quarta-feira, 15 de junho de 2016

Ninguém foge ao seu destino.


Lendas escoteiras.
Ninguém foge ao seu destino.

Prólogo

“Saiu de casa para conversar com um amigo e contar para ele a novidade”. Vibrava com a possibilidade de ser Escoteiro. Seu pai iria levá-lo neste sábado. O presenteou com seu uniforme que usou quando era menino. Ele se encantou com o chapelão e o lenço. Um sonho que acalentava há muito tempo. Ao atravessar a rua, foi pego por um carro a toda a velocidade, fugindo da policia que vinha logo atrás. Foi arremessado à grande distância. Ficou inconsciente e perdeu muito sangue. - Levado ao hospital ficou em coma dois meses. Saiu do coma, mas sem movimentos no corpo, ficara paraplégico. Durante um bom tempo não lembrou mais de seus sonhos. Agora eram outros e escotismo para ele ficou em um passado distante. “Pensou que com o tempo seus movimentos voltariam, ele não desanimou e o tempo passou.”

           Quatro anos se passaram quando seus pais o levaram para casa. Nenhum movimento durante este tempo. Conseguiu mexer os braços isto depois de muito tratamento em um centro de reabilitação. Mas as pernas não. O corpo também não. No primeiro ano não falava. Não tinha o que dizer. A voz engasgada. Uma terapeuta fez tudo para ele sorrir e nada. Não acreditava em que diziam a ele. O dia mais feliz de sua vida se foi como uma grande tempestade. Ele agora só via raios e trovões a lhe auscultar o cérebro. Seu atropelamento foi um desastre. Matou seu sonho e até sua vontade de viver. Treze anos uma vida a começar assim interrompida. Sua mãe sempre com os olhos vermelhos. Seu pai fez tudo que podia, gastou o que não tinha até que os médicos disseram que era melhor ele ir para casa. Seu corpo não mais reagia ao tratamento.

          Em casa pediu a sua mãe que colocasse o uniforme Escoteiro que seu pai lhe dera no baú do seu pai. Ele não queria vê-lo nunca mais. Seu quarto era aconchegante, a janela dava para um pequeno jardim que sua mãe cuidava diariamente. Mas ele não sentia mais o perfume das flores e o sol e a lua para ele não tinha diferença. Dormia de dia ficava acordado a noite. Dormia a noite e ficava acordado durante o dia. Trocava sempre à noite pelo dia. Em tempo algum nada lhe faltou. Sua mãe sempre presente. Banhos, fraldas, refeições, virá-lo sempre para não dar ferida ao corpo, enfim uma mãe incansável para que seu filho pelo menos sorrisse.

        Uma tarde bateram em sua porta. Sua mãe atendeu. Surpresa. Dois escoteiros uniformizados queriam falar com Miltinho. Ele não entendeu nada. Não os conhecia. Nunca os viu e esteve na sede deles por pouco tempo. – O que querem? Falou. Sejam breve estou sem tempo agora! Mal educado. Nunca pensou que um dia falaria assim. Eles sorriram. Nós não queremos nada de você. É você que vai querer de nós. Chega de auto-piedade. Você só sabe sentir compaixão de si mesmo? Está com dozinha de você? Lastimando-se? Não vê que tem pessoas sofrendo a sua volta? Afinal, você é um homem ou um rato? – Quem são vocês? Quem dá o direito de falarem assim comigo? – Eles não responderam.  Mudaram de assunto. – Sábado que vem vamos vir aqui e levar você para a reunião escoteira. Afinal não era seu sonho? Só porque se acidentou se acovardou?

            Miltinho não escondia sua surpresa e eles foram embora. Chamou sua mãe e perguntou quem eram eles? Eles quem? Ela disse. Os dois escoteiros que aqui estiveram. – Meu filho, não veio ninguém aqui hoje. Miltinho ficou mudo. Por quê? Quem eram? Fantasmas? Assombração? Afinal ele já estava com dezesseis anos e não tinha medo de nada mesmo entrevado numa cama. Mas porque, porque, insistiu com seu pensamento. No sábado bateram a porta. Lá estava os dois de novo. Vamos – disseram. Ir com vocês? Vocês são fantasmas! Não ando com fantasmas. Eles riram. Pegaram Miltinho, colocaram-no em uma cadeira de rodas e saíram de casa rumo à sede Escoteira. Nem despediu de sua mãe e seu pai. Os dois a pé empurrando a cadeira de rodas. Uma festa. Aplausos de todos os jovens. Abraçaram-no, e foi para uma Patrulha Sênior com duas meninas e três meninos. Ele era o sexto. Claro na cadeira de rodas.

Miltinho! Largue esta cadeira, agora vamos fazer um jogo e não dá para você ficar sentado feito um folgado! Um deles sem ele esperar o levantou e outro empurrou a cadeira para o canto do pátio. Miltinho pensou que ia cair, mas suas pernas se firmaram. Ele não acreditava! Vamos molenga! Diziam todos! Miltinho sorriu, correu, brincou, suou e de volta a sua casa quando entrou viu que esqueceu a cadeira de rodas na sede. Que fique lá para sempre, disse para si mesmo. Aperto de mão, abraços e Sempre Alerta e lá foram os dois escoteiros.

            Sua mãe o chamou várias vezes e ele custou para acordar. – Mãe a senhora me viu chegar ontem com os dois escoteiros? Como? Ela disse. Eu fui lá com os dois escoteiros. Sua mãe sorriu. Mas e a cadeira de rodas? Ela não veio! Meu filho, você nunca teve uma cadeira de rodas. Não pode sentar. É bom que ele sonhe pensou sua mãe. Pelo menos não fica tão triste como estava. Se isto lhe faz bem vou ajudar. E eis que Miltinho senta na cama, se levanta e diz a sua mãe – Deixa que eu vá ao banheiro, escovar os dentes e depois vamos todos tomarmos juntos o café da manhã. Há tempos não fazemos isto! Sua mãe estava boquiaberta! Meu Deus! Um milagre? Ela não sabia se ria ou chorava. Gritava de alegria e chamou seu pai que veio correndo. O abraçou. Quem visse veria uma família maravilhada e sorrindo como ninguém sorriu antes.

           Miltinho voltou a estudar. Seu pai o levou aos escoteiros. Ele se tornou um jovem tão feliz que o mundo mudou e ele acompanhou. Sei que hoje é muito requisitado na fábrica que trabalha pela sua felicidade. Os outros querem saber como fazer para ser feliz. Miltinho lembra-se de tudo que aconteceu. Não sabe explicar o que houve quem eram os escoteiros e qual o grupo que foi. Não importava. Se Deus quis assim, agradecemos a Deus por ter me dado à vida de novo. Os escoteiros do sonho nunca mais apareceram. Mas Miltinho nunca os esqueceu. Casou e teve um filho sendo batizado com o seu nome. Miltinho Alencar. Quase não tinha tempo para ele. Quando fez treze anos disse que queria ser Escoteiro. Miltinho sorriu. Deu para ele seu uniforme. Vou lá com você no sábado, seu filho sorria de alegria.



          De manhã abriu a janela, agradeceu a Deus pela vida e sua alegria em ser Escoteiro. Correu a casa de um amigo para contar a novidade. Ele seria escoteiro como seu pai fora. Ao atravessar a rua viu um carro em alta velocidade fugindo de um carro da policia. Pneus rangeram uma batida forte. Alguém gritava. Miltinho por sorte escapara.  Não sabe como não foi atropelado. Alguém o empurrou antes da batida. O carro dos bandidos bateu em um poste. Um morto e outro ferido. Miltinho Filho respirava ofegante. Graças a Deus, Graças a Deus. Olhou no final da rua e viu dois escoteiros acenando. Seriam eles os escoteiros dos sonhos de seu pai? Acenou também. Meus anjos da guarda ele pensou. A vida nos reserva surpresas sem explicação. Fazer o que? Aceitar o seu destino, pois Miltinho sabia que ninguém foge ao seu destino. 

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