Lendas Escoteiras.
Topázio.
O trem noturno deslizava lentamente pelas montanhas e vales do Rio das
Sombras. Topázio de olhos fechados não dormia. Nem apreciava a paisagem que
descortinava pela janela escura sem lua e com milhares de estrelas brilhantes
no céu. Desistira de pensar e de sonhar. Uma vida que nunca deu valor. Vivia
por viver e nada mais. O que poderia esperar? Acreditar nestas velhas frases de
autoajuda que devemos tentar sempre e não desistir? Um dia ele sonhou acreditou
mesmo que teria o que queria e que sempre pensou em ter. Uma família, uma
mulher amada, filhos um trabalho honesto. Onde ficaram seus sonhos? Qual
estrada não tinha a ponte para ligar o sonho à realidade?
Um som inaudível veio através da janela do vagão de segunda classe.
Sentiu que o trem se aproximava de uma estação. Quem poderia cantar tão harmoniosamente
naquele fim de mundo? Bem que o trem fizesse o que deveria fazer. Recolher aqui
e ali os viajantes sem destino ou com passagem só de ida. Quando o trem parou
viu que o cantarolar era de uma jovem com uma voz maravilhosa. Seus olhos e
ouvidos ficaram alerta para tentar saber quem era a jovem que atraiu sua curiosidade.
Na estação uma luz bruxuleante pouco dava para ver além de sua imaginação. O
ruído incessante das caldeiras era como um aviso que a qualquer hora o trem
iria partir.
Um zum, zum e um roçar de pano com bastões vermelhos deixou ver meninos
e meninas entrando no seu vagão de segunda classe. Foi um susto, sentiu um
calafrio na espinha... Os sentimentos do passado se transformam em emoções de
um tempo que já passou. Ele sabia que lembrar iria surgir uma pequena luz de
felicidade em sua vida. Sorriu para si mesmo ao ver que eram escoteiros. Quanto
tempo! Tempo demais para reviver. Tinha saudades? Ele nem sabia mais. Tinha se
esquecido de tudo e sabia que sempre tentou afastar de sua mente a alegria de
um passado distante sem volta sem retorno. Todo mundo deveria ter uma lembrança
verdadeira que deveria durar até o fim de sua vida. O escotismo foi um
acontecimento que ele nunca deveria esquecer.
Quantos eram? Onze? Doze? Pode ser. Algumas meninas sorridentes. Qual
delas cantava como um Uirapuru nas noites de luar? Olhou disfarçadamente para
todas elas. Belas, meninas moças que aprendiam a vida na sua melhor forma com a
natureza. Elas e eles garbosos, chapelões, mochilas esverdeadas, bastões
pintados de vermelho e sorrisos em profusões. Ele sabia que nem todo mundo que
chegou em sua vida iria ficar para sempre. O escotismo teve seu auge, seu
momento e fora um passado que quase esqueceu. Fechou os olhos e pensou que não
queria machucar duas vezes. Cada um educadamente sentou em um banco de madeira conversando
alegremente sem incomodar os demais.
Tentou dormir e afastar as belas lembranças dos campos floridos, dos
vales escondidos entre montanhas envergonhadas querendo esconder tudo de tão
belo que possuíam. Quantos acampamentos, quantas aventuras. Deus! Preciso
afastar de mim este belo momento nunca vai me fazer diminuir o que sempre senti
naquela ocasião. Eis que a menina escoteira finalmente se revelou, tinha um
pequeno banjo e com ele fez o arranjo mais bonito que já ouvi. Ah o amor... Que
nasce não sei aonde, vem não sei como e dói não sei por quê. Mas seus versos
não eram assim. Falavam de coisas lindas que só os escoteiros sabem cantar...
O tempo foi passando, o burilar de uma saudade corria como serpentes
entre o rio das sombras e os vagões cinzentos cheios de gente procurando chegar
ao seu destino. Ele semicerrou os olhos para fingir que não via o seu passado.
Jovens amantes da aventura, dos sonhos dourados, das canções em noites de luar...
Sabia que devia aproveitar a companhia de quem trouxe belas recordações de seu
passado que ainda não passou. Afinal nunca sabemos o quando podemos partir. Um
apito, outra estação e o adeus chegava ao fim. Eles desceram, a mocinha
escoteira do banjo cantou a ultima estrofe: - “Coisas impossíveis nunca irão
existir. Melhor esquecê-las que desejá-las”.
Um silêncio sepulcral. Seu passado chegou em forma de meninos e meninas
Escoteiras e partiram como se o vento os levassem para onde ele não podia mais
ver. Olhou de novo pela janela. Ele sabia que se um poeta consegue expressar a
sua infelicidade com toda a felicidade, como é que ele poderia ser infeliz?
Afinal a vida é muito curta prá ser pequena. Uma resolução foi tomada. Partir
para outra. Levantar, seguir o sinal de pista até que encontre o fim de pista.
E se o encontra-se veria próximo o voltei ao ponto de reunião. Adeus passado,
bem vindo futuro. Se for para recomeçar chegou a hora. E ele sabia que sua hora
tinha chegado.
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