinha dois martelos, várias brocas de madeira, um martelo de estofador outro de
orelha, dois alicates, duas limas morsa, uma turquês uma enxó, dois facões,
duas facas de açougueiro, um esquadro de madeira, serra
de Marceneiro, também conhecida como serra de costinha ou serra de faca
e uma mundial que ele levava no cinto. Lembrei-me da segueta (serra de arco).
Não me esqueci do conjunto de formões, neste
caso, os Bailey, da Stanley. Realmente Tomate estava mesmo preparado para
qualquer tipo de pioneira.
O que me chamou atenção
mesmo foi o Serrote de Traçador, próprio para serrar toras de qualquer
diâmetro. Já tinha usado um uma vez, mas era um verdadeiro Pata-Tenra na arte.
Enumerar as pioneirías construídas por Tomate levaria horas. Artimanhas,
engenhocas para ele não tinha segredo. Fazia uma mesa no campo para sete ou
oito escoteiros em duas horas e olhe já com o toldo. Ajudava o cozinheiro nos
diversos tipos de fogão de barro além de fornos improvisados. Uma vez ele
construiu uma torre de observação e tinha ate elevador fácil de manejar. Em um
acampamento ele achou que poderia construir uma casa de Tarzan e não desistiu.
Foi em Derribadinha próximo ao Rio Doce. Sei que ficou lá e durou anos.
Agora quase 50 anos depois
ele aparece. Uma semana depois me ligou me pedindo o endereço. Chegou em minha residência
em SUV da Toyota dirigida por um tenente. Tenente? Isto mesmo, Tomate agora era
um General quatro estrelas. Não mudou nada, só ficou velho. Já devia ter
aposentado do exercito. Efusivo na saudação militar fiz o mesmo. Cascos batidos,
corpo ereto, saudação nos trinques. Depois uma gargalhada seguida de um abraço.
Apresentei-o a Célia. Ele disse: Já nos conhecemos. Lembro quando começou a
namorar o Vado Escoteiro. Vida longa ao casal. Minha esposa me deixou e foi
para uma estrela no céu. Tenho três filhos todos homens. Entramos em minha
residência.
Ficamos toda tarde e até
uma da manhã conversando, lembrando dos velhos tempos. Risadas, piadas, até
mesmo lágrimas derramadas quando lembramos do Romildo o Guia da Tropa partiu
para uma estrela no céu. Ele não falou muito dele. Ele lembrava de todo mundo,
Chico, Miranda, Narigudo, Fumanchu e até mesmo de outros escoteiros das
Patrulhas Gavião e Morcego. Não era fanfarrão. Simples, alegre simpático
mostrou ser sempre aquele segundo Escoteiro da patrulha lobo. – E então tomate
e as pioneirías? - (o tenente que o acompanhava, contou que ele era conhecido
como General Aragão). Levantou e disse ao Tenente: Conte para ele em Porto
Principe após o terremoto que fizemos, mas conte a verdade!
Tomate foi embora me
dando um abraço que achei que iria me quebrar ao meio. Vi nele uma lágrima
rolando na face. Um General com sentimentos? Sim um General Escoteiro que foi e
nunca deixou de ser um. Nunca mais me telefonou, nunca mais soube onde estava,
nem mesmo me disse onde morava. Em uma tarde o tenente me procurou em casa; -
Vado Escoteiro, O General me mandou entregar esta carta. Não escreveu e nem
telefonou porque estava em Patrulha no Rio Xingu em Altamira. Ficou meses
próximo a Usina de Belo monte e na Rodovia Transamazônica. Pegou febre amarela
e ficou internado por meses por causa da idade. Morreu semana passada. Antes me
pediu para lhe entregar esta carta!
Eu já recebi milhares de
cartas de amigos escoteiros, a do Tomate foi demais. Eu e Célia choramos com
muitas partes escritas e em outras rimos a valer. O que ele escreveu fica
guardado em minha mente. Amigos escoteiros são assim, nos surpreendem com
situações incríveis e que nos marcam para sempre!
Nada de excepcional este conto. Tomate
foi meu amigo. Não sabia que agora era um oficial do Exercito. General quatro
estrelas. 50 anos depois me achou e disse que queria me encontrar. Porque não?
Nunca e demais rever amigos que um dia nos fizeram felizes. Abraços fraternos a
todos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário