sábado, 1 de setembro de 2018

Contos de Fogo de Conselho. Um “causo” do acontecido.



Contos de Fogo de Conselho.
Um “causo” do acontecido.

Nota: Um continho? Deve ser. 1.100 palavras para não dizer nada. Ou será que nas entrelinhas eu disse tudo? Sei não. Cada um que ler vai tirar suas próprias conclusões. Sempre Alerta!

              No inicio da década de sessenta passei por um pequeno arraial próximo a cidade de Itahomi. Sem emprego fixo tentava a sorte vendendo livros. Livros caros como a Coleção do Delta La Rouse e a Enciclopédia Britânica. Não podia ficar à custa dos meus pais e minha obrigação como escoteiro era me manter profissionalmente. O ônibus fez uma parada em frente a um bar mais para boteco. Com a fome que eu estava nem ligava onde poderia comer. Uma mesa tosca com bancos em volta e coberta de sapé dava uma sombra gostosa e tranquila.

             Um refrigerante quase sem gelo e dois pães com mortadela era meu almoço. Comia como se fosse a melhor refeição do mundo. Disseram-me que ali eu poderia pegar um ônibus para Residência e de lá para minha cidade. Ouvi alguém dizer: - Desculpe senhor, posso me assentar aí também? – Claro meu amigo eu disse. Ele riu quando viu o que tinha nas mãos e que era igual ao suculento almoço dele. Pães com mortadela e refrigerante.

             Notei que ele tinha uma flor de lis de lapela. E não é que ele era Escoteiro? Ali naquele fim de mundo, comendo um belo lanche de mortadela e encontro um Escoteiro para jogar conversa fora. Escoteiros quando se encontram não tem papo que aguente. Contou-me como entrou para o escotismo. – Olhe Vado Escoteiro, moro em Salto Grande cidade dos seus 24.000 habitantes. Tenho uma pequena fábrica de sapatos herdadas do meu pai. Tinha uma vidinha nada interessante e pouco participava da vida da cidade. Minha educação foi dada pelo meu pai um humilde sapateiro. Meu pai foi um cavalheiro, fazia questão da ética e da cidadania. Eu nunca me meti em falcatruas ou arruaças. Havia muitos que achavam que eu era um exemplo de cidadão. Um tarde de agosto, um sábado, fazia limpeza no meu quintal quando percebi no portão da minha casa uma senhora e quatro Escoteiros. Educadamente me dirigiram a palavra me chamando de Senhor. Mostraram-se respeitosos o que me fazia bem.

             Aprecio muito a forma educada dos jovens com os adultos. Chamarem-me de Senhor mesmo com meus 23 anos é difícil. Dona Matilde contou-me uma história que me emocionou. A Tropa 222, do Grupo Escoteiro Santo Ângelo estava em vias de desaparecer. O Grupo Escoteiro fundado há oito anos com uma Alcateia uma tropa e seniores, estava em vias de fechar as portas. Ela gentilmente me explicou o que era alcateia e tropa. Foi uma aula gratuita de escotismo. Sentamos todos na varanda e Minha tia Dona Norma nos serviu um café com biscoitos. Ela foi direto ao ponto quando explicou que o antigo Chefe Fasano, tinha falecido há quatro meses em virtude de um câncer no cérebro. Isto destruiu metade do grupo em um mês. Ninguém aceitava aquele destino, pois amavam o Chefe como se fosse um pai.

            - Senhor Marco Aurélio, viemos aqui contando que vai aceitar nosso convite para ser o Chefe da tropa. Falei com os meninos sobre sua postura e formação de caráter e eles quiseram conhecê-lo. Precisamos de alguém com moral e ética e o senhor preenche bem estes quesitos. Olhei os quatros jovens. Dois meninos e duas meninas. Olhavam-me como se eu fosse o seu líder que podiam contar. Fiquei em duvida, mas aceitei experimentalmente. Os sorrisos dos jovens foram demais. Seria bom com meus princípios de cidadania entrar em um movimento de jovens que levavam a serio a ética e o respeito ao próximo. Não conhecia nada de escotismo e um pequeno livreto do Sistema de Patrulhas foi meu guia inicial. O tempo me ensinou muitas outras coisas e vi que o escotismo era um manancial para a formação de jovens aptos a conviver em sociedade.

             Ao ler os livros Escoteiros do fundador eu sabia que tinha dado um passo certo. Ainda havia no ar alguma arrogância em alguns chefes que permaneceram, mas com o tempo vi que eram pessoas dedicadas e honestas. A cidadania é expressa em um conjunto de direitos que dá a pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida de do governo de seu povo. No escotismo a cidadania ainda não era bem explicitada, mas competia aos chefes mostrarem o verdadeiro caminho. Acreditava e acredito que precisamos ensinar também aos adultos o que ensinamos aos jovens através das patrulhas e dos monitores na tão falada democracia escoteira. Ainda tem alguns que pensam que a democracia seria aquela que o faz dono da verdade e das ações. Eu sei que a participação numa sociedade ideal não é fácil de ser implantada. Como a liberdade consciente e imperfeita numa democracia como a nossa, poderiam todos pensar que seria uma utopia mudar esta visão.

             Fiz diversos cursos escoteiros. Notei que muitos dirigentes destes cursos não estavam devidamente preparados para a função que se dedicavam. Muitas vezes me deixaram em duvida, mas os livros me deram todo cabedal que eu precisava. Houve muitos senões, mas aprendi com meu pai a não desistir. No livro do fundador dizia ele que aprender com os jovens é como se cursar uma faculdade escoteira. Eu sabia que quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões e isto poderia colocar a todos numa posição de inferioridade dentro do grupo social. Por isto aceitei o desafio. Fiquei quatro anos ininterruptos. Mas o pior aconteceu. Eleita uma nova diretoria sem eu perceber começou a luta de egos, cada um querendo mostrar sua liderança seu poder.

                 Não deu outra. A disputa de cargos e projeções internas foi tanta que um deles pediu a intervenção regional do grupo. Desisti. Isto mesmo fui embora para minha casa. Os meninos choraram e tentaram me demover, mas enquanto estivessem no grupo pessoas atrás do poder em sabia que não tinha condições de ajudar em nada. O grupo não durou três anos. Fechou as portas. – Perguntei a ele e você? O que fez? – Chefe, o caminho estava livre. Voltei, reabri o grupo, convidei pais sem sonhos de poder e hoje estamos fazendo um belo escotismo.

– É eu pensava com meus botões. A verdade sempre aparece. Uma buzina e vi a velha jardineira chegando. Um abraço, um aperto de mão e um desejo de nos vermos novamente. Quem sabe? E lá fui eu rumo a Residência onde se tivesse sorte pegaria um ônibus no mesmo dia para casa.

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