sexta-feira, 19 de maio de 2017

Sombras de um destino.


Lendas Escoteiras.
Sombras de um destino.

            Chico Preto morava em baixo do Viaduto Monterrey. Alguém perguntou para ele se ele sabia o que era Monterrey. Chico Preto não sabia. Achou que podia ser um famoso brasileiro do qual nunca ouviu falar. Tamanduá seu amigo sorrindo lhe disse: Chico, Monterrey era a capital de um país chamado México! – Não era, mas Chico Preto deu de ombros e sorriu para seu amigo. Com 32 anos nas costas Chico era um ingênuo. Não lembrava porque morava ali, muitos o chamavam de sem teto, mas ora bolas, ele tinha um teto, o viaduto era sua casa seu lar. Ganhou de uma moça da prefeitura uma carrocinha. Era seu pedaço de chão. Rodava bairros, ruas e todos lhe davam um pouco do seu lixo especial. Chico Preto sorria, ajoelhava e dizia: Dona, que Deus more sempre em seu coração. Chico Preto tinha um sonho, ele sorria e sonhava mesmo sabendo que nunca iria se realizar. Ele queria ser Chefe Escoteiro, ser como o Doutor Jonny no seu uniforme novinho, fazendo a meninada correr prá todo lado. Todo sábado Chico Preto com sua carroça ia correndo até o Colégio Santo Ângelo. Bom demais. Ficava lá, olhando, sorrindo e pensando que um dia poderia ser um deles.

           Ralph Nelson era Escoteiro. Um escoteirinho de nada. Pequeno magro, mas que belo sorriso ele tinha. Seus amigos e conhecidos o admiravam pelo sorriso. Sua mãe sempre lhe dizia que não existe problema que não possa ser solucionado pela paciência. Cada dia que amanhece assemelha-se a uma página em branco, na qual gravamos os nossos pensamentos, ações e atitudes. Na essência, cada dia é a preparação de nosso próprio amanhã. Ralph acreditava demais em sua mãe. Não eram ricos, mas remediados. Conseguiu uma bolsa no Colégio Santo Ângelo pelo seu enorme saber. Ser lobinho foi um pulo. Todos o adoravam pela sua ingenuidade, pela facilidade em fazer amigos e pelo seu belo sorriso. Ele dizia sempre para si que devia sempre deixar um pouco de alegria por onde passasse. Na Patrulha Esquilo, era bombeiro lenhador. Adorava acampar. Não perdia uma reunião e era o primeiro a chegar e o último a sair. As palavras de sua mãe não lhe saiam da mente: - Meu filho a caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma. Um dia Ralph notou um homem pobre, negro, aboletado no muro do Colégio a olhar para eles e sorrir, Ralph pensou: - Que belo sorriso!

                     Chefe Lontra, ou melhor, Doutor Jonny era aristocrático. Sempre foi Escoteiro, mas mantinha seu porte altivo sabedor de sua importância. Conversava, mas sem se expor demais. De família rica e importante na cidade aprendeu desde pequeno a não se misturar com a plebe, e nunca foi um homem bom com os simples, os pobres e os remediados.  Aprendeu que em um dia de crise, não devia se perturbar seguir em frente, e se possivel servir e orar esperando que suceda o melhor. Havia mais nesta frase que dizia: Queixas, gritos e mágoas são golpes em ti mesmo. Silencia e abençoa, a verdade tem voz. Mas ele só dizia a primeira parte. Achava que como Chefe era um bom cristão. Formou-se em Medicina e como bom clinico tinha fama entre os abastados. Nunca deu uma consulta de graça e os que o procuram pagavam com alegria seus conselhos. Tinha bons contatos com a alta cúpula Escoteira. Fora convidado muitas vezes para interagir com eles ou mesmo ser um deles. A falta de tempo o impedia. Já tinha conquistado a Insígnia e se achava satisfeito com sua tarefa atual.

                 Dizem os historiadores que a tragédia nunca foi bem explicada. Ralph o Escoteiro feliz fez amizade com Chico Preto, se tornaram bons amigos. Ensinou a ele as Leis Escoteiras e Chico decorou. Ensinou sinais de pista, nós e orientação. Disse que um dia iria tomar a sua promessa. Chico Preto se sentia o homem mais feliz do mundo ali na companhia daquele escoteirinho a quem passou a amar como um amigo fiel que nunca teve.  Pensou para sim mesmo que era hora de largar qualquer sombra do passado no chão do tempo, qual a árvore que lança de si as folhas mortas. Iria ser outro. Iria estudar, ser alguém e com a ajuda de Ralph seria um Chefe Escoteiro. Afinal aquela frase não o abençoava? – Infelizmente a felicidade dura pouco e cada um tem de viver seu destino. Completando seu pensamento que Deus permita a todos serem como quiserem, e a mim como devo ser.

                Chefe Lontra no seu Mustang vermelho estava indo para ver sua noiva Isadora. Ele não sabia se amava aquela mulher. Mas ela lhe fazia bem e lhe dava paz e alegria. A sabedoria superior tolera, a inferior julga; a superior perdoa, a inferior condena. Tem coisas que o coração só fala para quem sabe escutar! Ele não acreditava no que via na Rua do Perdão. – Sentado na calçada Ralph e aquele pobretão! Como o chamavam mesmo? Chico Preto um sem teto sem eira e nem beira. Isto não podia acontecer. Um rancor enorme em seu coração. Um Escoteiro puro com alma de criança sendo seduzido por um negro bandido e sujo! Ele nem se lembrou das lindas palavras que um dia ouviu: - Perdoa agora, hoje e amanhã, incondicionalmente. Recorda que todas as criaturas trazem consigo as imperfeições e fraquezas que lhe são peculiares, tanto quanto, ainda desajustados, trazemos também as nossas. Não ia interferir. Não ia sujar suas mãos naquele negro imundo. Ligou para Belzebu. Ele lhe devia favores e sabia com fazer.
               
                 Que eu não perca a vontade de doar este enorme amor que existe em meu coração, mesmo sabendo que muitas vezes ele será submetido a provas e até rejeitado. Chico Preto sorria pensando que amar a todos era o mais sublime dos artigos Escoteiros. Sonhava em fazer uma promessa. Iria prometer mesmo com uma vontade enorme de doar seu coração a toda à fraternidade Escoteira.  Ele aprendeu que ninguém quer saber o que fomos o que possuíamos que cargo ocupávamos no mundo; o que conta é a luz que cada um já tenha conseguido fazer brilhar em si mesmo. Foram cinco estampidos. Todos atingiram seu alvo. O coração de Chico Preto. Ele sorrindo caiu no asfalto ensanguentado. Ele sabia que tinha morrido. O que viu não o assustou. O céu azul, nuvens lindas indo em sua direção. A canção da Despedida que Ralph um dia ensinou a ele era cantada maravilhosamente por muitos meninos e meninas Escoteiras. Alguém de Barbas Brancas lhe deu a mão e subiram aos céus para o reino de Jesus.

                  A história conta que Ralph nunca mais sorriu. Só voltou a sorrir no dia que foi encontrar Chico Preto em uma estrela cadente no céu. Doutor Jonny dizem morreu de desgosto. Não pela morte de Chico Preto, mas pela tristeza de Ralph. Viu seu escoteirinho definhar até que um dia partiu deste mundo e pela primeira vez sua mãe, seus amigos de patrulha e todos do Grupo Escoteiro o viram sorrir. Nada como terminar dizendo: - Gostaria de dizer para você que viva como quem sabe que vai morrer um dia, e que morra como quem soube viver direito. A caridade é um exercício espiritual... Quem pratica o bem, coloca em movimento as forças da alma.


Nota – Muitas das frases aqui citadas foram escritas por Chico Xavier.

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Era uma vez... Em uma montanha bem perto do céu...

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