terça-feira, 15 de agosto de 2017

Lendas Escoteiras. Nascer e morrer em Casablanca.


Lendas Escoteiras.
Nascer e morrer em Casablanca.

                     O mundo fugiu dos meus pés... Não era eu quem estava ali, quem sabe apenas meu corpo, pois tudo que amava apagou como a luz brilhante no opaco da vida. Lembrei-me de um lindo poema que decorei: - E agora meu Deus? A festa acabou a luz apagou, meus sonhos sumiram, a noite esfriou. E agora meu Deus? Esqueci o meu nome, zombaram de mim, já não faço mais versos, nem sei mais protestar. Foi como um tapa no rosto, na hora morri de desgosto e achei que não ia dar mais. Afinal foi feita de escotismo, minha vida, meu ser minha alma. O que eu fiz? Juro que não sabia. Jogaram-me aos lobos, maledicências que sem perceber não vi quantos deles estavam a minha volta. Olhei para Dona Belinha, tinha eterna admiração e que decepção. Não era a Belinha que conheci, não era a amiga que eu pensava ter.

                   Perdi meus pais nova demais. Tinha somente seis anos. Chorei por meses e até hoje nunca os esqueci. Minha Avó Ana veio para ficar comigo. Não lembro muito de tudo, mas eu era feliz. Quando ele resolveu mudar viemos parar em Casablanca. Nunca tinha ouvido falar nesta cidade.  Fiz novos amigos, melhor ainda entrei como Lobinha no que mais tarde passou a ser o meu motivo de viver, uma filosofia de vida. – Lembro até hoje do meu pai, nos meus seis anos e ele dizendo: Tônia aqui seremos felizes, aqui eu e sua mãe iremos morar por toda a vida. Eles se foram e eu fiquei. Passei para a Tropa escoteira e depois fui Guia. Cada momento inesquecível.

                   Chefe Lima era um amor de pessoa. Não tinha assistentes. Era só ele e três patrulhas com seis meninas participando. Fiquei na Zodíaco, passei a amar a patrulha. Nunca tive queda por nenhum Sênior. Não era de namorar. Gostava mesmo era de acampar, dormir sob as estrelas, encontrar novos lugares e ali sonhar. Quando pequena pensei em ser freira. Católica, presente em todas as missas, confessando uma vez por mês achava que vivia em paz com Deus. Nunca pensei que aquilo ia acontecer. Até hoje tento esquecer. Quantas vezes fui à Casa do Chefe Lima e Dona Belinha me abraçava me contava “causos” histórias quando ela era de minha idade e eu dava boas gargalhadas. Parecia que ela me amava... Parecia.
                    
                   Ela chegou apressada quando estávamos sentados embaixo de um pequizeiro, uma bela sombra, conversávamos sobre a próxima atividade que íamos fazer. Ela não cumprimentou ninguém. Nem ligou para o Chefe Lima. Parou em minha frente e começou a me chamar de vagabunda, cachorra, desocupada e nomes que prefiro não dizer aqui. – Deus do céu! O que estava havendo? Foi então que o Chefe Lima se aproximou – Belinha, por favor! Pare com isto. Enlouqueceu? – Agora você a defende seu safado! Não vive abraçando? Não vivem beijando? Quando vezes me traiu com ela? Devem ter sido milhares. Maldito, não quero saber mais de você. A Tropa estava boquiaberta. Ninguem sabia o que dizer. Dona Belinha saiu chorando e gritando que preferia morrer a me ver novamente ou ao Chefe Lima.

                    Não dava para ficar na reunião. Corri para casa aos prantos. Minha Avó assustou. Perguntou o que era – Contei a ela, nunca tivemos segredos. Ela não acreditava. Conhecia Dona Belinha e disse que ia a casa dela tirar satisfações. Implorei a ela que não fizesse isto. Fui para o meu quarto. Rezei, pedi a Deus que me desse uma luz. Onde foi que errei? Não sabia. Nunca tive nada com o Chefe Lima. Nunca tive nada com ninguém. Nem namorado eu tinha. Fiquei de cama com febre e não parava de chorar. Quilombo o monitor da Touro veio me visitar. Só ele veio mais ninguém. Não falou uma palavra e nem contou o disse me disse que falavam no Grupo Escoteiro.

                    Nenhum Sênior, nenhuma guia apareceu. Vi que não acreditavam em mim. Neste momento tão difícil em que eu precisava de uma força, que me ajudasse a atravessar a tempestade e ninguém só Quilombo me procurou. Resolvi não voltar mais. Se me achavam culpada que fosse. Eu não ia pedir desculpas por algum que não fiz. Um mês depois uma surpresa. Dona Belinha bateu em minha porta. Fiquei assustada. De novo não! – Mas ela foi pedir desculpas. Desculpas? Destruiu-me internamente, me acusou de algum que não fiz. – Tônia ela disse – Meu Deus, o que fiz a você? A culpa foi do Lima. Eu vivia dizendo a ele que parasse de abraçar as meninas. Ele só as abraçava.

                    Jurou-me que era inocentemente, mas um dia Chico Nonô, Patrício Romualdo e José Carlos da Patrulha Gavião conversavam na minha porta. Só ouvi que o Lima estava de caso com você. Que nos acampamentos foi pior. Chorei a noite toda. Interpelei o Lima e ele sempre dizendo que nada havia e era inocente. No sábado não aguentei mais. Aprontei aquele barraco com você. Deus meu o que fiz? Você inocente e acusei injustamente. O tempo foi passando e procurei saber a verdade. Um dia encontrei os três na porta da padaria. Abaixaram a cabeça e disseram que era tudo mentira. Eles estavam muito arrependidos.

                      E como me redimir? Perdão é a única coisa que posso fazer. Exigi ir ao Conselho de Chefes e lá contei tudo. Ninguém disse nada. Não me deixaram contar a verdade no Cerimonial. Mas o mal estava feito. Lima saiu da Tropa. O escotismo para ele era tudo e agora não é nada. Minha vida com ele não tem mais razão de ser. Ele disse que nunca vai me abandonar, mas eu não sei o que fazer. – Dona belinha foi embora chorando. Pensei comigo como voltar? Se meu grupo meus amigos e amigas nem se deram conta de me visitar, de falar comigo de me ajudar na hora difícil eu iria voltar? Nunca mais voltei. Quando fiz dezoito anos minha Avó ao meu pedido me levou no Convento das Carmelitas. Dez anos se passaram. Sinto-me bem, não tenho mais ódio no meu coração. Volto sempre ao Grupo Escoteiro que foi minha vida. Como freira eles me recebem muito bem. Não guardo mágoa e nem rancores.


                         Sei que o escotismo prega o bem, o amor, a bondade e o perdão. Quem sabe aqueles que eram do Grupo Escoteiro ainda não tinham crescido nestas habilidades. Eu rezo muito, peço a Deus que os proteja e o ensine que a Lei Escoteira não foi feita para ler e dizer a todos que existe, a Lei Escoteira faz parte de cada um, se ela não for uma trilha para seguir na vida então nada vale uma promessa. De tudo guardo boas lembranças. Nada de ódio no coração. Que todos eles sejam felizes!

Nota de rodapé: - Uma história de ficção. Todos sabem que a Lei Escoteira não foi feita para ler e dizer a todos que existe, a Lei Escoteira faz parte de cada um que acredita nela, se ela não for uma trilha para seguir na vida então nada vale uma promessa. Não basta dizer que é Escoteiro, tem de mostrar que é. A vida de alguém tem muita importância para que seja jogada aos lobos! Leiam a história e depois comentem. 

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