Contos de
Fogo de Conselho.
Um “causo” do
acontecido.
Nota: Um continho? Deve
ser. 1.100 palavras para não dizer nada. Ou será que nas entrelinhas eu disse
tudo? Sei não. Cada um que ler vai tirar suas próprias conclusões. Sempre
Alerta!
No inicio da década de sessenta
passei por um pequeno arraial próximo a cidade de Itahomi. Sem emprego fixo tentava
a sorte vendendo livros. Livros caros como a Coleção do Delta La Rouse e a
Enciclopédia Britânica. Não podia ficar à custa dos meus pais e minha obrigação
como escoteiro era me manter profissionalmente. O ônibus fez uma parada em
frente a um bar mais para boteco. Com a fome que eu estava nem ligava onde
poderia comer. Uma mesa tosca com bancos em volta e coberta de sapé dava uma
sombra gostosa e tranquila.
Um refrigerante quase sem gelo e
dois pães com mortadela era meu almoço. Comia como se fosse a melhor refeição
do mundo. Disseram-me que ali eu poderia pegar um ônibus para Residência e de
lá para minha cidade. Ouvi alguém dizer: - Desculpe senhor, posso me assentar
aí também? – Claro meu amigo eu disse. Ele riu quando viu o que tinha nas mãos e
que era igual ao suculento almoço dele. Pães com mortadela e refrigerante.
Notei que ele tinha uma flor de
lis de lapela. E não é que ele era Escoteiro? Ali naquele fim de mundo, comendo
um belo lanche de mortadela e encontro um Escoteiro para jogar conversa fora. Escoteiros
quando se encontram não tem papo que aguente. Contou-me como entrou para o
escotismo. – Olhe Vado Escoteiro, moro em Salto Grande cidade dos seus 24.000
habitantes. Tenho uma pequena fábrica de sapatos herdadas do meu pai. Tinha uma
vidinha nada interessante e pouco participava da vida da cidade. Minha educação
foi dada pelo meu pai um humilde sapateiro. Meu pai foi um cavalheiro, fazia
questão da ética e da cidadania. Eu nunca me meti em falcatruas ou arruaças. Havia
muitos que achavam que eu era um exemplo de cidadão. Um tarde de agosto, um
sábado, fazia limpeza no meu quintal quando percebi no portão da minha casa uma
senhora e quatro Escoteiros. Educadamente me dirigiram a palavra me chamando de
Senhor. Mostraram-se respeitosos o que me fazia bem.
Aprecio muito a forma educada dos jovens com
os adultos. Chamarem-me de Senhor mesmo com meus 23 anos é difícil. Dona
Matilde contou-me uma história que me emocionou. A Tropa 222, do Grupo
Escoteiro Santo Ângelo estava em vias de desaparecer. O Grupo Escoteiro fundado
há oito anos com uma Alcateia uma tropa e seniores, estava em vias de fechar as
portas. Ela gentilmente me explicou o que era alcateia e tropa. Foi uma aula
gratuita de escotismo. Sentamos todos na varanda e Minha tia Dona Norma nos serviu
um café com biscoitos. Ela foi direto ao ponto quando explicou que o antigo
Chefe Fasano, tinha falecido há quatro meses em virtude de um câncer no
cérebro. Isto destruiu metade do grupo em um mês. Ninguém aceitava aquele
destino, pois amavam o Chefe como se fosse um pai.
- Senhor Marco Aurélio, viemos aqui
contando que vai aceitar nosso convite para ser o Chefe da tropa. Falei com os
meninos sobre sua postura e formação de caráter e eles quiseram conhecê-lo.
Precisamos de alguém com moral e ética e o senhor preenche bem estes quesitos. Olhei
os quatros jovens. Dois meninos e duas meninas. Olhavam-me como se eu fosse o
seu líder que podiam contar. Fiquei em duvida, mas aceitei experimentalmente.
Os sorrisos dos jovens foram demais. Seria bom com meus princípios de cidadania
entrar em um movimento de jovens que levavam a serio a ética e o respeito ao
próximo. Não conhecia nada de escotismo e um pequeno livreto do Sistema de
Patrulhas foi meu guia inicial. O tempo me ensinou muitas outras coisas e vi
que o escotismo era um manancial para a formação de jovens aptos a conviver em
sociedade.
Ao ler os livros Escoteiros do
fundador eu sabia que tinha dado um passo certo. Ainda havia no ar alguma arrogância
em alguns chefes que permaneceram, mas com o tempo vi que eram pessoas
dedicadas e honestas. A cidadania é expressa em um conjunto de direitos que dá
a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida de do governo de seu
povo. No escotismo a cidadania ainda não era bem explicitada, mas competia aos
chefes mostrarem o verdadeiro caminho. Acreditava e acredito que precisamos ensinar
também aos adultos o que ensinamos aos jovens através das patrulhas e dos
monitores na tão falada democracia escoteira. Ainda tem alguns que pensam que a
democracia seria aquela que o faz dono da verdade e das ações. Eu sei que a
participação numa sociedade ideal não é fácil de ser implantada. Como a
liberdade consciente e imperfeita numa democracia como a nossa, poderiam todos
pensar que seria uma utopia mudar esta visão.
Fiz diversos cursos escoteiros.
Notei que muitos dirigentes destes cursos não estavam devidamente preparados
para a função que se dedicavam. Muitas vezes me deixaram em duvida, mas os
livros me deram todo cabedal que eu precisava. Houve muitos senões, mas aprendi
com meu pai a não desistir. No livro do fundador dizia ele que aprender com os
jovens é como se cursar uma faculdade escoteira. Eu sabia que quem não tem
cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões
e isto poderia colocar a todos numa posição de inferioridade dentro do grupo social.
Por isto aceitei o desafio. Fiquei quatro anos ininterruptos. Mas o pior
aconteceu. Eleita uma nova diretoria sem eu perceber começou a luta de egos,
cada um querendo mostrar sua liderança seu poder.
Não deu outra. A disputa de cargos
e projeções internas foi tanta que um deles pediu a intervenção regional do
grupo. Desisti. Isto mesmo fui embora para minha casa. Os meninos choraram e
tentaram me demover, mas enquanto estivessem no grupo pessoas atrás do poder em
sabia que não tinha condições de ajudar em nada. O grupo não durou três anos.
Fechou as portas. – Perguntei a ele e você? O que fez? – Chefe, o caminho
estava livre. Voltei, reabri o grupo, convidei pais sem sonhos de poder e hoje
estamos fazendo um belo escotismo.
– É eu pensava com meus
botões. A verdade sempre aparece. Uma buzina e vi a velha jardineira chegando.
Um abraço, um aperto de mão e um desejo de nos vermos novamente. Quem sabe? E
lá fui eu rumo a Residência onde se tivesse sorte pegaria um ônibus no mesmo
dia para casa.
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