Lendas
escoteiras.
Ninguém foge
ao seu destino.
Prólogo
“Saiu de casa
para conversar com um amigo e contar para ele a novidade”. Vibrava com a
possibilidade de ser Escoteiro. Seu pai iria levá-lo neste sábado. O presenteou
com seu uniforme que usou quando era menino. Ele se encantou com o chapelão e o
lenço. Um sonho que acalentava há muito tempo. Ao atravessar a rua, foi pego
por um carro a toda a velocidade, fugindo da policia que vinha logo atrás. Foi
arremessado à grande distância. Ficou inconsciente e perdeu muito sangue. -
Levado ao hospital ficou em coma dois meses. Saiu do coma, mas sem movimentos
no corpo, ficara paraplégico. Durante um bom tempo não lembrou mais de seus
sonhos. Agora eram outros e escotismo para ele ficou em um passado distante.
“Pensou que com o tempo seus movimentos voltariam, ele não desanimou e o tempo
passou.”
Quatro anos se passaram quando seus pais o levaram para casa. Nenhum movimento
durante este tempo. Conseguiu mexer os braços isto depois de muito tratamento
em um centro de reabilitação. Mas as pernas não. O corpo também não. No
primeiro ano não falava. Não tinha o que dizer. A voz engasgada. Uma terapeuta
fez tudo para ele sorrir e nada. Não acreditava em que diziam a ele. O dia mais
feliz de sua vida se foi como uma grande tempestade. Ele agora só via raios e
trovões a lhe auscultar o cérebro. Seu atropelamento foi um desastre. Matou seu
sonho e até sua vontade de viver. Treze anos uma vida a começar assim
interrompida. Sua mãe sempre com os olhos vermelhos. Seu pai fez tudo que
podia, gastou o que não tinha até que os médicos disseram que era melhor ele ir
para casa. Seu corpo não mais reagia ao tratamento.
Em casa pediu a sua mãe que colocasse o uniforme
Escoteiro que seu pai lhe dera no baú do seu pai. Ele não queria vê-lo nunca
mais. Seu quarto era aconchegante, a janela dava para um pequeno jardim que sua
mãe cuidava diariamente. Mas ele não sentia mais o perfume das flores e o sol e
a lua para ele não tinha diferença. Dormia de dia ficava acordado a noite.
Dormia a noite e ficava acordado durante o dia. Trocava sempre à noite pelo
dia. Em tempo algum nada lhe faltou. Sua mãe sempre presente. Banhos, fraldas,
refeições, virá-lo sempre para não dar ferida ao corpo, enfim uma mãe
incansável para que seu filho pelo menos sorrisse.
Uma tarde bateram em sua porta. Sua mãe atendeu.
Surpresa. Dois escoteiros uniformizados queriam falar com Miltinho. Ele não
entendeu nada. Não os conhecia. Nunca os viu e esteve na sede deles por pouco
tempo. – O que querem? Falou. Sejam breve estou sem tempo agora! Mal educado.
Nunca pensou que um dia falaria assim. Eles sorriram. Nós não queremos nada de
você. É você que vai querer de nós. Chega de auto-piedade. Você só sabe sentir
compaixão de si mesmo? Está com dozinha de você? Lastimando-se? Não vê que tem
pessoas sofrendo a sua volta? Afinal, você é um homem ou um rato? – Quem são
vocês? Quem dá o direito de falarem assim comigo? – Eles não responderam.
Mudaram de assunto. – Sábado que vem vamos vir aqui e levar você para a reunião
escoteira. Afinal não era seu sonho? Só porque se acidentou se acovardou?
Miltinho não escondia sua surpresa e eles foram embora. Chamou sua mãe e
perguntou quem eram eles? Eles quem? Ela disse. Os dois escoteiros que aqui
estiveram. – Meu filho, não veio ninguém aqui hoje. Miltinho ficou mudo. Por
quê? Quem eram? Fantasmas? Assombração? Afinal ele já estava com dezesseis anos
e não tinha medo de nada mesmo entrevado numa cama. Mas porque, porque,
insistiu com seu pensamento. No sábado bateram a porta. Lá estava os dois de
novo. Vamos – disseram. Ir com vocês? Vocês são fantasmas! Não ando com
fantasmas. Eles riram. Pegaram Miltinho, colocaram-no em uma cadeira de rodas e
saíram de casa rumo à sede Escoteira. Nem despediu de sua mãe e seu pai. Os
dois a pé empurrando a cadeira de rodas. Uma festa. Aplausos de todos os
jovens. Abraçaram-no, e foi para uma Patrulha Sênior com duas meninas e três
meninos. Ele era o sexto. Claro na cadeira de rodas.
Miltinho!
Largue esta cadeira, agora vamos fazer um jogo e não dá para você ficar sentado
feito um folgado! Um deles sem ele esperar o levantou e outro empurrou a
cadeira para o canto do pátio. Miltinho pensou que ia cair, mas suas pernas se
firmaram. Ele não acreditava! Vamos molenga! Diziam todos! Miltinho sorriu,
correu, brincou, suou e de volta a sua casa quando entrou viu que esqueceu a
cadeira de rodas na sede. Que fique lá para sempre, disse para si mesmo. Aperto
de mão, abraços e Sempre Alerta e lá foram os dois escoteiros.
Sua mãe o chamou várias vezes e ele custou para acordar. – Mãe a senhora me viu
chegar ontem com os dois escoteiros? Como? Ela disse. Eu fui lá com os dois
escoteiros. Sua mãe sorriu. Mas e a cadeira de rodas? Ela não veio! Meu filho,
você nunca teve uma cadeira de rodas. Não pode sentar. É bom que ele sonhe
pensou sua mãe. Pelo menos não fica tão triste como estava. Se isto lhe faz bem
vou ajudar. E eis que Miltinho senta na cama, se levanta e diz a sua mãe –
Deixa que eu vá ao banheiro, escovar os dentes e depois vamos todos tomarmos
juntos o café da manhã. Há tempos não fazemos isto! Sua mãe estava boquiaberta!
Meu Deus! Um milagre? Ela não sabia se ria ou chorava. Gritava de alegria e
chamou seu pai que veio correndo. O abraçou. Quem visse veria uma família
maravilhada e sorrindo como ninguém sorriu antes.
Miltinho voltou a estudar. Seu pai o levou aos escoteiros. Ele se tornou um
jovem tão feliz que o mundo mudou e ele acompanhou. Sei que hoje é muito
requisitado na fábrica que trabalha pela sua felicidade. Os outros querem saber
como fazer para ser feliz. Miltinho lembra-se de tudo que aconteceu. Não sabe
explicar o que houve quem eram os escoteiros e qual o grupo que foi. Não
importava. Se Deus quis assim, agradecemos a Deus por ter me dado à vida de
novo. Os escoteiros do sonho nunca mais apareceram. Mas Miltinho nunca os
esqueceu. Casou e teve um filho sendo batizado com o seu nome. Miltinho
Alencar. Quase não tinha tempo para ele. Quando fez treze anos disse que queria
ser Escoteiro. Miltinho sorriu. Deu para ele seu uniforme. Vou lá com você no
sábado, seu filho sorria de alegria.
De manhã abriu a janela, agradeceu a Deus pela vida e sua alegria em ser
Escoteiro. Correu a casa de um amigo para contar a novidade. Ele seria
escoteiro como seu pai fora. Ao atravessar a rua viu um carro em alta
velocidade fugindo de um carro da policia. Pneus rangeram uma batida forte.
Alguém gritava. Miltinho por sorte escapara. Não sabe como não foi
atropelado. Alguém o empurrou antes da batida. O carro dos bandidos bateu em um
poste. Um morto e outro ferido. Miltinho Filho respirava ofegante. Graças a
Deus, Graças a Deus. Olhou no final da rua e viu dois escoteiros acenando.
Seriam eles os escoteiros dos sonhos de seu pai? Acenou também. Meus anjos da
guarda ele pensou. A vida nos reserva surpresas sem explicação. Fazer o que?
Aceitar o seu destino, pois Miltinho sabia que ninguém foge ao seu destino.
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