Lendas
Escoteiras.
O semeador de
ilusões.
Joselito nasceu em Sol
Nascente e um dia resolveu ser escoteiro. Tinha onze anos e dificuldade enorme
para andar. Os músculos da perna com uma distrofia muscular não ajudava. Sua mãe
Dona Ana sofria do mesmo problema. As comadres diziam que era herança de sua
mãe. Dona Ana quase não saia de casa. Ficava mais em sua cadeira de rodas. Nela
passava roupa para a vizinhança para ganhar uns trocados. Joselito tinha um
temperamento de adulto e desde os nove ajudava sua mãe. Ganhou umas taboas,
pediu emprestado um serrote ao Senhor Tote, ajuntou uns pregos enferrujados e
construiu sua primeira caixa de engraxate.
Quando terminava sua escola
comia um pequeno lanche e corria para a Rua do Ouvidor gritando a quem passava
se não queria dar uma graxa lustrosa no seu sapato. Ele fazia limpeza de
quintais, recolhia bugigangas e as que não vendia jogava no lixão próximo a
Fazenda do Macedônio. Caladão quase não sorria. Muitos o viram várias vezes nas
tardes sentado no Beiral da Ponte sobre o Rio Jordão, de olhos fixos na
Montanha do Pardal esperando o por do sol. Ao escurecer procurava o caminho de
sua casa. Não saia a noite. Um dia Moscafe da quarta série apareceu de uniforme
escoteiro na escola. Chamou atenção de todo mundo e também de Joselito. A noite
contou para sua mãe e ela nada disse. Nos olhos do filho sabia o que ele
pretendia fazer.
Chefe Tumbir viu quando um
menino magro, cabelos castanhos, com um suspensório preso de um lado só em seu
calção e uma camisa velha sem gola chegou ao portão da sede. Foi ao seu
encontro mancando de uma perna. Ficou surpreso quando ele lhe deu a mão e disse
que queria ser escoteiro. Chefe Tumbir sorriu. - Olhe meu jovem não há vagas,
me deixa seu endereço e quando surgir lhe telefono! – Joselito não arredou pé.
- Moço, eu não tenho telefone, minha mãe anda em cadeira de rodas, nunca pensei
em vir aqui mas ontem sonhei com vocês. Desculpe, mas não posso esperar que um
dia vá me chamar!
Parecia que a sorte estava do
lado. Brioso o Monitor da Coruja veio avisar que Aluísio ia sair da Patrulha.
Seus pais iam para a capital. – Joselito sorriu e falou para Brioso que ele
seria o próximo Coruja. Pegou na mão de Brioso e disse: - Vamos! – Chefe Tumbir
estava estupefato. Muitos na tropa contam sua história até hoje. Ninguém nunca
disse que ele aprendeu a andar com suas próprias pernas no escotismo, mas ele
mostrou que quando se quer se consegue. Conseguiu a admiração não só dos
Corujas, mas também das demais patrulhas.
Joselito nunca pediu nada a
ninguém. Trabalhou dobrado para comprar seu uniforme. Não se deu por vencido e só
fez a promessa quando tudo ficou pronto. Comprou o chapéu seu cantil sua
mochila e sua faca do mato. A perna aos poucos ia encurtando. A dificuldade
para andar era enorme. Em um sábado de reunião ele se dirigiu ao centro da
ferradura e disse: - Meus irmãos, minha mãe morreu hoje pela manhã. Tenho que
ir ao seu enterro, peço desculpas por faltar à reunião. Era demais. Chefe
Tumbir foi até ele e lhe deu um aperto de mão se solidarizando com lágrimas nos
olhos.
O Padre Joel durante a missa perguntou
se alguém para dar abrigo a Joselito. Ninguém se ofereceu. Chefe Tumbir sabia
que sua esposa não ia aceitar. Ela era contra ele participar do escotismo.
Joselito não pediu nada a ninguém. Sozinho voltou para sua casa e continuou sua
vida. Nunca pediu favores e sim oportunidade de trabalho. Joselito foi crescendo
e um dia teve usar uma muleta para andar. Aos dezesseis anos alugou um
salãozinho na Rua Esmeralda, fez duas caixas de engraxar. Ninguém nunca o viu
reclamar de usar uma muleta.
Na sua loja vendia jornais, revistas
e livros que ganhava quando executava algum serviço no bairro. Joselito
conseguiu tudo no escotismo menos a primeira classe. Sabia que nunca
conseguiria fazer a prova de jornada. O Chefe Tumbir disse que ele poderia
fazer de outro modo e ele não aceitou. Ficou conhecido na cidade pela sua
tenacidade. Um exemplo a ser seguido. Nunca olhava para baixo e encarava a
todos que o procuravam. Aos vinte anos alguém disse a ele que na capital poderia
colocar uma perna mecânica. Ele agradeceu e continuou com sua muleta como se
nada tivesse acontecido. Um dia Chefe Tumbir foi para o céu. Uma tristeza
enorme. Quem seria o novo chefe?
Convidaram-no para ser o
Chefe. As mães e pais dos outros escoteiros foram contra. Joselito agradeceu o
convite. Não iria se indispor com ninguém. Aos vinte e quatro anos Joselito
morreu. Morte simples, sentado em uma cadeira na hora do cerimonial de
bandeira. Não gritou, não pediu ajuda simplesmente morreu. Seu nome passou a
ser comentado por toda cidade. Sua tenacidade e seus feitos também. Souberam o
quanto ele ajudava outros meninos de rua e muitos deles ele levou para o grupo
escoteiro. Ensinou a eles a persistir e não desistir para conseguir tudo com seu
próprio trabalho sem depender de ninguém.
Joselito foi um exemplo em Sol
Nascente. Poucos hoje se lembram dele. O Grupo Escoteiro continuou por anos a funcionar.
Quarenta anos depois alguém resolveu fazer uma estátua para Joselito. Se ela
foi feita eu não sei. A única coisa que sei é que quando se quer alguma coisa
tem de lutar para conseguir. Nada é impossível, basta querer!
Alguns me disseram não ser uma
história real. Sim ou não Joselito mostrou que não importa a idade para aprender
a andar com suas próprias pernas. Reclamar e cruzar os braços não faz parte dos
escoteiros. Quando se quer se consegue. Quando me lembro da história de Joselito
me vem à memória o poeta Patativa do Assaré que escreveu: - “Eu sou de uma
terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer. Da terra querida,
que a linda cabocla de riso na boca zomba no sofrer. Não nego meu sangue, não
nego meu nome olho para a fome, pergunto o que há? Eu sou brasileiro, filho do
Nordeste, Sou cabra da Peste, sou do Ceará”.
Nota de rodapé: - A história de Joselito pode ser
fictícia. Mas é um grande exemplo para aqueles que reclamam e não andam com
suas próprias pernas. Sempre esperando que outros façam por ele. O escotismo
não pode ser assim. Todo jovem deve aprender que viver é lutar pelos seus
sonhos. Boa leitura!
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